sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Adesão do Texas aos EUA e referendos semelhantes de Donbass, Kherson e Zaporozhie

Como o Ocidente já aceitou e apoiou referendos semelhantes aos de Donbass, Kherson e Zaporozhie

As quedas da Iugoslávia e da URSS, e também a adesão do Texas aos EUA, ocorreram em circunstâncias parecidas e até mais duvidosas que as dos quatro territórios agora integrados à Rússia.

#Publicado em português do Brasil

Entre a última sexta-feira (23) e a terça-feira (27) foram realizados referendos nas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, e nas regiões de Kherson e Zaporozhie, que deram grandes vitórias aos que votaram a favor da integração à Rússia.

Apesar de diversos relatos atestando a confiabilidade dos processos de votação, os países ocidentais os condenaram como ilegítimos. No entanto, no passado eles reconheceram e até mesmo saudaram referendos e outros votos de independência que aconteceram contra a vontade das autoridades centrais.

Desintegração da Iugoslávia

Durante a queda da Iugoslávia ocorreram votos populares para determinar o rumo de quatro dos seis territórios que formavam a república federal.

• Em 2 de julho de 1990, o parlamento da Eslovênia declarou a soberania do território, e em 23 de dezembro foi realizado um referendo sobre a independência, com 88,5% de votos a favor. A Eslovênia declarou sua secessão da Iugoslávia em 25 de junho de 1991;

• Em 19 de maio de 1991, a Croácia realizou um referendo sobre a secessão da Iugoslávia, com 90% dos votos a favor. Em 15 de junho, o parlamento croata aprovou uma resolução de secessão da Iugoslávia, e em janeiro de 1992 os países da então Comunidade Econômica Europeia, hoje União Europeia, reconheceram a independência da Croácia;

• Em 8 de setembro de 1991, a Macedônia apoiou com 74% dos votos em um referendo sobre a secessão da Iugoslávia, e em 17 de setembro o parlamento declarou a Macedônia um Estado independente;

• Em 15 de outubro de 1991, o parlamento da Bósnia e Herzegovina aprovou um memorando sobre soberania. De 29 de fevereiro a 1º de março de 1992, houve um referendo sobre a independência, com 63% a favor, apesar de um boicote dos moradores sérvios.

Colapso da União Soviética

Durante a queda da URSS também ocorreram votos e referendos sobre a soberania de diferentes territórios.

• Em 28 de julho de 1989, o Conselho Supremo da Letônia declarou soberania, e em 3 de março de 1991 foi realizada uma “consulta eleitoral sobre independência”, com 88% dos votantes a favor, apesar de seus resultados supostamente não terem importância;

• Em 11 de março de 1990, o Conselho Supremo da Lituânia declarou soberania, e em 9 de fevereiro de 1991 decorreu uma votação sobre independência, que deu 90% de votos a favor. O parlamento aprovou os resultados da votação como se fossem resultados de um referendo, contrário à prática jurídica internacional;

• Em 30 de março de 1990, o Conselho Supremo da Estônia declarou soberania, e em 3 de março de 1991 aconteceu a votação da independência, que registrou 78% dos eleitores a favor. Somente “sucessores legais”, que tinham cidadania estoniana antes de 1940 e seus descendentes, e aqueles com “cartões verdes”, dados aos partidários da independência, podiam votar;

• Outras repúblicas que faziam parte da URSS realizaram referendos sobre a independência que violaram a Constituição da União, e ignoraram os resultados do referendo de 17 de março de 1991, no qual 76% votaram para manter a URSS como uma federação renovada de repúblicas soberanas com direitos igualitários;

• A lei da URSS previa que as autonomias que integravam as repúblicas tinham o direito de decidir se queriam ou não permanecer na URSS. No entanto, um referendo na Geórgia, com 60% a favor da independência, não cumpriu este requisito para a Abkhásia e a Ossétia do Sul, que realizaram referendos em 1999 (97,5% para a independência da Geórgia), Ossétia do Sul em 1992 e 2006 (ambas vezes 99,9% para a independência). Em 2008, a Rússia reconheceu a independência de ambos os territórios.

Adesão do Texas aos EUA

O Texas fazia parte do México, até que os colonos americanos apoiados pelos EUA se revoltaram e assumiram o controle de todo o estado. Em 1836, uma convenção de “representantes do povo do Texas” proclamou sua secessão do México. O território tentou se juntar aos EUA, mas a Casa Branca rejeitou a ideia. No entanto, após Texas se estabelecer como um país independente, Washington mudou de ideia e o anexou em 1845, o que levou a uma guerra com o México entre 1846 e 1848, que os EUA venceram.

Fonte: © Sputnik / Aleksandr Kryazhev | em Pátria Latina

NO BRASIL DA FOME, VOTAR É A ÚLTIMA PRIORIDADE

Reportagem na favela do Chuvisco, maior colégio eleitoral do país, mostra como foi o primeiro turno para quem tem que decidir entre o ônibus para ir votar e alguma comida no prato. Abstenção de 20,95% foi a maior desde 1998

Talita Bedinelli na Sumaúma | Outras Palavras

Ana Mirtes da Silva Santos se espreme na beirada de um fogão velho de quatro bocas dentro de sua casa de madeira. Tenta se desviar de uma goteira. Aquele único cômodo, onde a sala é separada do quarto por um tapume sem porta, guarda sua vida e a de Samuel, seu filho de 10 anos. Há uma pia, uma mesa, um televisor, uma bicicleta, uma geladeira. Tem uma cama de solteiro onde ambos dormem, um cobertor xadrez que cobre a janela no lugar do vidro, algumas roupas. Sobre o chão de cimento, retalhos do que um dia foi um carpete, empapados pelos pingos que avançam pela telha furada. É possível sentir a água sob os pés. Ana chora ao contar que, no dia anterior, quando a chuva também não deu trégua, sua camiseta ficou encharcada sem que ela sequer pisasse na rua. Quando Ana chora, o choro é também o desabafo de muitas dores acumuladas. Desde que a pandemia fez rarear os bicos de faxina, houve dias em que ela e o filho almoçaram arroz com alface ou uma papa feita com fubá. Na ausência de comida para os dois, ela já escolheu alimentar o filho e dormir com fome. “O estômago rói por dentro”, diz.

#Publicado em português do Brasil

É terça-feira da semana que antecede as eleições mais importantes desde a redemocratização do Brasil. No domingo seguinte, o país decidiria nas urnas se o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o extremista de direita Jair Bolsonaro se enfrentariam em um segundo turno acirrado. Ana Mirtes, que mora na favela do Chuvisco, o maior colégio eleitoral do país, e na cidade brasileira mais rica, não pôde escolher. A pobreza sequestrou dela o direito básico de eleger quem gostaria que liderasse o país.

Ana preferia o petista, mas não foi votar porque o dinheiro da condução que a levaria até a zona eleitoral faria falta no estômago. Duas horas após o início da votação, ela se viu no dilema de votar ou comer. Foi a mesma decisão de muitos de seus vizinhos, que contribuíram para que o nível de abstenção destas eleições fosse o maior desde 1998: 20,95% não compareceram às urnas.

Para quem vive a indignidade de não saber como vai se alimentar todos os dias, parece não haver tempo para se preocupar com quem vai gerir o país. Não assegurar o direito à alimentação é uma violação constitucional, mas nas vielas da comunidade da zona sul de São Paulo sobram histórias que expõem malabarismos na busca por comida.

As doações de cesta básica garantem o arroz, o feijão, o macarrão, a farinha, o óleo e o fubá. Mas só chegam 35 por mês para as 500 famílias, explica uma liderança comunitária da favela do Chuvisco, que promove um rodízio entre as famílias mais necessitadas. Para frutas e verduras, muitos recorrem à boa vontade de feirantes, que entregam os restos que sobraram após a hora da xepa. Proteína é preciso comprar. Geralmente é ovo ou salsicha, mais baratos.

A favela é o retrato de um Brasil faminto, onde apenas 4 em cada 10 famílias conseguem ter acesso pleno à comida, conforme dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), publicados em junho. Na forma mais grave da chamada insegurança alimentar, quando não se tem todas as refeições do dia, estão 33,1 milhões de brasileiros — um patamar equivalente ao da década de 1990. No país que havia saído do Mapa da Fome da ONU, em 2014, em pouco mais de um ano (entre o final de 2020 e o início de 2022), 14 milhões de pessoas deixaram de fazer todas as refeições diariamente. Os dados apontam que 15,4% das famílias não tomam diariamente o café da manhã, 10% não almoçam todos os dias e 19,9% às vezes não têm o que jantar. Outra categoria inclui aqueles que, apesar de não passarem fome diariamente, não têm garantia de acesso ao alimento: 3 de cada 10 famílias relatam essa angústia cotidiana de não saber como será o dia seguinte.

Potugal | Professor de Moral acusado de 95 crimes de abuso sexual em Famalicão

O Ministério Público acusou um professor de Educação Moral e Religião Católica da Escola Secundária Camilo Castelo Branco, em Famalicão, de 95 crimes de abuso sexual de menores dependentes, sendo as vítimas 15 alunas.

Segundo a acusação, a que a Lusa hoje teve acesso, os crimes terão sido cometidos essencialmente durante os ensaios da companhia de teatro "O Andaime", que o arguido criou naquela escola e de que era encenador.

A acusação diz que os ensaios eram sempre iniciados "com uma fase de aquecimento, durante a qual as portas se mantinham fechadas, as luzes apagadas e os estores da sala corridos, com música a tocar, e compreendiam a realização de exercícios de contracena, durante os quais os alunos fechavam os olhos e seguiam as instruções do arguido, com o objetivo de criar um estado de relaxamento e desinibição psicológica e corporal".

Acrescenta que, aproximadamente a partir de 2014, o arguido, "por razões que se prendem com a própria satisfação sexual e aproveitando o facto de ser o único responsável pela companhia, passou a participar dos exercícios de contracena, criando uma maior intimidade e aproximação corporal com as alunas do sexo feminino, de modo a facilitar a manutenção, com as mesmas, de contactos de natureza sexual".

O arguido, de 53 anos, terá até colocado dois cartões nos vidros das portas de entrada para minimizar a luz no interior da sala de ensaios.

Segundo o MP, o arguido "verbalizava de forma frequente às alunas que o contacto físico exigido nos exercícios de contracena era necessário para a desejada evolução como atrizes e, ainda, que tal método não seria compreendido por membros exteriores à companhia, assim as incentivando a não revelar os acontecimentos que tivessem lugar no decurso dos ensaios".

O MP diz que o arguido se valeu "do seu ascendente enquanto professor" e se aproveitou da "ingenuidade, imaturidade e falta e experiência sexual das suas alunas" para consumar os abusos.

Ainda segundo a acusação, o arguido, no decurso de uma aula de Educação Moral e Religião Católica, mandou os alunos deitarem-se alegadamente para "efetuarem exercícios de respiração" e, com as luzes apagadas, terá acariciado uma aluna.

Licenciado em Ciências Religiosas, o arguido está acusado de 95 crimes de abuso sexual de menores dependentes.

Por não concordar com a acusação, pediu abertura de instrução, tendo o debate decorrido na quarta-feira.

O juiz de instrução vai agora decidir se o arguido vai ou não a julgamento e, em caso afirmativo, por quantos crimes.

As vítimas tinham entre 14 e 17 anos. O arguido foi alvo de um processo disciplinar por parte da Inspeção Geral de Educação e Ciência, de que resultou a sua suspensão preventiva entre 04 de fevereiro e 17 de junho de 2019.

Do processo, resultou a proposta da sanção disciplinar de demissão.

A Lusa contactou o diretor do Agrupamento Camilo Castelo Branco, Carlos Teixeira, que disse apenas que o arguido continua a lecionar, escusando-se a quaisquer outros comentários sobre o assunto.

Notícias ao Minuto | Lusa

Portugal | A FUGA AO SINISTRO

Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

Não há nada de ecuménico no perdão do cristianismo que permita aproximação ou desvalorização de um conjunto de criminosos que viva encoberto em sociedade. Não é pecado, é crime. Num Estado laico, qualquer presidente da República (PR) deve deixar a apreciação do número de abusadores e criminosos à porta da Igreja, sela ela católica, anglicana, ortodoxa, protestante, luterana ou de mistura mística. A desvalorização das mais de 400 denúncias que transparece nas inusitadas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, após conhecidos os dados da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, é um inultrapassável mau momento que o pedido de desculpas desagrava, mas não faz esquecer. Até porque no "mea culpa" acresce o triste fado de uma escapatória.

A título justificativo, Marcelo refere que foram proferidas pela intuição de que muitas das vítimas não queriam ou podiam falar. A desvalorização transfigurar-se-ia, assim, num apelo de dedicação ao testemunho, uma exortação à denúncia dos que, silenciosos, faltaram à chamada. Mas a frase do presidente é apenas e só um momento muitíssimo infeliz. Isso e nada mais. Incompreensível na boca de qualquer pessoa, insustentável na voz de um PR. A menção às centenas de cidadãos que lhe manifestaram solidariedade nestes dias é a prova de um plano de fuga ao sinistro. Todos os ziguezagues comunicacionais, desdobrados na multiplicidade de momentos que se seguiram e em que Marcelo tentou justificar o injustificável, desvalorizando-o, não apagaram o fogo, só aumentaram a incredulidade geral.

Crime, dizemos nós. O presidente não foi mal compreendido, o presidente foi infeliz. E tão mais fácil seria dizer que as suas declarações foram infelizes e que as críticas que choveram de todos os quadrantes são justificadas. Não está em causa, obviamente, o carácter humano de Marcelo ou qualquer dúvida que possa existir sobre o pensamento do PR numa matéria tão complexa e delicada como esta. A simplicidade de admitir que se pode ser infeliz-às-vezes é um desafio que encerra verdade, arrependimento e em nada macularia um pedido de desculpas. Fazê-lo à quarta declaração, à boleia e pelo arrasto da opinião pública é algo deprimente. Crime, disse ele.

O catolicismo do presidente da República não pode ser questionado num Estado laico. Manda a higiene da República, porém, que a confissão religiosa seja transparente, equitativa e não crie questões existenciais a qualquer investigação. Lembremos a defesa pessoal de D. José Policarpo e D. Manuel Clemente, assim como a rábula mal esclarecida do(s) telefonema(s) a D. José Ornelas. Todos os episódios anteriores deixaram Marcelo cair em tentação. Mas só na avaliação da contabilidade das vítimas, caiu em pecado. Serão, já agora e até agora, pelo menos 1500 vítimas, sendo que só 20 a 25% dos casos serão conhecidos. Quando um já seria grave.

*O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e jurista

Portugal | MANOBRA DE DIVERSÃO


Henrique Monteiro | Henricartoon

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