quarta-feira, 9 de maio de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

Geopolítica do neocolonialismo na Africa Ocidental (3)

Geopolítica neocolonial francesa na Africa Ocidental (1945 a 1960)

         O final da II Guerra Mundial, representa para a França um período de reorientação politica e social. A questão colonial torna-se um problema que urge resolver. Em Maio de 1945 ocorrem massacres na Argélia e nos Camarões os franceses reprimem violentamente as greves gerais em Douala, nos Camarões. A guerra do Vietname eclode em Setembro do mesmo ano, prolonga-se até Março de 1946 e torna a eclodir em Dezembro desse ano.

         A Constituinte de 1945 conta com um grupo de representantes africanos eleitos, coisa nunca vista em nenhuma potência colonial. Em Maio de 1946 é rejeitado o primeiro projecto Constitucional, que previa a possibilidade de independência e organizava uma União Francesa democrática. No Verão desse ano os representantes da África Ocidental Francesa e da Africa Equatorial Francesa, convocaram o Congresso de Bamaco, que seria realizado em Outubro, onde é fundado o RDA (Rassemblement Democratique African), o primeiro partido politico africano criado nas colonias francesas, pois a SFIO Senegal (liderada por Senghor, Lamine Gueye e Yacine Diallo) era uma organização da SFIO (Secção Francesa da Internacional Operária), ou seja um partido francês. A SFIO Senegal apoiou a fundação do RDA e subscreveu o documento - manifesto embora se retirassem deste processo por pressão do ministro francês da SFIO, Marius Mouter.

         Por sua vez a França traça, alicerçada nos princípios dominantes da escola geopolítica francesa, a diversidade de culturas e de meios e tendo como principio o factor humano. É constituído na AOF, uma rede de interlocutores, através dos chefes tradicionais e inicia a prática política de incitamento às rivalidades étnicas. É assim que na Guiné Francesa os Fulas e os Malinkés vêem-se envolvidos em escaramuças, com o apoio subtil, ora a uma ora a outra das partes, dos franceses. Para além disso é levada a cabo uma política de incentivo ao comércio local, criando assim o apoio dos comerciantes e desenvolvendo uma incipiente classe média que preferisse a segurança da França às incógnitas do futuro sem a França e a preocupação com o aliciamento dos meios universitários.

         O pensamento neocolonial francês começa a impor-se, gradualmente, á velha ordem colonial. Urge fazer nascer uma camada de africanos ocidentalizados (a zona de civilização, da teoria da Escola Possibilista) aptos a desempenhar tarefas produtivas e a gerirem a sua actividade económica. É neste sentido que a SFIO permite a participação no governo francês e no Parlamento Nacional a presença da SFIO Senegal, que foi um instrumento importante na criação desta camada ocidentalizada. Senghor, Guye e Diallo foram os interlocutores válidos da política neocolonial francesa, que ensaiava os seus primeiros passos.

         Por outro lado o RDA, nesta fase, liderado por Houphouêt-Boigny, estabelece uma aliança táctica com o PCF. Esta proximidade vai manter-se desde 1946 a 1950. O PCF era o único partido (chegou a constituir o grupo parlamentar mais representado) que preconizava a liquidação do colonialismo. Os restantes partidos da esquerda francesa (SFIO, UDSR de François Mitterrand) não tinham uma posição definida sobre a independência dos territórios ultramarinos e o bloco gaullista ensaiava os primeiros passos na busca de um consenso neocolonial. Em 1950 o RDA afasta-se gradualmente do PCF e Boigny faz uma aproximação a Mitterrand. A tónica do discurso do RDA não é tanto a questão da independência e da autodeterminação, mas antes a realização de reformas no quadro da União Francesa. Está, assim, estabelecida a segunda ponte da geopolítica neocolonial francesa.

         A evolução do colonialismo para o neocolonialismo em França, é uma evolução lenta, mas muitas vezes feita a reboque das situações. Os seus maiores fiéis depositários são os sectores provenientes da esquerda democrática, a SFIO (herdeira de Jaures) e a UDSR (formação de Mitterrand). Aos poucos o pensamento gaullista absorve a necessidade de reformular a geopolítica do estado francês e recolhe as prestações apresentadas pelas correntes socialistas francesas, a favor de um quadro gradualista. A nova fase da geopolítica francesa vai aos poucos tomando forma e implementando-se nas duas formações (gaullista e socialista).

         Em 1957 Boigny, líder da RDA é ministro de estado do governo francês. O lema é a interdependência e a Comunidade Franco-Africana Democrática e Fraterna, com particular enfase nos territórios da AOF. Este será um conceito base da Geopolítica neocolonial francesa, tornando-se em doutrina de Estado em França e que será absorvido pela Geopolítica neocolonial portuguesa, ainda durante o período colonial e transformado em doutrina de Estado após 1975, em Portugal. É um conceito que absorve as contribuições do pensamento anglo-saxónico, indo de encontro á criação de Commonwealths, zonas de influência, portadoras do conceito base de espaço-vital da escola alemã inicial e das pan-regiöes da escola de Munique.

         A ordenação administrativa da Africa sob domínio francês permite facilmente a aplicação da teoria na prática. São assim definidas as forças que constituirão os guardiões da zona de civilização que os franceses tentam implementar na AOF, no período antecedente às independências. Estas eram inevitáveis e os franceses sabiam-no bem. Não poderiam combate-las, não só pela ordem imposta no final da guerra pelos norte-americanos, como também as colonias, como tal, deixaram de fazer sentido no processo de acumulação e reprodução de capitais. Estabelecidos os princípios geopolíticos e os seus agentes no terreno, o neocolonialismo francês estava pronto para as independências da Africa Ocidental apostando na estratégia da balcanização da região
                   
Geopolítica neocolonial inglesa na Africa Ocidental (1945 a 1960)
        
         A agenda neocolonial inglesa tem outros timings e preocupações. Primeiro pelo contexto constitucional. Passemos a palavra a Yves Benot: “Antes do mais a ausência de uma constituição inglesa, devidamente redigida e fixada inscreve a luta nacional num contexto muito mais instável: Aqui não pretextos institucionais que seja possível opor aos compromissos; só a relação de forças conta”(in Ideologies des Independances africaines; Maspero, 1969, minha tradução) Depois pelo facto de a Inglaterra ter saído da II guerra Mundial numa situação diferente da França: A Inglaterra nunca foi invadida, não caiu rendida á Alemanha, como aconteceu com a França. Aparece assim como parceiro de raiz ao lado dos USA, com quem partilhou o pensamento geopolítico e a prática geoestratégica. Um parceiro menor, debilitado, mas um parceiro incontornável. Depois a falta de rigidez do quadro da administração colonial. A administração colonial anglo-saxónica utiliza variados processos. Num lado administração directa, noutro o sistema de protectorado, ou então a utilização de múltiplos processos de administração e sistemas de controlo no mesmo território como no caso do Gana (Costa de Ouro) e da Nigéria.

         Os governadores ingleses eram assessorados por dois Conselhos: o Executivo, formado por membros nomeados pelo governador, geralmente altos funcionários e o Conselho Legislativo, encarregado de votar o orçamento e determinadas leis directamente ligadas ao território em que se localizavam. Estes Conselhos eram formados por membros eleitos e membros nomeados pelo governador. Na Costa do Ouro (Gana) o primeiro africano eleito para um Conselho Legislativo foi no ano de 1861, mas em toda a Africa Ocidental sob domínio britânico após 1942 os Conselhos Legislativos são todos africanos, eleitos.

         O objectivo do colonialismo britânico não foi a assimilação, mas sim conduzi-los á autodeterminação (mais um fardo do homem branco kiplingiano), no longo prazo. Este é um princípio que contem já o gérmen do neocolonialismo. Os ingleses estavam alguns anos-luz á frente dos franceses nestas questões. Tinham constituído uma rede de agenciados, já no seculo XVIII, renovada em cada ciclo geracional e acompanhando passo a passo as tensões nos territórios, fossem eles colonias, fossem protectorados. O desenvolvimento cultural nos territórios da Costa do Ouro e da Nigéria era substancialmente diferente dos territórios que caíram sob domínio francês. Na Costa do Ouro, no território Fanti, existia um sistema de ensino, com infraestruturas escolares, no seculo XVIII e as trocas culturais na Nigéria e na Costa do Ouro com a Europa eram correntes. Por outro lado estas foram regiões onde a burguesia africana ultrapassou a fase de embrião, embora o seu desenvolvimento normal fosse interrompido pela conquista militar inglesa.

         As reivindicações nacionalistas africanas na Africa Ocidental sob domínio inglês eram gradualistas, feitas a passo, de forma a que aos poucos foram levando á independência. Em 1945 realiza-se o V Congresso Pan-Africano em Manchester, que adopta um Apelo aos Povos Colonizados, redigido por Nkrumah, co-secretário do Congresso, onde é formulada a exigência da independência politica, imediata e incondicional. Mas no Congresso de Manchester só estavam representadas as colónias britânicas, sendo que o seu eco só muito mais tarde chegará á Africa Ocidental Francesa.

         O Congresso de Manchester definiu que os meios essenciais de luta deveriam ser as greves, os boicotes e a organização politica e sindical e á necessidade de conduzir uma luta pacífica. O Congresso foi presidido pelo historiador e filósofo afro-americano Du Bois, figura aceite por todas as tendências do movimento de libertação. Mas outra figura importante no Congresso foi George Padmore, ex-marxista, que assumira um discurso pró-ocidente e que era contestado pelas posições mais progressistas do movimento de libertação. Padmore propunha separar o Apelo do Congresso e embora não conseguisse os seus objectivos (pela posição consequente de Du Bois, que como presidente do Congresso e figura consensual, diluiu a posição de Padmore) deixou presente no Congresso uma posição sobre a guerra-fria e a posterior politica das independências. Padmore foi, neste congresso, como na sua vida, o agente africano da geopolítica colonial britânica e norte-americana (nesta altura ainda não estava definida uma posição da geopolítica norte-americana sobre Africa na situação pós-guerra, embora Padmore com os seus trabalhos sobre a oposição entre Pan-africanismo e comunismo tenha sido um interlocutor válido para ambas as potencias).

         Interessa, pois, reter que a geopolítica neocolonial inglesa tinha já todo um trabalho elaborado e com registos de experimentação, produto da sua escola de administração colonial e da sua geopolítica imperialista, de potência marítima. A talassocracia britânica, que tinha assistido de forma controlada, gradual e consentida á deslocação do centro financeiro mundial de Londres para os territórios do Norte do Novo Mundo, emprestou aos norte-americanos os princípios geopolíticos orientadores e preparou antecipadamente os processos de independência, colocando no terreno os seus agentes locais, a coberto da luta contra a cortina de ferro.
        
Fontes

Yves Benot; Ideologies des Independances africaines; Maspero, 1969
Ahmed Sékou Touré; L’Áfrique et la Révolution; Présence Africaine, 1965
Boubou Hama; Enquête sur les fondements et la genése de l’unité africaine, Presence Africaine,1966
Políbio Valente de Almeida; Do poder do pequeno estado: enquadramento geopolítico da hierarquia das potências; ISCSP, 1990
Halford Mackinder; Democratic ideals and reality: a study in the politics of reconstruction; National Defense University Press, 1996
Adriano Moreira; Condicionamentos Internacionais da Área Lusotropical; Editora Massangana, 1985
Amílcar Cabral; Le pouvoir des armes; Maspero, 1970
Joshua B. Spero; NATO's security challenge to the East and the American-German geo-strategie partnership in Europe; Bundesinstitut für ostwissenschaftliche und internationale Studien, 1994

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