quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

NASCE A PESCO, DA COSTELA DA NATO


Manlio Dinucci*

Após 60 anos de espera, a Ministra da Defesa, Roberta Pinotti, anuncia que está para ser lançada em Dezembro, a PESCO, a «Cooperação Estruturada Permanente» [Permanent Structured Cooperation] da União Europeia, no sector militar, inicialmente entre 23 dos 27 Estados membros.

O Secretário Geral da NATO, Jens Stoltenberg, explica o que é essa entidade. Participando no Conselho dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, salienta «a importância, evidenciada por tantos líderes europeus, de que a Defesa europeia seja desenvolvida de modo a não ser competitiva, mas complementar da NATO".

O primeira passo é fazer com que os países europeus aumentem as suas despesas militares: a PESCO estabelece que «os compromissos ambiciosos e mais vinculativos" são «o aumento periódico em termos reais dos orçamentos de Defesa, a fim de atingir os objectivos acordados». Ao orçamento da NATO, a crescer continuamente, da qual fazem parte 21 dos 27 Estados da União Europeia, adiciona-se agora, o Fundo Europeu de Defesa, através do qual a União Europeia irá destinar 1,5 bilião de euros por ano para financiar projectos de pesquisa em tecnologia militar e comprar sistemas de armas comuns. Esta será a quantia inicial, destinada a aumentar ao longo dos anos.

Para além do aumento das despesas militares, os compromissos fundamentais da PESCO são «o desenvolvimento de novas capacidades e a preparação para participar em operações militares conjuntas». Capacidades complementares para as necessidades da NATO que, no Conselho do Atlântico Norte, do passado dia 8 de Novembro, estabeleceu a adaptação da estrutura de comando, na Europa, para aumentar a «capacidade de reforçar os Aliados de forma rápida e efectiva».

Para este fim, foram criados dois novos comandos. Um Comando Atlântico, com a tarefa de manter «as comunicações marítimas livres e seguras entre a Europa e os Estados Unidos, vitais para a nossa Aliança Transatlântica». Um Comando de Mobilidade, com a tarefa de «melhorar a capacidade de movimentação das forças militares da NATO, na Europa». Para garantir que as forças militares e o armamento possam avançar rapidamente em toda a Europa, explica o Secretário-Geral da NATO, os países europeus precisam «afastar muitos obstáculos burocráticos». Muito tem sido feito desde 2014, mas ainda há muito a ser levado a cabo para «aplicar plenamente as leis nacionais que facilitem a passagem de forças militares através das fronteiras».

A NATO, acrescenta Stoltenberg, também precisa de ter, na Europa, capacidade suficiente de transporte de soldados e armamentos, em grande parte fornecido pelo sector privado. Mais importante ainda, é que sejam melhoradas, na Europa, «as infraestruturas civis - como estradas, pontes, caminhos de ferro, aeroportos e portos - para que sejam adaptadas às necessidades militares da NATO». Por outras palavras, os países europeus devem realizar esforços para adaptar a sua infraestrutura civil para uso militar: por exemplo, uma ponte suficiente para o tráfego de autocarros de passageiros e veículos articulados, deve ser reforçada de modo a permitir a passagem de tanques blindados.

Esta é a estratégia que incorpora a PESCO, a expressão dos círculos europeus dominantes que, embora tenham conflitos de interesses com os dos Estados Unidos, reúnem-se na NATO, sob o comando dos EUA, quando entram em jogo os interesses fundamentais do Ocidente, ameaçados do perigo de um mundo em mudança. Então surge a «ameaça russa», frente à qual se destaca a «Europa unida» que, enquanto reduz as despesas sociais e fecha as suas fronteiras internas aos migrantes, aumenta as despesas militares e abre as fronteiras internas para deixar circular livremente os soldados e os tanques [da NATO].

Manlio Dinucci* | Voltaire.net | Tradução Maria Luísa de Vasconcellos | Fonte  Manifesto (Itália)

Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014; Diario di viaggio, Zanichelli 2017; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016.

POR ISRAEL, TRUMP ATROPELA TODOS



Ao postar-se claramente ao lado de Telaviv, presidente desqualifica EUA como parte de uma negociação para paz. E coloca sob forte pressão os aliados de Washington no mundo árabe

Mouin Rabbani, no LRB blog | Outras Palavras | Tradução: Mauro Lopes

Por setenta anos, os EUA, pelo menos formalmente, alinharam sua posição sobre Jerusalém com a da comunidade internacional e o direito internacional. De acordo com a Resolução 181 da ONU, que recomenda a divisão da Palestina, aprovada pela Assembléia Geral em 29 de novembro de 1947, a Cidade Santa ficou “estabelecida como um corpus separatum sob um regime internacional especial”. A conquista de Jerusalém Oriental por Israel durante a guerra árabe-israelense de 1948 e, sem seguida, a anexação pela Jordânia a em 1950 nunca foram reconhecidas. Israel ocupou Jerusalém Oriental em 1967; em 1980, o Knesset [parlamento israelense] aprovou uma lei afirmando que “Jerusalém, completa e unida, é a capital de Israel”. A Resolução 478 do Conselho de Segurança declarou a medida “nula e sem efeito”.

Em outras palavras, enquanto aguarda-se o estabelecimento de uma administração internacional conforme determinado na resolução de divisão ou um arranjo alternativo (como um acordo de paz) aprovado pela ONU, o princípio fundamental da abordagem da comunidade internacional sobre Jerusalém desde 1947 é o não reconhecimento de qualquer reivindicação de soberania sobre a cidade, no todo ou em parte. O princípio foi aprovado e aplicado por todos os governos dos EUA desde 1948. É a razão pela qual a maioria dos estados, incluindo os EUA, estabeleceram suas embaixadas para Israel em Tel Aviv em vez de Jerusalém.

Os candidatos presidenciais dos EUA nas últimas décadas proclamaram habitualmente sua intenção de reconhecer a soberania israelense sobre a Cidade Santa e de mudar a embaixada dos EUA para Jerusalém, mas tais discursos até agora não sobreviveram ao contato com a realidade. Uma ruptura tão dramática com sete décadas de política dos EUA e, de fato, global, buscando reescrever unilateralmente o direito internacional e pré-determinar o resultado de eventuais negociações israelenses-palestinas, constituem ato premeditado de caráter incendiário, com consequências imprevistas locais, regionais e globais.

Há uma reviravolta adicional: em 1989, Israel alugou um terreno para os EUA construírem sua embaixada em Jerusalém. Uma pesquisa extensiva do historiador Walid Khalidi demonstrou não só que ao menos 70% da terra foi confiscada de refugiados palestinos, mas igualmente  que muitos dos herdeiros dos proprietários originais são hoje cidadãos dos EUA.

O Congresso dos EUA aprovou em 1995 uma lei reconhecendo Jerusalém como a capital de Israel e determinando que o governo lá instalasse a embaixada dos EUA. Exortados por Binyamin Netanyahu (então líder da oposição de Israel) e pela AIPAC, a entidade do lobby israelense nos EUA, ambos dispostos a detonar os acordos de Oslo, a medida passou com um apoio bipartidário esmagador. A crise atual existe porque a Casa Branca é obrigada a assinar uma renúncia formal a cada seis meses, adiando a mudança da embaixada – desta vez Trump não fez isso.

Dado o atual nível de caos e conflito no Oriente Médio, não é fácil prever como os vários governantes reagirão, se — como esperado — eles falharem, individual e coletivamente, em oferecer uma resposta imediata, vigorosa e enérgica. Os apelos frenéticos a Trump de seus aliados árabes mais próximos indicam que eles estão realmente com medo.

O reconhecimento americano da soberania israelense sobre Jerusalém envia um sinal inconfundível de que Washington rejeita não apenas o paradigma dos dois Estados, mas também o direito palestino à autodeterminação,  em favor de uma dominação permanente de Israel — e da expropriação palestina. Também indica que Washington apoia apenas os judeus e rejeita os direitos dos cristãos e muçulmanos para a Cidade Santa. O lado bom da história é que isso pode levar ao encerramento da infrutífera diplomacia Israel-Palestina sob os auspícios dos EUA, que tem servido apenas para consolidar o controle israelense sobre os territórios ocupados.

Quanto à resposta palestina no nível popular, há aparentemente o desejo de que os líderes anulem os acordos de Oslo, retirem o reconhecimento de Israel de 1993 e separem as relações com Washington e Israel. Se Mahmoud Abbas [o presidente da Autoridade Palestina]quiser evitar o confronto político ou ordenar às forças de segurança que impeçam os palestinos de rebelarem-se, isso pode custar-lhe caro. No entanto, poucas pessoas esperam que ele rompa definitivamente com os EUA ou Israel.

O impacto sobre o “processo de paz”, no entanto, será insignificante, pelo simples motivo de que ele deixou de existir — e não há indícios sérios de seu retorno. O suporte de Trump a seu genro e czar de tudo, Jared Kushner, até agora resultou em nada. Talvez o mais esclarecedor sobre o que eles e seu time –patrocinadores ativos das colônias de Israel nos territórios palestinos ocupados — parecem acreditar é que essa mudança de política levará a uma versão do Concerto da Europa no Oriente Médio.

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