JOSÉ LEMOS ESTEVES – EXPRESSO, opinião
1. Se há palavra que tem marcado a actuação do governo Passos Coelho até ao momento, essa é incoerência. Ao mesmo tempo que se proclama liberal e promotor da liberdade dos portugueses, o governo aumenta impostos contrariando tudo o que dissera em campanha eleitoral. Ao mesmo tempo que afirma querer ir mais longe que a troika na redução da despesa pública, revela falta de coragem na reorganização da administração central do Estado e mantém a tradição da nomeação dos boys. Hoje falaremos de mais uma contradição deste governo: a privatização da RTP (ou como prefere Miguel Relvas, numa formulação mais suave, a redefinição do serviço público).
2. Como é público e notório, os governos jamais se livrarão da RTP: todos utilizam o canal público de televisão como arma propagandística por excelência. Não por acaso os serviços informativos da RTP dedicam sempre uma atenção e uma reverência peculiar na cobertura das acções do governo. Foi assim com José Sócrates. É assim com o governo Passos Coelho. E deixemo-nos de rodeios: os governos preocupam-se e intrometer-se diariamente na gestão da televisão pública. Até na Lei Orgânica do governo este impulso controlador da RTP se verifica: com Sócrates, a RTP encontrava-se sob a alçada de Pedro Silva Pereiro (Ministro da Presidência); com Passos Coelho, a RTP foi entregue a Miguel Relvas (Ministro dos Assuntos Parlamentares). Isto é, a RTP fica sempre sob a dependência dos ministros mais políticos de cada governo! E convenhamos que é muito, muito estranho que a RTP fica na dependência do ministro dos Assuntos Parlamentares (supostamente, este trata da ligação entre o governo e o parlamento, mas enfim...).
3. Ora, inicialmente, Passos Coelho assegurava que o futuro da RTP passava pela privatização do canal. Depois da sua eleição, mudou o tom: afinal, já era preciso pensar sobre o futuro do serviço público de televisão. Mas o mais anedótico foi Miguel Relvas nomear uma comissão para pensar o futuro da RTP...quando o governo mantém e - reafirma constantemente! - a intenção de proceder à sua privatização. É a velha moda portuguesa de querer mostrar serviço, nomeando uma comissão inútil (liderada por João Duque, para que este não seja muito duro para com o governo nas suas análises - é a tradicional forma de trabalhar de Miguel Relvas) para dar cobertura a uma decisão que o governo já tomou! Em tempos de contenção orçamental, de imposição de sacrifícios aos portugueses, gastar dinheiro com uma comissão inútil é, no mínimo, altamente censurável! Será que Miguel Relvas não tem noção do ridículo? Ou prefere dedicar o seu tempo a escolher os correspondentes da RTP em Washington, no Brasil, por esse mundo fora?
4. Para concluir, devo acrescentar que estarei muito atento ao processo de privatização da RTP. Designadamente, à observância dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da transparência pelo governo Passos Coelho - será concurso público ou venda directa, como o BPN (assunto a que voltaremos brevemente)? Confesso aqui aos leitores do POLITICOESFERA que apostei com amigos que o BPN iria ser vendido pelo actual governo ao BIC, dado o seu rosto principal: Mira Amaral (apoiante desde a primeira hora de Passos Coelho e financiador da sua campanha nas directas). Agora, a RTP irá para quem? Tenho para mim que há um interessado que está à frente: a (estranha e suspeita) Ongoing. Esta é uma empresa cata-vento: muda as suas orientações de acordo com o governo. Está sempre alinhada, nunca descola das posições governamentais. Quando se começou a pressentir o crepúsculo do governo José Sócrates, a Ongoing tratou logo de recrutar gente do PSD, próxima de Passos Coelho. A começar por Agostinho Branquinho, que apoiou inicialmente Passos Coelho e passou, posteriormente, para director financeiro de José Pedro Aguiar-Branco, actual ministro da Defesa. Parece-me que está tudo a ser subtilmente cozinhado para a RTP ser entregue numa bandeja dourada à Ongoing. Estaremos muito, muito atentos...
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