Ana Silva – Maka Angola
Com a marcação das eleições para 31 de Agosto, a recente apresentação do Memorando de Actividades do Executivo, referente ao primeiro trimestre de 2012, ganha nova dimensão.
O ministro de Estado e da Coordenação Económica, Manuel Vicente, apresentou o memorando à imprensa exaltando, de forma pormenorizada, os progressos económicos do governo. Falou da construção de fábricas, escolas, habitação social, investimentos em infraestruturas e transportes. O ministro também sublinhou a inauguração de emissores das rádios provinciais e centros regionais de televisão.
Qualquer observador menos atento poderia ser levado a pensar que Angola está a viver uma fase de verdadeiro progresso económico e social, segundo a descrição feita pelo ministro. O crescimento económico do país é inegável e deve-se, sobretudo, ao aumento da produção de petróleo e dos preços no mercado internacional.
No entanto, o cenário descrito por Manuel Vicente deixa de fora a grande maioria da população angolana, que continua a viver numa situação de miséria abjecta, sem quaisquer perspectivas de melhoria do seu quotidiano de sobrevivência.
Para além da imagem côr-de-rosa apresentada pelo ministro, o Memorando do Executivo cumpriu também uma outra função, de carácter eleitoralista. “[O Memorando] representa o compromisso que o governo de Angola, liderado por Sua Excelência o senhor Presidente da República, engenheiro José Eduardo dos Santos, assume em relação à transparência das suas acções, o que é uma prova inequívoca de quanto a nossa democracia cresce, se consolida e amadurece”, proferiu Manuel Vicente.
O Presidente ocupa o cargo há quase 33 anos, sem nunca ter sido eleito pelo povo. O país continua sem uma imprensa livre e independente, enquanto a liberdade de expressão continua a ser violentada com o espancamento de manifestantes e agora raptos. O poder judicial continua ao serviço exclusivo dos interesses do regime, enquanto os pobres continuam a ser escorraçados no usufruto dos dividendos nacionais. No entanto, o regime tem uma grande preocupação em promover uma imagem de legitimidade democrática. Para isso, precisamente, se realizará o próximo acto eleitoral.
Mas, como a mentira tem pernas curtas, Manuel Vicente manifestou grande contradição ao seu próprio discurso sobre a democracia e a transparência supostamente promovidas pelo seu chefe, Dos Santos.
Durante a conferência de imprensa, o jornalista Cândido Mendes questionou o ministro sobre a investigação, nos Estados Unidos da América, dos negócios da petrolífera Cobalt International Energy em Angola, por indícios de corrupção de dirigentes angolanos. A empresa americana estabeleceu um consórcio com a Nazaki Oil & Gaz, que é propriedade dos generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, bem como do próprio Manuel Vicente. O consórcio, que inclui a Sonangol Pesquisa & Produção e a Alper Oil, tem duas concessões de petróleo em Angola, nomeadamente os Blocos 9 e 21.
A legislação anti-corrupção nos EUA proíbe o pagamento ou a oferta de qualquer valor a dirigentes estrangeiros em troca de negócios. A Cobalt obteve a operação dos dois blocos sem concurso público.
A resposta de Manuel Vicente sobre a posição do governo angolano, a propósito desta investigação, foi reveladora de uma atitude já habitual: a arrogância de um regime que está habituado a que lhe prestem vassalagem.
O ministro e putativo candidato à vice-presidência da República, admitiu, sem hesitações, que a Cobalt violou as leis anti-corrupção dos EUA, ao estabelecer parceria com uma empresa cujos accionistas são o triunvirato do poder político e económica em Angola. Referiu que a empresa tem a opção de continuar os seus negócios em Angola, “contra as regras lá fora”. O ministro havia já confirmado, em carta ao Financial Times, a sua posição de co-proprietário da Nazaki. Antes, a Cobalt afirmava que desconhecia os donos da Nazaki, com quem divide também escritórios em Luanda.
Manuel Vicente, com a certeza de alguém impune, sugeriu que, caso os negócios da Cobalt consigo e os seus sócios criasse mais problemas legais, a empresa deveria abandonar os seus negócios em Angola. Antes, Manuel Vicente e o general Kopelipa haviam articulado a mesma posição, indicando que outras empresas seriam facilmente encontradas para substituir a Cobalt na actual parceria.
O antigo patrão da Sonangol aproveitou a ocasião para criticar o processo de “due diligence”, um procedimento comum de investigação que precede a realização de negócios a nível internacional. As empresas certificam-se que os seus parceiros, fornecedores e clientes estrangeiros não estão envolvidos em actividades ilícitas, controversas, ou ligados a dirigentes governamentais ou a empresas públicas, como forma de evitar actos que configurem crimes de corrupção e de suborno.
Para Manuel Vicente, no entanto, este tipo de práctica não faz sentido:
“Tem sido muito frequente e é practicamente a gíria de quem vem trabalhar com Angola e associa-se a angolanos, querer fazer ‘due diligence’ aos angolanos. Esta tendência tem de reverter. Estes recursos são de Angola e cabe-nos a nós fazer ‘due diligence’ a quem vem, e não ao contrário.”
Este tipo de soberba e desprezo pelas práticas internacionais já não é chocante em Angola. Os principais membros do regime de José Eduardo dos Santos estão habituados a uma atitude de beija-mão generalizada por parte das empresas estrangeiras e dos próprios governos que, em Angola, buscam oportunidades de negócio para os seus operadores económicos. Como o oitavo exportador de petróleo para os EUA, Angola encontra-se numa posição privilegiada e disso se aproveita sem hesitações. Apesar de ter sido denunciada, em primeira mão, em 2010, por Maka Angola, pelo actos de corrupção que incorre em Angola, a Cobalt tem reafirmado a continuidade da sua presença no país, tais são as promessas de lucro dos blocos 9 e 21, cujas operações estão a seu cargo.
Da soberba, Manuel Vicente passou à falsidade e à revelação indirecta da conivência do chefe do governo, José Eduardo dos Santos. Afirmou que os negócios da Cobalt com a Nazaki são legítimos no contexto da lei angolana. “Nós cá em Angola trabalhamos com leis angolanas. Os contratos que a Cobalt fez foram aprovados e continuam em vigor. [...] Tudo o que está a ser feito em Angola é feito com autorização do governo de Angola e é dentro do quadro relativo que existe em Angola”, asseverou.
É nessa contradição que reside um dos maiores dilemas do regime. Por um lado quer parecer democrático e transparente. Por outro, promove o saque generalizado dos recursos nacionais para enriquecimento desmesurado da sua elite, ao total arrepio das leis em vigor no país.
A parceria da Cobalt com a Nazaki é apenas um dos inúmeros casos de corrupção flagrante em Angola, em contravenção à legislação em vigor. Em relação aos dirigentes, a Lei da Probidade tipifica a negociata de Manuel Vicente, Kopelipa e Leopoldino Fragoso, como crime de enriquecimento ilícito por recebimento de percentagem em negócio (Art. 25º, nº 1, a) para além de outras violações. Por sua vez, a Cobalt incorre no acto de corrupção activa de dirigentes angolanos, segundo o Código Penal (Art. 321º). O direito angolano incorpora também as convenções da União Africana (Art. 4º, 1, f) e das Nações Unidas contra a Corrupção (Art. 18º, a, b), assim como o Protocolo da SADC contra a Corrupção (Art. 3º, 1, f) que, de forma similar, definem o tráfico de influência como um acto de corrupção.
Ao contrário das afirmações do ministro de Estado, existe ampla e detalhada legislação em vigor no país que estabelece os limites sobre o envolvimento de dirigentes políticos em actividades económicas e criminaliza operações em que ele próprio está envolvido. Manuel Vicente mentiu e provavelmente continuará, por defeito da sua prepotência e sentimento de impunidade.
Sem respeito pela lei não há democracia, por mais côr-de-rosa que sejam os relatórios de execução do governo. Em democracia, o ministro de Estado já teria sido demitido e constituído advogado para responder em tribunal por crimes de corrupção.
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