MANUEL MARIA CARRILHO - DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião
Pela primeira vez em Portugal, um primeiro-ministro eleito perdeu umas eleições legislativas. E isso aconteceu com o pior resultado que o PS teve nos últimos vinte anos. Sócrates despediu-se depressa, tinha preparado no teleponto um longo discurso em que, mais uma vez, procurou negar a verdade e fugir às evidências - sobretudo a de que deixa um país encurralado e à beira da ruína e um PS embalsamado e com os seus valores patrimoniais fundamentais muito abalados.
O que o discurso revelou - apesar do que dizia o teleponto - foi, por um lado, um Sócrates aterrorizado com o juízo da história e com o lugar que ela certamente lhe reserva, associado à bancarrota de 2011. E, por outro lado, a obsessão em condicionar o natural debate interno sobre as lições que há que tirar deste desaire, que se traduziu na perda, em seis anos, de um milhão de votos.
Tudo indica que a vida não vai ser fácil para o Partido Socialista, que fica agora à mercê de uma diabolização política que não vai tardar, em previsível resposta ao funambular optimismo dos últimos tempos. É que Sócrates deixa nos braços do PS uma herança envenenada, que é a de ter que "ser oposição" a um programa que ele próprio assinou. O socratismo corre, assim, o risco de se tornar numa verdadeira maldição para o PS.
Isso só não acontecerá se houver, desde já, lucidez e coragem para reconhecer que, com este julgamento dos portugueses, o tempo dos álibis acabou e se abre agora um tempo de debate e de balanço. Um tempo de debate, porque infelizmente a capacidade de ouvir, de pensar e de debater, que deve sempre acompanhar o exercício democrático do poder, foi um défice constante, e crescente, destes seis anos. E um tempo de balanço, porque só com efectivo espírito de responsabilidade, mas também com verdadeiro sentido patriótico, será possível reconquistar a credibilidade perdida.
Em suma, o PS precisa, antes do regresso ao combate político, de dar ao País um forte sinal político, mas também ético, feito de humildade e de verdade. Este vai ser, sem dúvida, o maior e o mais imediato desafio da sua próxima liderança.
Com a vitória da "coligação" PSD/CDS, o País entra agora numa nova fase. Se se trata de um novo ciclo político ou, apenas, de uma nova legislatura, só o tempo o dirá. Mas seria bom ter consciência que a crise em que Portugal tem vivido traduz, no essencial, um prolongado e difícil impasse, constituído por um cerrado nó de problemas que esta primeira década do século XXI, em particular nos últimos dois anos, agravou pesadamente.
E estes problemas são fundamentalmente três: o problema cultural, o problema económico e o problema financeiro. O primeiro decorre da falta de valores e de visão estratégica que permita pensar com consistência um rumo para o País, capaz de se afirmar ao mesmo tempo no quadro europeu, no âmbito lusófono e na globalização. É isso que pode dar aos portugueses uma ideia global de si próprios como sociedade e como nação, dotados de convicções e de projectos colectivos.
Só com este problema bem equacionado se poderão definir as audazes apostas que é preciso fazer para resolver o problema económico, de modo a conseguir essa articulação tão difícil, que é a de se atingir um crescimento significativo do País, aumentando o emprego para os portugueses, nomeadamente para as qualificadas novas gerações. E só com estas bases é que o problema financeiro virá a ter outra solução que não seja a dos habituais cortes atrás de cortes, amparada num constante aumento de pressão fiscal.
Incapazes de, até ao momento, equacionar e resolver este nó de problemas, acabámos nas mãos de uma troika que o fez à sua maneira, segundo um "memorando" cujo cumprimento nos condiciona em tudo no imediato, sem, contudo, garantir nada a prazo, como de resto a tragédia grega bem tem mostrado nesta últimas semanas.
Com um dado novo, que merece muita atenção: é que agora o que está em causa não é o incumprimento, por parte da Grécia, do plano estabelecido, mas - o que é bem diferente - o facto de a sua concretização não ter conduzido ao resultado previsto pela troika há um ano. O que só pode reforçar as mais sérias apreensões sobre o caminho e o destino da União Europeia.
É por isso que me parece uma funesta ilusão alimentar, como se tem feito, a ideia mais ou menos sebastiânica de que a saída da crise decorre automaticamente da aplicação do "plano de ajuda" externo estabelecido com o BCE, a CE e o FMI. Por mais incontornável que, dadas as circunstâncias, ele seja no imediato, este plano não dispensa - muito pelo contrário - uma exigente reflexão sobre o rumo do País e as suas possíveis opções estratégicas no médio e longo prazo.
Portugal precisa de se pensar. Portugal precisa sobretudo de se libertar do paradigma do betão e dos serviços, que tudo tem bloqueado com as suas mitomanias em carrossel. Portugal precisa de olhar para o seu imenso potencial em termos de recursos naturais, de indústrias criativas, de economia do mar - era esta, afinal, a troika para que devíamos olhar.
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