Portugal – CASO BPN: A FRAUDE QUE PODE CUSTAR 8,3 MIL MILHÕES DE EUROS



Diário de Notícias

GRANDE INVESTIGAÇÃO – CASO BPN

O Estado já gastou 3,55 mil milhões de euros com o BPN, mas a fatura pode chegar aos 8,3 mil milhões. Até sexta-feira, o DN mostra como se chegou a este 'buraco', a teia de negócios que 'cheira' a fraude, os protagonistas das diferentes fases do BPN, os 356 processos em curso por todo o País, a supervisão do Banco de Portugal e a venda ao BIC.

O dinheiro público preso ao Banco Português de Negócios chegaria para pagar os subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos até 2015, altura prevista pelo Governo para a sua reposição gradual. Até agora o Estado já gastou com a nacionalização do BPN 3,5 mil milhões de euros, mas no pior dos cenários o banco vendido ao BIC, por 40 milhões, poderá custar aos bolsos dos contribuintes 8,3 mil milhões. Uma fatura que pode variar de acordo com o que render os despojos do BPN que ficaram nas mãos do Estado.

O custo final é, para já, impossível de contabilizar com precisão, mas os portugueses podem saber detalhadamente o ónus que arriscam a pagar de uma despesa contraída, sobretudo, por bancários, administradores e políticos e cuja data-limite de pagamento está afixada para 2020. Nessa altura, daqui a oito anos, as sociedades veículo criadas para abrigar o "bad bank" (as coisas más do banco, que o Governo retirou do negócio da venda) terão de estar liquidadas. Até lá, os impostos dos contribuintes vão pagar uma instituição bancária que "cheira" a fraude e que já levou ao banco dos réus 16 arguidos, entre eles José Oliveira e Costa, que presidiu o banco entre 1998 e 2008.

Com a ajuda de economistas, especialistas da banca, documentos internos do banco, do Governo e da União Europeia o DN fez as contas, para ajudar o contribuinte a perceber a fatura detalhada do que vai pagar e a potencial perda associada à primeira nacionalização dos últimos 30 anos.

Entre o que o Estado pode vir a suportar há uma "bomba-relógio" que se destaca e assusta os mais atentos: os 3,9 mil milhões de euros que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) tem de exposição nas empresas (veículos) criadas para absorver os ativos tóxicos do BPN para permitir o negócio da reprivatização. Tavares Moreira, governador do Banco de Portugal entre 1986 e 1992, explica que "só quando estes veículos forem liquidados, o que poderá só acontecer daqui a oito anos, é que se saberá a verdadeira perda do BPN. O relatório da terceira avaliação da troika indicou que só agora irá começar o processo de liquidação dos veículos". Ou seja: ainda falta muito para se saber quanto se vai perder. A certeza é que vai ser muito, segundo garantem os economistas.

"Acredito que há poucos ativos recuperáveis e o que não for recuperável o Estado será obrigado a pagar à Caixa", acrescenta Tavares Moreira. Consideração partilhada pelo especialista em banca e professor na Universidade Nova de Lisboa, Paulo Soares Pinho, que explica que "o que passou para as sociedades-veículo são ativos que ninguém quer, muitos devem valer zero".

Aos referidos 3,9 mil milhões somam-se ainda os 1,5 mil milhões de crédito "dados" pela CGD Geral de Depósitos ao BPN e os 700 milhões da linha de crédito concedida ao BIC nos próximos três anos, e que tem garantias do Estado.

Estado pede 13,8 milhões a Oliveira e Costa

A empresa criada pelo Governo para recuperar créditos, a Parvalorem, avançou com uma ação em tribunal contra o ex-presidente da Sociedade Lusa de Negócios. Em causa está a conta do antigo presidente do BPN no Banco Insular. Processos contra o banco 'colonizam' o País de norte a sul.

O Estado reclama a José Oliveira e Costa, antigo presidente do BPN, 13,771 milhões de euros pelos prejuízos causados na sua passagem pela administração do banco. Na ação intentada no final de 2011, os advogados que representam o Estado, da Telles de Abreu e Associados, pedem ainda que o divórcio de Oliveira e Costa seja considerado um negócio simulado e, por isso, nulo. Enquanto aguardam decisão, já conseguiram uma primeira vitória: o património do casal está arrestado à ordem do tribunal. Paralelamente, os processos em que o Estado tenta recuperar créditos e em que ex-clientes reclamam ter sido lesados multiplicaram-se de norte a sul do País. Só ações contra o BPN são 356 (ver mapa ao lado).

A ação que corre nas varas cíveis de Lisboa é já a segunda tentativa do Estado em recuperar alguns milhões de euros de Oliveira e Costa. Depois de uma providência cautelar para arresto dos bens de Oliveira e Costa e mulher, os advogados pediram que o divórcio fosse considerado nulo, por ter sido simulado por mera conveniência em salvaguardar os bens do ex-presidente do BPN. O Tribunal do Comércio declarou-se incompetente neste caso e os advogados da Parvalorem propuseram nova ação, para o tribunal cível, no final de 2011. Entre os bens penhorados há saldos de conta, carteiras de títulos, direitos de créditos, ações da SLN-Valor, apólices de seguro e prédios. O ex-presidente do BPN casou-se com Maria Iolanda a 7 de agosto de 1966 e divorciou-se a 4 de março de 2008, um mês após se demitir.

Fonte próxima do processo adiantou ao DN que em causa está a conta caucionada aberta em novembro de 2002 no Banco Insular (BI), em Cabo Verde, sob a denominação A1 (até 17/10/2002 era denominada JOC, as iniciais de José Oliveira Costa, como consta em documento anexo ao processo-crime). O BI era o instrumento usado por Oliveira e Costa e os seus homens de confiança para escapar à supervisão do Banco de Portugal.

A conta A1 terá sido aberta para pagar um empréstimo de 12,5 milhões de euros contraído a 30 de julho de 2001 com o Fortis Bank, sucursal em Portugal, para adquirir ações relativas ao aumento de capital da SLN de 150 para 350 milhões de euros. O então presidente ficou obrigado a fazer pagamentos ao Fortis na ordem dos quatro milhões de euros ao longo de dois anos. Com a nacionalização do BPN, os créditos do Insular foram transferidos para o BPN Cayman, que depois fez uma cedência de créditos para o BPN SA. Valores em falta cuja responsabilidade é agora da empresa pública Parvalorem - que pede o valor acrescido de juros, perfazendo os 13,771 milhões de euros. Também associado a esta conta, segundo a acusação do Ministério Público, está um contrato de mútuo celebrado entre o BI e a sociedade offshore Classical Financial Trading, no valor de 362 500 euros e cujo beneficiário era o próprio Oliveira e Costa - que em janeiro do ano passado tentou pagar esta dívida, através de ações na Galilei (ainda tem 17 694 269) e de saldos de conta. Intenções frustradas por ter tudo penhorado.

Oliveira e Costa não era o único com conta "secreta" no Banco Insular. O administrador do BPN, Francisco Comprido, era quem estava por trás da conta A2, o administrador do BI e do Banco Efisa, Joaquim Nunes, da da A3, o diretor da Direção de Operações, António Franco, beneficiava da conta A4, e José Mascarenhas, presidente do BI, da B1.

CGD tentou comprar BPN 9 dias antes da nacionalização

Nove dias antes de o Governo avançar a nacionalização, o presidente da CGD, Faria de Oliveira, escreveu uma carta a Miguel Cadilhe, dando-lhe conta da "disposição" da Caixa em "adquirir o BPN pelo justo valor". Um "número muito restrito de acionistas" aceitou negociar.

"Lisboa, 23 de Outubro de 2008; Assunto: Aquisição do Banco BPN; Senhor Presidente, caro dr. Miguel Cadilhe". É este o cabeçalho de uma carta do presidente da Caixa Geral de Depósitos, Faria de Oliveira, para o presidente do BPN, Miguel Cadilhe, dando conta da disponibilidade do banco do Estado para comprar o BPN. O documento, assim como a resposta de Miguel Cadilhe, consta do processo administrativo de impugnação da nacionalização do BPN.

"Nestas condições, venho reiterar a nossa conversa telefónica de ontem, no sentido de que a CGD, como forma de contribuir para uma solução definitiva para as dificuldades que esse banco [BPN], manifestamente, enfrenta, propõe-se adquirir o BPN pelo justo valor, a determinar em termos a estabelecer pelas partes", escreveu Faria de Oliveira.

Um "número muito restrito de acionistas" terá aceitado negociar.

COMUNICADO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Cavaco reage à Grande Investigação do DN

Cavaco Silva reagiu hoje à Grande Investigação que o DN está a publicar sobre o escândalo BPN. O Presidente da República colocou um comunicado no seu site rebatendo alguns dos textos publicados sobre as suas relações com o banco, através da sua proprietária, a Sociedade Lusa de Negócios (SLN), e também sobre os impostos da compra da casa de férias no Algarve.

A reação presidencial chegou depois de o DN ter tentado, por todos os meios, obter esclarecimentos do Presidente da República sobre as matérias em causa, antes da publicação desta série de artigos, e não leva a redação do DN a alterar o que publicou.

Cavaco Silva volta a reafirmar que não tinha ligações ao BPN. O DN escreveu que Cavaco Silva comprou e vendeu ações à SLN e não ao BPN.

Sobre o não pagamento de imposto na permuta da casa de férias, Cavaco Silva diz estar "mesmo convencido que pagou mais do que lhe competia pagar". O DN refere que a lei é clara: quando há uma permuta de igual valor, como aconteceu neste caso e como consta da escritura a que o jornal teve acesso, não há pagamento de qualquer imposto por não existirem mais valias.

Cavaco Silva, em fevereiro do ano passado, também através de comunicado, que por lapso o DN não referiu, afirmou ter pago mais de 8 mil euros de imposto. Tal situação só pode justificar-se por ter havido da parte das Finanças uma avaliação superior ao valor da compra do imóvel (137 mil euros). Mas esta hipótese não está ainda cabalmente esclarecida e, se assim for, publicaremos essa informação logo que estiver disponível.

A Presidência da República foi contactada pela primeira vez pelo DN no dia 19 de Abril. Após falar, via telefone, com o Gabinete de Comunicação, os responsáveis de Belém solicitaram que fosse enviado um e-mail com as questões que o jornal pretendia que Cavaco Silva respondesse. O mesmo foi feito ainda nesse dia. Além de uma dezena de perguntas, foi dada a indicação de que o o prazo para uma resposta útil seria 24 de abril, cinco dias depois. Embora não tenha chegado qualquer resposta no prazo estipulado, o DN voltou a insistir no dia 26. Do gabinete de comunicação da Presidência disseram apenas: "É do DN? Já lhe ligamos!". Não houve nova chamada. Apesar disso, no dia 27 - último dia útil antes da saída do trabalho, oito dias depois do primeiro contacto -, o DN voltou a insistir com a Presidência, que apenas disse não ser possível dar informações, uma vez que "o assessor de imprensa se encontra com o Presidente". Ao longo destes dias o DN procurou o contraditório e deu tempo para a resposta, mas Cavaco Silva optou pelo silêncio. Hoje reagiu através do seguinte comunicado, que trataremos na edição em papel e e-paper:

"No Diário de Notícias de ontem, domingo, 29 de abril de 2012, são feitas várias afirmações e insinuações visando, todas elas, associar o nome do Presidente da República ao BPN.

"São afirmações e insinuações falsas, que põem em causa a verdade e que ofendem a honra do Presidente da República.

"A Presidência da República reafirma, na íntegra, o teor dos dois Comunicados por ela emitidos em 23 de novembro de 2008 e em 1 de fevereiro de 2011, respetivamente.

"I.1. O Prof. Aníbal Cavaco Silva, no exercício da sua vida profissional, antes de desempenhar as atuais funções (nem posteriormente, como é óbvio):

a) nunca exerceu qualquer tipo de função no BPN ou em qualquer das suas empresas;

b) nunca recebeu qualquer remuneração do BPN ou de qualquer das suas empresas;

c) nunca comprou ou vendeu nada ao BPN ou a qualquer das suas empresas;

d) nunca contraiu qualquer empréstimo junto do BPN

"I.2. O Prof. Aníbal Cavaco Silva e a sua mulher, num quadro de diversificação de riscos que a ciência económica recomenda, têm, há muitos anos, a gestão das suas poupanças entregue a vários bancos - quatro, atualmente - conforme consta, discriminado em detalhe, na Declaração de Património e Rendimentos entregue ao Tribunal Constitucional.

"I.3. De dezembro de 2000, isto é, mais de cinco anos antes de assumir o cargo de Presidente da República, até junho de 2009, o BPN foi um dos bancos que geriu parte das poupanças do Prof. Cavaco Silva e da sua mulher, tendo, ao longo desse tempo, variado as aplicações financeiras por ele realizadas.

"4. Contrariamente ao que tem sido afirmado, as aplicações feitas pelo conjunto dos bancos das poupanças do Prof. Cavaco Silva e de sua mulher não se têm traduzido em ganhos, mas sim em perdas, como aliás é fácil de concluir através da Declaração de Património e Rendimentos depositada no Tribunal Constitucional.

"II. Por outro lado, o Diário de Notícias, naquela mesma edição, insinua que o Prof. Cavaco Silva não terá pago o Imposto Municipal de Sisa na aquisição da sua atual residência familiar de férias, no Algarve. É falso. O Prof. Cavaco Silva está mesmo convencido que pagou mais do que lhe competia pagar, porque tem seguido, até aqui, a prática de não reclamar das liquidações feitas pela Administração Fiscal.

"Em julho de 2008, isto é, cerca de oito anos antes de assumir o cargo de Presidente da República, o Prof. Cavaco Silva permutou a sua anterior residência de férias por um prédio em tosco, situado noutro local, tendo depois efetuado, a suas expensas, muitas obras adicionais para concluir o prédio e torná-lo habitável.

"Da escritura pública de permuta consta expressamente o pedido prévio à Administração Fiscal para que fosse liquidado o imposto de Sisa, então em vigor.

"Conforme consta da Nota Informativa da Presidência da República de 1 de fevereiro de 2011, tratou-se de uma transação perfeitamente legítima e transparente, idêntica a milhares de outras, enquadrada seja pelo Direito Civil seja pelo Direito Tributário.

"III. Pretende ainda o Diário de Notícias estabelecer ligações especiais entre o Prof. Cavaco Silva e cidadãos que exerceram atividades profissionais no BPN ou em alguma das suas empresas, pelo simples facto de terem feito parte de governos por ele presididos.

"Esclarece-se que fizeram parte dos Governos presididos pelo Prof. Aníbal Cavaco Silva 160 pessoas, as quais, como explicado na sua Autobiografia Política, Volume I, nunca foram escolhidas por critérios de amizade ou conhecimento pessoal - tendo até a escolha dos secretários e subsecretários de Estado sido, em regra, atribuída aos respetivos ministros - e cujas atividades posteriores ao exercício de funções governativas não podem, obviamente, ser conotadas, direta ou indiretamente, com o Professor Cavaco Silva.

"Lisboa, Palácio de Belém, 30 de abril de 2012"

Opinião Página Global

Desmentir é fácil. Todos têm direito ao seu bom-nome, ainda mais para quem declarou que nunca se engana e raramente tem dúvidas… ou vice-versa (Cavaco Silva). Certo é que a salganhada é tão complexa para os comuns mortais e cidadãos portugueses que eles baseiam-se nas fortunas milagrosas exibidas pelos políticos (e associados próximos) após exercerem aquela profissão por uns quantos anos para terem a certeza de que algo de errado aconteceu e está a acontecer, assim como também que a impunidade prevalece e que a injustiça faz parte do quotidiano em Portugal. Que existem máfias… lá isso existem, temos a certeza absoluta. Como soi dizer-se: Não acreditamos em bruxas, mas que elas existem, existem!


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