No momento em que a
Petrobrás alcança meio milhão de barris de petróleo extraídos do pré-sal,
ouve-se um silencio sepulcral das goelas conservadoras.
Saul Leblon –
Carta Maior, editorial
As mesmas que amargam a ressaca da Copa das Copas.
As mesmas que, há menos de uma semana, trovejavam contra a cessão de
novos campos à estatal, com mais de 15 bilhões de barris, decidida pela
Presidenta Dilma.
O desconforto é enorme.
A eficiência da empresa em extrair --aceleradamente-- o óleo existente a
seis mil metros abaixo da linha do mar, comprova o acerto da cessão
onerosa.
Mas reitera também o regime de partilha que ordena toda a exploração das
maiores reservas descobertas no planeta no século XXI – decisão exitosa
igualmente bombardeada pelo conservadorismo e seu dispositivo emissor.
A República dos acionistas, que pauta o jornalismo isento, tem
alergia a novos investimentos em exploração.
Explica-se: momentaneamente, eles podem reduzir o
caixa dos dividendos.
O fato de a cessão ter transformado a estatal na detentora da
segunda maior reserva de óleo do mundo, é desprezível aos olhos do interesse
particularista que avoca sua supremacia em detrimento da nação e do futuro de
sua gente.
Graças à decisão de Dilma, a estatal criada por Getúlio Vargas
–cujo legado FHC prometeu dissolver— passou a dispor de um estoque de 31
bilhões de barris exploráveis.
Pouco abaixo apenas da Rosnet (russa), com 33 bi/barris, mas que será
certamente ultrapassada pela Petrobrás, que levita num oceano de reservas
estimadas em 100 bilhões de barris.
Não estamos falando de um detalhe tangencial à luta pelo desenvolvimento
brasileiro.
O pré-sal, é forçoso repetir, quando tantos preferem esquecer, mudou o peso
geopolítico do Brasil.
É como se o país ganhasse quatro anos de PIB em petróleo, a preços de
hoje --sob controle político da sociedade.
Graças ao regime de partilha, essa riqueza será estatalmente direcionada para
reverter mazelas seculares incrustradas em seu tecido social.
Não se trata de um futuro remoto, como o demonstra o marco de meio milhão de
barris de óleo atingido agora.
O pré-sal já alterou a curva de produção da Petrobras.
A estatal, que levou 60 anos para chegar à extração de dois milhões
de barris/dia, vai dobrar essa marca em apenas sete anos.
Talvez menos.
A ignorância tudo pode, mas quem desdenha dessa mutação em curso sabe muito
bem o que está em jogo.
Dez sistemas de produção do pre-sal entram em operação até 2020.
Hoje, apenas oito anos após as descobertas, os novos reservatórios já produzem
500 mil barris/dia.
Em 2020 serão mais dois milhões de barris/dia.
A curva é geométrica.
Para reter as rendas do refino na economia brasileira, a capacidade de
processamento da Petrobras crescerá proporcionalmente: de pouco mais de dois
milhões de barris/dia hoje, alcançará 3,6 milhões de barris/dia em seis
ou sete anos.
Para isso estão sendo erguidas quatro refinarias, simultaneamente.
O conjunto requer US$ 237 bilhões em investimentos até 2017.
É o maior programa de investimento de uma petroleira em curso no mundo.
E será assim por muitos anos –o que explica os surtos recorrentes de urticária
da República dos acionistas e de seu jornalismo operoso.
Os desdobramentos desse ciclo não podem ser subestimados.
A infraestrutura é o carro-chefe do investimento nacional no próximo
estirão de crescimento a ser pactuado com toda a sociedade.
Mais de 60% do total de R$ 1 trilhão em projetos serão investidos na
cadeia de óleo e gás.
Objetivamente: nenhuma agenda política relevante pode negligenciar aquela
que é a principal fronteira crível de um salto do país em cadeias
tecnológicas que viabilizem a sua inserção soberana no mercado mundial.
Mas foi exatamente esse sugestivo lapso que o candidato ‘mudancista’,
Aécio Neves, cujo coordenador de campanha será o não menos ‘mudancista’
presidente dos demos, Agripino Maia, cometeu em dezembro de 2013, quando lançou
sua agenda eleitoral, já como presidenciável do PSDB.
Como observou Carta Maior naquela oportunidade, em oito mil e 17 palavras
encadeadas em um jorro espumoso do qual se extrai ralo sumo, o candidato
tucano não mencionou uma única vez o trunfo que mudou o perfil
geopolítico do país.
Repita-se, Aécio Neves lançou uma agenda eleitoral sem a expressão pré-sal.
O tucanato espojou-se no caso Pasadena; convocou fanfarras para alardear ‘o
desgoverno’ dentro da estatal, mas não reservou um grão de areia de espaço em
sua agenda eleitoral para tratar da grande alavanca estratégica representada
pelas novas reservas brasileiras.
A omissão fala mais do que consegue esconder.
O diagnóstico conservador sobre o país --e a purga curativa preconizada a
partir dele-- é incompatível com a existência desse incômodo cinturão de
riqueza, a encorajar a construção de uma democracia social , ainda que tardia,
por essas bandas.
Ao abstrair o pré-sal --exceto em confidências de Serra à Chevron,
em 2010, quando prometeu reverter a partilha que incomoda as petroleiras
internacionais-- a agenda do PSDB mais se assemelha a uma
viagem de férias à Brazilândia do imaginário conservador, do que à análise do
país realmente existente –com seus gargalos e trunfos.
Só se concebe desdenhar dessa janela histórica se a concepção de país
embutida em seu projeto negligenciar deliberadamente certas urgências.
Por exemplo, a luta pela reindustrialização brasileira, da qual as encomendas
do pré-sal podem figurar como importante alavanca, graças aos índices de
nacionalização consagrados no regime de partilha.
Ou o salto da escola pública –que só terá 10% do PIB, como decidiu o Plano
Nacional da Educação, porque poderá contar com o fluxo da renda do
pré-sal.
Ou ainda a saúde pública, igualmente beneficiada na divisão do fundo
petroleiro, que assim poderá ressarcir o corte de R$ 40 bilhões/ano
imposto à fila do SUS pela extinção da CPMF, em 2010 –obra grandiosa da
aliança ‘mudancista’ demotucana.
Reconheça-se, não é fácil pavimentar o percurso oposto ao apregoado
diuturnamente pelos pregoeiros do Brasil aos cacos.
A formação do discernimento social brasileiro está condicionada por
implacável máquina de supressão da autoestima , que não apenas
dificulta a busca de soluções para a crise, como nega à sociedade competência
para faze-lo de forma coordenada e democrática.
Melhor entregar aos mercados, aos mercados, aos mercados, aos mercados...
Eles, sim, sabem o que fazer disso aqui.
Recusa-se aos locais a competência até mesmo para organizar uma Copa do
mundo, que dirá gerir as maiores reservas de óleo do planeta, ou construir ,
uma nação, não qualquer nação, mas uma cujo emblema seja a convergência da
riqueza, a contrapelo da lógica documentada por Tomas Piketty.
Com a maturação antecipada da curva do pré-sal --como indica o marco dos
500 mil barris em extração-- as chances de êxito nessa empreitada
aumentam geometricamente nos próximos anos.
Não é uma certeza, é uma possibilidade histórica. Mas o lastro é cada vez menos
negligenciável.
Os efeitos virtuosos desse salto no conjunto da economia, porém, exigem uma
costura de determinação política para se efetivarem.
Algo que a agenda eleitoral de quem assumidamente se propõe a ser uma
réplica do governo FHC, omite, renega e descarta.
A ver.