sábado, 14 de junho de 2025

Angola | Corrida do Cazuno e Entreviste-as – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda >

O Mano Arnesto Lara Filho chegou ao Palácio da Cuca com um saco de patas e pescoços de frango, oferta do director da Avicuca, seu antigo colega na Escola de Regentes Agrícolas em Coimbra. O Joca Luandense saltou para o fogão e anunciou que ia cozinhar um muzongué daqueles! Álvaro Novais rezingou e disse entre dentes: Nunca se viu um caldo com patas de galinha. Esse nem atrasa a ressaca da bebedeira!

O comandante Leopoldo e Lopo de Morais, Mais práticos e pragmáticos, foram dar um coro ao cantineiro e conseguiram uma caixa de Castelvinho a crédito. Vinho fiado! Pedro Jara de Carvalho racionava as bebidas a todos. Menos ao Álvaro Novais que teve direito a uma garrafa e bebia directamente do gargalo. Estava armada a festa.

Os diplomatas foram duas vezes ao cantineiro e conseguiram o fornecimento de mais três caixas de Castelvinho. Alta madrugada Lopo de Morais começou a falar katanhô. Mau sinal. Quando resvalava para o crioulo, a bebida já comandava a tertúlia. E ante a admiração geral anunciou que no dia seguinte ia participar na Corrida de São Silvestre. Ninguém lhe deu importância. E ele repetia que tinha de dormir cedo porque um atleta tem de se cuidar. Era o vinho a falar.

Tudo mentira. No dia seguinte calhou-me cobrir a Corrida de São Silvestre. O Mais Velho Bobela Mota pediu-me para apanhar pormenores laterais ao atletismo. E particularizou: “Apanha uma história engraçada do Aldegalega”! Como saíamos à tarde, o relato da corrida estava mais do que esgotado pelas rádios e os jornais diários matutinos. 

Determinado a procurar o que mais ninguém ia contar, fui para a linha de partida, uma hora antes do início da Corrida de São Silvestre, que me tinha lixado a festa de réveillon para deitar fora o ano velho e receber o ano novo, com muita alegria e um tanto de bebida. O campeão Armando Aldegalega chegou pouco depois com mais dois atletas portugueses. Depois chegaram os atletas de Moçambique e África do Sul. Todos davam saltos e faziam alongamentos para aquecer.

O lugar de partida, no Largo do Baleizão, ficou cheio quando chegaram os atletas angolanos. O grupo do Atlético era numeroso. Atletas preparados pelo imortal Demóstenes de Almeida. E entre os grandes atletas nacionais vejo o Lopito de Morais envergando uma camisola parto-te os cornos e com calção igual às cuecas do Robert Mitchum no filme Baloiço para Dois. Preparado para a São Silvestre? – Perguntei a rir. E ele: Esta não é para galegos nem troianos. A taça fica em Luanda! E dava saltinhos à minha frente. Aquilo era mesmo a sério. Lopo de Morais ia concorrer!

Sinal de partida e o Lopito saiu disparado em direcção aos Coqueiros. Armando Aldegalega e os outros favoritos estrangeiros correram atrás dele. No Largo do Pelourinho os corredores tinham de seguir em frente para a Mutamba. O nosso atleta virou à direita e subiu a rampa que vai dar à Rádio Eclésia. Aldegalega e os outros favoritos foram atrás dele. Virou à esquerda, acelerou ainda mais, entrou na Rua do Cazuno e parou à porta de sua casa. Disse ao Armando Aldeglega e aos outros atletas: “Eu moro aqui, só estive a fazer aquecimento para tomar banho. É melhor voltarem para trás”. 

Armando Aldegalega tinha ganho em 1962 e 1963. Em 1964 compareceu com o título de atleta olímpico, porque participou na maratona dos jogos de Tóquio. Todos diziam que ia esmagar a concorrência. Perdeu. Quando regressou ao traçado correcto da prova tinha perdido tanto tempo que nunca mais recuperou. Surgiram protestos e propostas para a corrida ser repetida no dia 1 de Janeiro. Mas não adiantou. O Lopito refugiou-se no Palácio da Cuca para não ser preso. Só regressou a casa quando o falatório acabou. Eu contei a Corrida da Rua do Cazuno mas a censura cortou. Sempre fui um incompreendido.

A entrevista é o género jornalístico mais eficaz para preencher vazios de informação. Surgiu na Imprensa dos EUA no início do Século XX. Os jornalistas da época diziam que eram apenas fretes. Estavam enganados. Ernesto Bartolomeu, da TPA, acaba de criar uma nova versão, a entreviste-a. Coisa de luxo, à angolana.

Antes que dê para o torto, informo Ernesto Bartolomeu algo sensacional. Os atletas que vão participar na Corrida São Silvestre de Luanda já estão a preparar-se intensamente. Treinos diários. Corridas na rua, nas pistas e preparação física nos ginásios. Ninguém quer aparecer na linha de partida para fazer a figura do Lopo de Morais. Quem entra numa prova, seja desportiva, eleitoral ou de culinária é para ganhar. 

Nas eleições de 2022 estavam inscritos 14.399.391 de eleitores. A abstenção foi de 55,18 por cento, o que equivale a 7.945.282 votantes. Isto quer dizer que foram votar 6.454.109. Entre os votantes, 182.000 anularam o boletim ou votaram em branco. O MPLA venceu com 3.209.429 votos, 51,17 por cento. O segundo partido mais votado, a UNITA, teve 2.756.786 votos. Angola tem quase 37 milhões de habitantes. Acresce que o MPLA perdeu as eleições nos círculos eleitorais de Luanda, Zaire e Cabinda.

O MPLA teve desde a sua fundação como presidentes Ilídio Machado, um cavalheiro que foi técnico superior dos Correios, Telégrafos e Telefones (CTT), Mário Pinto de Andrade, um intelectual das letras e ideias, Agostinho Neto, médico, líder de nível universal e Fundador da República Popular de Angola, José Eduardo dos Santos, engenheiro, arquitecto da paz e da unidade nacional. O actual presidente é um deus vendedor de bênçãos. Espero que em 2027 não nos saia um comerciante que fez carreira a vender preservativos avariados à porta das maternidades.

Conclusão. Se o próximo líder do MPLA e cabeça de lista às eleições de 2027 tiver a bênção de João Lourenço, lá se vão os três milhões de votos. Não lhe comprem bênçãos, por favor! E não acreditem no Ernesto Bartolomeu. A preparação para a corrida eleitoral de 2027 devia ter começado em Outubro de 2022!

Os bancos acabam de fechar. A administração da Empresa Edições Novembro não pagou nem me disse como e quando vai pagar, os salários e subsídios que me deve, há dez anos. Caloteiros e ladrões do pão alheio. A tutela é conivente. O Titular do Poder Executivo ainda não lhes vendeu a bênção da honestidade. É também conivente.

* Jornalista

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