Martinho Júnior, Luanda
7 – Na década de 90
do século passado, ruiu por implosão o socialismo real da URSS e da Europa do
Leste.
O capitalismo
reforçou-se, passou a ter “mãos livres” e rapidamente a aristocracia financeira
mundial, concentrada nos Estados Unidos e na Europa, trescasou dos lucros para
a especulação, da especulação para o crédito mal parado e para as “offshores”,
daí para os tráficos e para o crime.
Projectou também
investimentos em outras paragens atractivas, provocando entre outros fenómenos
a deslocalização de unidades industriais, a transferência de tecnologias, a
expansão de mercados emergentes, a “deliquescência do mercado de trabalho”…
Ao invés de
conduzir o mundo para uma atmosfera de paz, o capitalismo recorreu à desenfreada
competição em desordem, determinou a indústria armamentista, manipulou no
sentido de se fabricarem novas ameaças, tensões, conflitos e guerras, numa
espiral de violência que nos pode conduzir na direcção duma catástrofe nuclear.
O movimento de
libertação viu-se suprido de muitos dos seus aliados naturais e fragilizou-se
em termos de sua própria energia, perdendo na ligação às massas populares com
as quais originalmente tão intrinsecamente se identificava.
Angola viu-se
obrigada a encetar sucessivas negociações, sempre num clima de pressão e
sofrendo as mais diferenciadas estratégias de tensão e manipulação.
As sequelas do
colonialismo e do “apartheid” ganharam força, expressão, apoios externos e
intensidade ao ponto de se deflagrar a “guerra dos diamantes de sangue”
interligada às disputas em sucessivos tabuleiros e cenários na RDC e em outros
países africanos.
O império ganhou
espaço impondo neo colonialismo, incentivando regionalismo e tribalismo,
desenhando novas fronteiras, erguendo os estados de conveniência e injectando a
lógica capitalista que impacta em todas as sociedades africanas, quando ainda
se está muito longe de se vencer o subdesenvolvimento crónico e o atraso
científico e tecnológico que coloca África na cauda dos Índices de
Desenvolvimento Humano.
O real está a ser
subvertido pelo virtual e o que era uma tentativa permanente para se alcançar
transparência e pureza, agora desfila como as misses, nas “passerelles” da
cosmética e até da mentira!
8 – O MPLA fez
derivar sua filosofia do socialismo, aplicando um pragmatismo que, se depois de
2002 com o calar das armas produziu resultados evidentes na recuperação de
infra-estruturas e estruturas para além do que o colonialismo havia
apressadamente erigido na sua década final sob pressão da luta do movimento de
libertação, está longe de trazer para todo o povo angolano os benefícios que a
visão de António Agostinho Neto havia prognosticado.
A abertura neo
liberal no quadro da lógica capitalista está a impulsionar o pragmatismo do
MPLA em direcção a um “capitalismo de rosto humano” onde se impõem elites,
precisamente na altura em que outros que se deixaram antes motivar pela “ementa
de terceira via” na construção dum “estado social”, estão a ser atingidos em
cheio pela ditadura financeira imposta pela aristocracia financeira mundial
aliada às respectivas burguesias nacionais!
Há apenas dois anos
o MPLA indexava a sua ideologia a um “socialismo democrático” tão flexível que
já era difícil distingui-lo do tal “capitalismo de rosto humano” e agora, no
seu Manifesto Eleitoral e no seu Programa, que segundo consta para sua
elaboração pouca ou nenhuma consulta teve nas bases, procuramos em vão pelos
princípios e convicções socialistas e contentamo-nos com o facto do povo
angolano ser “o centro da sua preocupação”!
Sê-lo-á?
9 – Em resultado de
toda essa deriva que começou em 1985, a lógica capitalista está a semear
assimetrias, desigualdades e injustiças sociais, palpáveis sobretudo nos
contrastes que existem nas maiores urbanizações do país e abre oportunidades a
disputas que tendem a romper com a energia do paradigma do movimento de
libertação conforme à visão socialista e de identidade nacional de António
Agostinho Neto.
Por outro lado
provoca-se a desmotivação e a desmobilização em relação ao projecto de construção
dessa identidade nacional, visível não só no sentido de oportunidade de algumas
sensibilidades que por via dos interesses egoístas são capazes de sacrificar o
todo pela parte e criar as condições para alguns mobilizar até a juventude para
que ela seja a catapulta que beneficie a sua pouco esclarecida quão artificiosa
ambição pelo poder...
Ao socialismo
concedeu-se a oportunidade para fazer a luta contra o colonialismo, contra o “apartheid”
e a algumas das suas sequelas, sempre com o ónus da guerra, mas não se deu
oportunidade de, por via dele, melhor se avançar na paz, no aprofundamento da
democracia, num imprescindível equilíbrio dentro do tecido social, de forma a
não se abrirem brechas no projecto de identidade nacional e reduzirem-se os
riscos em relação ao que é injectado a partir de fora, por via dos interesses e
das múltiplas conexões de que se servem as potências que compõem o processo de
globalização hegemónico e unipolar.
As eleições para as
autarquias que estão no horizonte próximo, acarretam imensas responsabilidades,
sendo necessário que a nível municipal, comunal e até local se possam definir
Programas exequíveis e aferidos às necessidades humanas, Programas capazes de
terem projecção e viabilidade a curto, médio e longo prazos, sem perderem
interligação estratégica com o todo nacional.
Quantas
sensibilidades estão prontas para tal e qual a responsabilidade que elas estão
a demonstrar neste momento?
A pergunta é tanto
mais premente, quanto o estado tem financiado os partidos e alguns deles, ao
invés de se afirmarem pelos seus Programas de acordo com ideologias próprias
que os caracterizem, preferem o modo fácil das emoções, das provocações e das
vulgares “estratégias de tensão”, como se estivéssemos na primeira das fases de
alguma “primavera árabe” (?)
10 – O próprio MPLA
deve em relação a si próprio e em abono da construção da identidade nacional,
determinar a abertura a um esforço de comunicação interna entre o topo e a
base, a base e o topo, assim como para com as comunidades, correspondendo
melhor ao seu próprio estatuto, o que não tem sido cultivado a um nível
desejável.
Os Manifestos e os
Programas não se podem limitar a bem apresentadas brochuras, mas o resultado
dum esforço colectivo envolvendo uma intensa actividade interna.
Alguns dos
resultados das últimas eleições parecem reflectir também essa falta de
comunicação que tem existido dentro do sistema do MPLA o que entra em
contradição com os requisitos característicos das próximas eleições para as
autarquias, eleições que exigirão criatividade e poder de mobilização local,
respondendo ao mesmo tempo às necessidades, anseios e expectativas de cada
comunidade!
Os Manifestos e
Programas são por si incentivos à interligação para com as comunidades e com
eles assumem-se compromissos e responsabilidades, pelo que muito do seu
conteúdo deve ser elaborado com a consulta às bases e com a reflexão
participativa do maior número possível dos cidadãos aderentes, bem como de
competências técnicas e científicas.
11 – Por via dos
Manifestos e Programas não se deve ter medo de enunciar estatísticas, as
estatísticas referentes aos níveis em que nos encontramos, enunciando-se também
o que se pretende atingir, os objectivos e a que prazos.
O MPLA teve em 2008
a coragem de afirmar que se iria construir um milhão de habitações e, mesmo que
esteja longe de se atingir essa cifra, há ainda mais razões que antes de a todo
o transe se procurar atingi-la, corrigindo-se erros, insuficiências, avaliando
sobretudo quando as carências estão a atingir ainda os substratos mais
vulneráveis de todo o povo angolano, a enorme massa populacional das grandes
periferias urbanas.
A identidade
nacional sê-lo-á na medida do aprofundamento da democracia e dos êxitos da
socialização dos processos que visem maior equilíbrio, solidariedade,
bem-estar, coesão e justiça social.
A abertura para com
a cidadania e a participação vai exigir muito de todos e de cada um dos
angolanos, que nunca tiveram a oportunidade histórica de participar de forma
mais directa, ou próxima, na gestão da “res publica” e na tomada das decisões
ao nível dos Municípios, Comunas e até aldeias e outras comunidades.
O entusiasmo nesse
sentido deve-o ser não pondo em causa a identidade nacional, muito pelo
contrário e, por que será também um processo inovador de socialização do poder,
as sensibilidades políticas devem pautar as suas intervenções pelos seus
Programas, pelos seus Manifestos, com responsabilidade pedagógica e duma vez
por todas abandonar a facilidade avulsa das emoções, das provocações e de mal
paradas estratégias de tensão!
A responsabilidade
do passo que se vai dar, por muita dose de pragmatismo que se use, se houver
uma aplicação coerente e mobilizadora de energias construtivas, é uma plataforma
para se aprofundar a paz e nos aproximarmos de novo do socialismo, mesmo que “envergonhadamente”
se esconda tal conceito.
A construção da
identidade nacional nutre-se da criatividade e da mobilização no sentido de que
o todo seja o resultado do que fazemos nas partes com sentido de coesão,
solidariedade e de resgate no quadro da luta contra o subdesenvolvimento.
O aprofundamento da
democracia arrisca-se a perder o seu sentido, a corroer-se, se não for assim.
A juventude só deve
estar pois em permanente diálogo com a história e a visão de António Agostinho
Neto!
Haja coragem
perante os desafios e não se dê espaços aos mercenários!
É preciso que se
ouse maduramente “Criar” (http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&view=article&id=577:criar&catid=45:sagrada-esperanca&Itemid=233)
Criar criar
criar no espírito criar no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com olhos secos
criar no espírito criar no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com olhos secos
Criar criar
sobre a profanação da floresta
sobre a fortaleza impudica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com olhos secos
sobre a profanação da floresta
sobre a fortaleza impudica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com olhos secos
Criar criar
gargalhas sobre os escárnio da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiros
força no esfrangalhado das portas violentas
firmeza no vermelho sangue da insegurança
criar
criar com olhos secos
gargalhas sobre os escárnio da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiros
força no esfrangalhado das portas violentas
firmeza no vermelho sangue da insegurança
criar
criar com olhos secos
Criar criar
Estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar com olhos secos
Estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar com olhos secos
Criar criar
liberdades nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor
sons festivos sobre o balanceio dos corpos em força simuladas
liberdades nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor
sons festivos sobre o balanceio dos corpos em força simuladas
criar
criar amor com os olhos secos.
criar amor com os olhos secos.
Foto de Martinho
Júnior: “MPLA 55 anos por Angola e pelos angolanos” – Iº Colóquio Internacional
sobre a História do MPLA – intervenção de Dibala, um dos Comandantes da
guerrilha do MPLA – 8 de Dezembro de 2011.
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