Antonio Lassance – Carta Maior, em Colunistas, Debate Aberto
A questão do Código Florestal se tornou, até o momento, a maior batalha do governo Dilma. Merece ter seu tom elevado e que se dê uma resposta à altura. Principalmente depois da chantagem do atraso na votação da Lei Geral da Copa, que associou ruralistas, a oposição, a bancada homofóbica e os fisiológicos em crise de abstinência.
A derrota do governo, em 2011, na votação da proposta de novo Código Florestal, e o atraso com a Lei Geral da Copa , depois que deputados tiraram o time de campo e negaram quórum à decisão (no último dia 21), foram as duas maiores derrotas congressuais da presidência Dilma, até o momento.
Tanto a velha mídia quanto a oposição conferiram ao episódio um clima de salve-se quem puder. O senador Fernando Collor (PTB-AL) também deu uma ajuda ao catastrofismo ao dizer que, por experiência própria, não se pode brigar com o Congresso, pois os resultados são trágicos.
Em 2011, a presidência Dilma teve uma agenda comedida. Menos medidas provisórias e poucas matérias polêmicas, comparativamente às presidências anteriores. Do que era mais polêmico, aprovou tudo o que propôs: a Comissão da Verdade, o fim do sigilo eterno de documentos, a DRU, o regime diferenciado de contratação (para a Copa das Confederações e o mundial de 2014).
Pode não parecer, mas grande parte da agenda congressual caminha sem ser necessariamente orientada pela clivagem governo-oposição. Em 2011, mais de 70% do que foi aprovado na Câmara e quase 80% do aprovado no Senado sequer precisou ir a plenário. Tramitou em comissões, obteve consenso entre os partidos e foi aprovado em decisões terminativas, ou seja, sem a necessidade do voto de cada parlamentar.
O governo ainda se prontificou, em alguns casos, de abrir mão de suas propostas para aprovar iniciativas nascidas no próprio Congresso, algumas delas de parlamentares da oposição, negociando-se pontualmente a inclusão das prioridades do Executivo. Isso foi essencial para a aprovação da política nacional de resíduos sólidos e a de mobilidade urbana, que significam mudanças institucionais importantes para o País.
Qualquer balanço do ano que passou desfiará um rosário de temas bastante complexos. As principais batalhas foram travadas em temas como a distribuição dos royalties do pré-sal, a regulamentação da Emenda 29, o Plano Nacional de Educação (ainda emperrado), a chamada “guerra dos portos” (uma nova modalidade de guerra fiscal entre os Estados), a divisão (frustrada) do Pará, as obras da Copa e, claro, o pomo da discórdia, o Código Florestal.
O que todas essas questões têm em comum? Todas são batalhas federativas. Mesmo a Copa. Ser sede dos jogos implica em obras de melhoria urbana, reforma de aeroportos, atração de investimentos imobiliários e turísticos. Nos outros assuntos, é muito mais que isso. União, Estados e Municípios têm interesses distintos, e as unidades da federação muitas vezes disputam posições no ranking final dessas decisões. Haverá ganhadores e perdedores.
O federalismo brasileiro está em pleno processo de redefinição de seu pacto. Os partidos e os governos, em cada Estado, representam coalizões com estratégias diferentes de desenvolvimento e apropriação de recursos naturais, públicos e privados, decorrentes de processos que se associam de modo desigual e combinado à lógica de acumulação de capital.
O novo Código Florestal é questão estratégica para o agronegócio que vê, na legislação ambiental atual, uma barreira à expansão da fronteira de exploração de recursos naturais.
Na visão míope do articulismo de plantão da velha mídia, algumas dessas batalhas são perdidas por “tropeços” do governo. Os problemas de fundo são vendidos como problemas de articulação política ou do estilo pessoal da presidenta. É uma boa maneira de simplificar interesses políticos, econômicos e ideológicos maiores e descontextualizá-los de sua dimensão política mais ampla.
Há sinais importantes, bem apontados por Maria Ines Nassif, em artigo na Carta Maior, de que o atual governo não pretende ser um simples condomínio de partidos aliados a ocupar suas vagas e a fazer da presidência o síndico do prédio.
Mas também há sinais de um risco preocupante: o do burocratismo. É a ideia de que governar é gerenciar. De que o objetivo principal para o qual foi eleito é alcançar a máxima eficiência (em quê? Pra quê? Pra quem?). De que a articulação política com o Congresso, assim como a negociação com governadores e prefeitos, é um problema exclusivo da Secretaria de Relações Institucionais. De que a relação com os movimentos sociais é um assunto específico da Secretaria Geral. De que a coordenação de governo é uma rotina da Casa Civil. De que a interlocução com o PMDB é um assunto do vice-presidente. De que a comunicação é um assunto da Secretaria de Comunicação Social. De que a boa gestão de políticas públicas se faz com as ferramentas do "Balanced Scorecard".
A origem grega da palavra governar, associada a navegar, deixa clara algumas obrigações dos que empunham o leme. Apontar o rumo, conduzir a um destino, desafiar águas turbulentas, saber tirar proveito de marés e ventos favoráveis, quando não, remar contra a maré, confrontando o “status quo”.
A questão do Código Florestal é uma dessas em que é preciso remar contra a maré. O governo esticou a negociação até onde pôde, abriu mão de pontos importantes, indispôs-se com os movimentos sociais. Derrotado, é hora de fazer o movimento de pêndulo, retornar à sua posição original e confrontar, na batalha perante a opinião pública nacional e internacional, aqueles que fazem de tudo para derrotá-lo novamente. A chantagem do atraso na votação da Lei Geral da Copa associou ruralistas que se negam até a recuperar a vegetação nativa às margens de rios, a oposição, a bancada homofóbica e os fisiológicos em crise de abstinência. O novo Código se tornou, até o momento, a maior batalha do governo Dilma. Merece ter seu tom elevado e que se dê uma resposta à altura, não confinada aos limites do Congresso.
Tanto a velha mídia quanto a oposição conferiram ao episódio um clima de salve-se quem puder. O senador Fernando Collor (PTB-AL) também deu uma ajuda ao catastrofismo ao dizer que, por experiência própria, não se pode brigar com o Congresso, pois os resultados são trágicos.
Em 2011, a presidência Dilma teve uma agenda comedida. Menos medidas provisórias e poucas matérias polêmicas, comparativamente às presidências anteriores. Do que era mais polêmico, aprovou tudo o que propôs: a Comissão da Verdade, o fim do sigilo eterno de documentos, a DRU, o regime diferenciado de contratação (para a Copa das Confederações e o mundial de 2014).
Pode não parecer, mas grande parte da agenda congressual caminha sem ser necessariamente orientada pela clivagem governo-oposição. Em 2011, mais de 70% do que foi aprovado na Câmara e quase 80% do aprovado no Senado sequer precisou ir a plenário. Tramitou em comissões, obteve consenso entre os partidos e foi aprovado em decisões terminativas, ou seja, sem a necessidade do voto de cada parlamentar.
O governo ainda se prontificou, em alguns casos, de abrir mão de suas propostas para aprovar iniciativas nascidas no próprio Congresso, algumas delas de parlamentares da oposição, negociando-se pontualmente a inclusão das prioridades do Executivo. Isso foi essencial para a aprovação da política nacional de resíduos sólidos e a de mobilidade urbana, que significam mudanças institucionais importantes para o País.
Qualquer balanço do ano que passou desfiará um rosário de temas bastante complexos. As principais batalhas foram travadas em temas como a distribuição dos royalties do pré-sal, a regulamentação da Emenda 29, o Plano Nacional de Educação (ainda emperrado), a chamada “guerra dos portos” (uma nova modalidade de guerra fiscal entre os Estados), a divisão (frustrada) do Pará, as obras da Copa e, claro, o pomo da discórdia, o Código Florestal.
O que todas essas questões têm em comum? Todas são batalhas federativas. Mesmo a Copa. Ser sede dos jogos implica em obras de melhoria urbana, reforma de aeroportos, atração de investimentos imobiliários e turísticos. Nos outros assuntos, é muito mais que isso. União, Estados e Municípios têm interesses distintos, e as unidades da federação muitas vezes disputam posições no ranking final dessas decisões. Haverá ganhadores e perdedores.
O federalismo brasileiro está em pleno processo de redefinição de seu pacto. Os partidos e os governos, em cada Estado, representam coalizões com estratégias diferentes de desenvolvimento e apropriação de recursos naturais, públicos e privados, decorrentes de processos que se associam de modo desigual e combinado à lógica de acumulação de capital.
O novo Código Florestal é questão estratégica para o agronegócio que vê, na legislação ambiental atual, uma barreira à expansão da fronteira de exploração de recursos naturais.
Na visão míope do articulismo de plantão da velha mídia, algumas dessas batalhas são perdidas por “tropeços” do governo. Os problemas de fundo são vendidos como problemas de articulação política ou do estilo pessoal da presidenta. É uma boa maneira de simplificar interesses políticos, econômicos e ideológicos maiores e descontextualizá-los de sua dimensão política mais ampla.
Há sinais importantes, bem apontados por Maria Ines Nassif, em artigo na Carta Maior, de que o atual governo não pretende ser um simples condomínio de partidos aliados a ocupar suas vagas e a fazer da presidência o síndico do prédio.
Mas também há sinais de um risco preocupante: o do burocratismo. É a ideia de que governar é gerenciar. De que o objetivo principal para o qual foi eleito é alcançar a máxima eficiência (em quê? Pra quê? Pra quem?). De que a articulação política com o Congresso, assim como a negociação com governadores e prefeitos, é um problema exclusivo da Secretaria de Relações Institucionais. De que a relação com os movimentos sociais é um assunto específico da Secretaria Geral. De que a coordenação de governo é uma rotina da Casa Civil. De que a interlocução com o PMDB é um assunto do vice-presidente. De que a comunicação é um assunto da Secretaria de Comunicação Social. De que a boa gestão de políticas públicas se faz com as ferramentas do "Balanced Scorecard".
A origem grega da palavra governar, associada a navegar, deixa clara algumas obrigações dos que empunham o leme. Apontar o rumo, conduzir a um destino, desafiar águas turbulentas, saber tirar proveito de marés e ventos favoráveis, quando não, remar contra a maré, confrontando o “status quo”.
A questão do Código Florestal é uma dessas em que é preciso remar contra a maré. O governo esticou a negociação até onde pôde, abriu mão de pontos importantes, indispôs-se com os movimentos sociais. Derrotado, é hora de fazer o movimento de pêndulo, retornar à sua posição original e confrontar, na batalha perante a opinião pública nacional e internacional, aqueles que fazem de tudo para derrotá-lo novamente. A chantagem do atraso na votação da Lei Geral da Copa associou ruralistas que se negam até a recuperar a vegetação nativa às margens de rios, a oposição, a bancada homofóbica e os fisiológicos em crise de abstinência. O novo Código se tornou, até o momento, a maior batalha do governo Dilma. Merece ter seu tom elevado e que se dê uma resposta à altura, não confinada aos limites do Congresso.
* Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.
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