quarta-feira, 16 de novembro de 2011

HÁ 50 ANOS AVIÕES DA NATO BOMBARDEAVAM EM ANGOLA – V




MARTINHO JÚNIOR, Luanda

1 – Os treze anos da guerra colonial foram pródigos de episódios que caracterizam duma maneira geral todo o tipo de situações humanas que se vivem em épocas conturbadas.

Do lado colonial, a injustiça em relação aos povos africanos, acompanhada com um cortejo de aflições; do lado do movimento de libertação, o cortejo da esperança, com ingredientes voltados para o futuro.

A NATO colocou-se com Portugal do lado da injustiça, mesmo que alguns dos seus componentes, principalmente na ONU e nos relacionamentos internacionais, tivessem manifestações aparentemente ambíguas.

Se o fascismo jogou com os Açores enquanto trunfo, para com os seus próprios parceiros na NATO, foi também a jogada dos Açores que justificou a continuação, por via da repressão policial e militar, da prisão ao sistema colonial dos africanos!

Na África Austral, com a Rodésia e o “apartheid” aconteceria ainda praticamente o mesmo, pois os interesses sempre se sobrepuseram à ética, à moral e à vontade de encontrar soluções justas por parte dos “ocidentais”!

Por isso a ética, a moral e a busca de justiça com sentido de vida foram a alma, a energia e a vontade do movimento de libertação.

2 – Os guerrilheiros africanos tinham do seu lado a razão, a ânsia de liberdade, a esperança, o futuro e, por isso, muitos quadros, que poderiam dispensar as agruras e as condições por vezes dramáticas da guerrilha, abdicaram do seu bem-estar, abdicaram de suas prerrogativas burguesas, de sua família, de seu pródigo enquadramento social e alinharam identificando-se com o seu próprio povo nessa rude prova de abnegação e de vida.

De entre os que abdicou de suas prerrogativas de classe, das condições de vida “civilizada” que o ambiente social do colonialismo garantia aos “assimilados”, há um exemplo que ficou até aos nossos dias: o médico Américo Boavida (http://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9rico_Boavida).

Ele orientou, por deliberada opção própria, em circuito contrário ao de muitos dos médicos africanos de hoje, a sua própria vida: abdicou de conforto, do dinheiro, do ambiente urbano em que seria respeitado e onde teria muitos lucros e muitas “vantagens”, para partir para longe, alinhar com a guerrilha do movimento de libertação, identificar-se por inteiro com o povo e as suas imensas misérias, dar a sua contribuição solidária na linha da frente da luta por um mundo mais justo, consentindo sacrifícios incomensuráveis e todo o tipo de riscos!

Américo Boavida é um exemplo que muitos médicos hoje se furtam a seguir, perseguindo caminhos mercenários, também por que cada vez menos espaços os “mercados” conferem à ética e à deontologia da própria profissão; comprova-se nesse “livro de cabeceira” – Américo Boavida: Tempo e Memória (1923 -1968), do historiador Fernando Correia – . http://www.opais.net/pt/opais/?det=5617).

Além de exemplo, Américo Boavida (Homenagem a Américo Boavida – http://kimang.blogspot.com/2007/01/homenagem-amrico-boavida.html) foi um autêntico vanguardista:

No único livro que escreveu (ANGOLA, CINCO SÉCULOS DE EXPLORAÇÃO PORTUGUESA – http://books.google.com/books/about/Angola.html?id=s8z4ZwEACAAJ; http://www.estantevirtual.com.br/fenixliber/Americo-Boavida-Angola-Cinco-Seculos-de-Exploracao-P-34425463), obra elaborada em 1963, durante a sua passagem pelo exílio em Rabat, lembrava com palavras que não perderam actualidade, parecendo antecipar as dificuldades do movimento de libertação, as circunstâncias da sua própria morte, como ainda as profundas alterações em curso na NATO do “século XXI”:

"A defesa dos verdadeiros interesses da maioria esmagadora do país impôe que se denunciem as cláusulas e o espírito dos acordos firmados com os monopólios e os governos que exploram o povo angolano e as riquezas do seu território.

Com interlocutores directos junto desses monopólios e desses governos, sobre esses representantes recai a responsabilidade da defesa de liberdade e do progresso das populações oprimidas e exploradas em Angola, e do direito à participação nos lucros e benefícios das riquezas do seu país".

Morto pelas armas da NATO, Américo Boavida enquanto viveu perscrutava o futuro: sabia que o braço armado dos monopólios de então, a NATO, seria o braço armado enquanto houvesse exploração dos povos africanos, enquanto houvesse rapina das imensas riquezas do continente!

Por isso, morto pelas armas da NATO, a NATO onde cabiam o fascismo e o colonialismo português, com a sua morte, roubaram aos angolanos uma personagem digna e íntegra do seu próprio futuro!

Entendem os fundamentalistas do “mercado” este tipo de razões, optando eles hoje por essas obscuras ideologias que dele se nutrem, ao fim e ao cabo, pela natureza de sua escondida e “protegida” ditadura?

Acaso não percebem que o “mercado” implica hoje que Angola, duma forma ou de outra, duma maneira mais aberta, ou duma maneira mais velada, incorra também em relacionamentos com o poderio instrumental da NATO, em especial com os nexos de inteligência dos seus componentes, a coberto desse mesmo “mercado”?

Acaso são capazes de estimar o peso das indústrias energéticas e do armamento no exercício da hegemonia, bem como seus reflexos no mundo, na NATO e no “intermediário” que constitui Portugal?

Houve alguma vez TPI algum disposto a julgar um caso da natureza das implicações da NATO contra o movimento de libertação em África?

“Se não pode existir em nosso espírito menor hesitação sobre o desfecho fatal do conflito que nos opõe ao Governo português e seus aliados – que não pode ser outro que a Independência – já o mesmo não sucede quanto ao conteúdo que caracterizará essa Independência” (Américo Boavida – http://xiboa.com/Diversos/Americo/americo.htm)...

3 – Socorremo-nos do livro da autoria do historiador Fernando Correia, Américo Boavida – tempo e memória (1923-1968), para evidenciar a narrativa do ataque à Base Hanoi II, acampamento Dengue, onde se encontrava o insigne médico angolano, a 25 de Setembro de 1968, que resultou na sua morte.

“O dia 25 de Setembro no acampamento Dengue amanhecera com uma névoa no horizonte, a rotina diária repetia-se: pelas 05H00 da manhã os residentes foram despertos com o habitual bater de palmas; seguiu-se a higiene pessoal e pelas 06H00 a formatura geral na parada do acampamento e a distribuição de trabalhos diários. (…)

Logo de manhã quando estávamos na parada fomos informados: temos que estar preparados porque em qualquer altura podemos ser atacados, pois um dos mensageiros que conhecia esta base foi capturado e é capaz de nos denunciar, uma vez que já fora capturado há cerca de uma semana, nós não sabemos se eles querem que nos esqueçamos do assunto, ou se não deram importância às declarações do capturado.

De qualquer forma, temos que estar preparados e atentos.

Esta informação foi dada a todos os níveis, inclusivamente ao SAM e, bem assim ao dr. Américo Boavida.

Pelas 07H00 seguiu-se o matabicho e durante o mesmo os comandantes Jaginda, Mwihula, Massunga Kota, Likambuila e o jornalista Donald Barnett trocavam impressões sobre os últimos acontecimentos no mundo.

Depois foi ouvido o ruído longínquo de um motor de avião.

Todos pensaram que se tratava de um Nord Atlas, popularmente conhecido pela barriga de ginguba, assim designado pelo formato oval de sua fuselagem: (…) algum tempo depois passa um outro e exclamámos: não é barriga de ginguba, é de reconhecimento!

Então o comandante da base, Mundo Real, deu ordem para dispersar.

As crianças e as mulheres que estavam na lavra dispersaram por causa da aviação.

Nesse instante, já nas imediações do rio Dengue e sobre o acampamento, o DO-27 lançou três rockets de fósforo e delimitou a área a ser bombardeada, afastando-se depois do local.

No momento seguinte, apareceram o PV-2, bombardeiro pesado e seis caças de ataque ao solo tipo T-6 lançando uma nova onda de ataques, metralhando e lançando bombas de 250.

Seguidamente um helicóptero, que actuava a solo, equipado com um canhão de 20mm, que rasando os contornos do terreno, fazia a protecção ao desembarque das tropas que se encontravam noutros helicópteros, a cerca de quinhentos metros do acampamento.

Quando caíram as primeiras bombas sobre o acampamento gerou-se uma balbúrdia geral, com gritos de mulheres, choros de crianças, ordens e contra ordens: a primeira bomba que eles deitaram foi entre a nossa cozinha e a casa onde estava o Américo Boavida.

A partir daí foi o desvario e a dispersão total”…

PAZ SIM, NATO NÃO!

Foto:
Um Lockheed PV-2 Harpoon sobrevoando helicópteros Allouette III na base de Ninda, Cuando Cubango, em 1969; Ninda era uma das bases onde a Força Aérea Sul Africana, do regime do “apartheid” se fazia presente em estreita coordenação operacional com a Força Aérea Portuguesa. É lógico que essa base é deliberadamente esquecida e não vem mencionada nas memórias da maior parte daqueles que serviram na FAP!


3 comentários:

-pirata-vermelho- disse...

Está enganado; nenhum dos aviões que refere neste artigo eram NATO

martinho júnior disse...

Percebe-se ao que vem o "pirata vermelho", ele próprio exemplo na sua pirataria, das ideologias e práticas das redes stay behind, que tanto têm a ver com a NATO e os seus conteúdos…

Querem a todo o custo arranjar vias, métodos e meios para "lavar a história", colocando na penumbra, na hipocrisia e na mentira, a verdade sobre as intervenções em África, que em grande parte recorreu a aparentes "terceiras vias", tentando apagar as pistas do poder dominante e de seus instrumentos.

A máscara não me serve!

Anónimo disse...

Enganado?

Pesquisa sobre as "redes stay behind" da NATO, pesquisa sobre o "Le Cercle" e vais encontrar as respostas!

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