Artur Queiroz*, Luanda
A minha entrada numa Redacção ficou marcada por esta lição. Os jornais são espaços de liberdade. E só é jornalista quem souber viver entre as fronteiras da honra e da dignidade. Porque escrever é coisa ao alcance dos miúdos da quarta classe. Qualquer um é capaz de compor mensagens informativas. Acreditei. Até que um patrão chamou todos os jornalistas do “reviralho” e despediu-os, dando esta ordem: Vão à tesouraria fazer contas. Eu não fui e ousei ameaçar o dono. Disse-lhe na cara, com os olhos incendiados, que o atirava pela janela para a rua. Estávamos num terceiro andar!
A maka meteu polícia e fiquei
marcado. O conflito com os patrões tornou-se insanável. Eles transformaram os
espaços de liberdade
Antes de voltar ao lixo, lembro o meu vizinho da Kapopa, o senhor Van-Dúnem, latoeiro de profissão. Sempre o conheci velho. Vivia com um neto da minha idade, o meu único amigo. Nas redondezas todos diziam que ele era feiticeiro. Nunca se viu um velho a viver sem família, só com uma criança. Era verdade. Todas as casas acolhiam grandes famílias com crianças, muitas, adultos e mais-velhos.
O latoeiro fazia candeeiros a pitrol com latas de sardinhas e outras embalagens. Meu Pai levava a mercadoria nas suas operações de permuta. O senhor Van-Dúnem ganhava bem com o negócio. Além de artista das latas, era um extraordinário contador de histórias. Enquanto trabalhava, contava-me as mais belas. Era o avô que não tinha. O fornecedor de alimentos à minha imaginação. Via nele mais do que um deus. Ouvir dizer que ele era feiticeiro magoava-me. Um insulto.
Um dia perguntei-lhe se era feiticeiro. Ele olhou para mim com um sorriso e disse: Isso não existe, meu filho. Não há feiticeiros E eu, furioso, respondi: Há sim! Esses que lhe chamam feiticeiro são uns grandes feiticeiros!
O artista das latas parou o trabalho, sentou-se no chão junto a mim e falou assim: Não há feiticeiros. Não existe feitiço. Não há bons e maus. Quando tratamos os outros como maus, eles tratam-nos da mesma maneira. Ficamos todos maus. O segredo da vida é sermos todos bons. Enquanto não formos capazes de tratar todos como bons, vamos andar sempre zangados uns com os outros. E a fazer grandes makas.
Meu Pai era um desterrado. O senhor Van-Dúnem também. Foi parar ao Negage de castigo. Para não ficar só, um dia levaram-lhe o neto. Eles eram os bons para mim mas os maus para quem os desterrou. Se tratamos os outros por maus, então também somos tratados assim.
O senhor Navalny morreu numa prisão onde cumpria pesada pena. Ele devia saber que os russos não toleram nazis. O Nacionalismo Russo brota da Mãe Rússia, uma força telúrica que derrotou as “invencíveis” hordas hitlerianas.