sábado, 22 de setembro de 2012

Angola: UM SÓ POVO, UMA SÓ NAÇÃO – III

 

Martinho Júnior, Luanda
 
7 – Na década de 90 do século passado, ruiu por implosão o socialismo real da URSS e da Europa do Leste.
 
O capitalismo reforçou-se, passou a ter “mãos livres” e rapidamente a aristocracia financeira mundial, concentrada nos Estados Unidos e na Europa, trescasou dos lucros para a especulação, da especulação para o crédito mal parado e para as “offshores”, daí para os tráficos e para o crime.
 
Projectou também investimentos em outras paragens atractivas, provocando entre outros fenómenos a deslocalização de unidades industriais, a transferência de tecnologias, a expansão de mercados emergentes, a “deliquescência do mercado de trabalho”…
 
Ao invés de conduzir o mundo para uma atmosfera de paz, o capitalismo recorreu à desenfreada competição em desordem, determinou a indústria armamentista, manipulou no sentido de se fabricarem novas ameaças, tensões, conflitos e guerras, numa espiral de violência que nos pode conduzir na direcção duma catástrofe nuclear.
 
O movimento de libertação viu-se suprido de muitos dos seus aliados naturais e fragilizou-se em termos de sua própria energia, perdendo na ligação às massas populares com as quais originalmente tão intrinsecamente se identificava.
 
Angola viu-se obrigada a encetar sucessivas negociações, sempre num clima de pressão e sofrendo as mais diferenciadas estratégias de tensão e manipulação.
 
As sequelas do colonialismo e do “apartheid” ganharam força, expressão, apoios externos e intensidade ao ponto de se deflagrar a “guerra dos diamantes de sangue” interligada às disputas em sucessivos tabuleiros e cenários na RDC e em outros países africanos.
 
O império ganhou espaço impondo neo colonialismo, incentivando regionalismo e tribalismo, desenhando novas fronteiras, erguendo os estados de conveniência e injectando a lógica capitalista que impacta em todas as sociedades africanas, quando ainda se está muito longe de se vencer o subdesenvolvimento crónico e o atraso científico e tecnológico que coloca África na cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano.
 
O real está a ser subvertido pelo virtual e o que era uma tentativa permanente para se alcançar transparência e pureza, agora desfila como as misses, nas “passerelles” da cosmética e até da mentira!
 
8 – O MPLA fez derivar sua filosofia do socialismo, aplicando um pragmatismo que, se depois de 2002 com o calar das armas produziu resultados evidentes na recuperação de infra-estruturas e estruturas para além do que o colonialismo havia apressadamente erigido na sua década final sob pressão da luta do movimento de libertação, está longe de trazer para todo o povo angolano os benefícios que a visão de António Agostinho Neto havia prognosticado.
 
A abertura neo liberal no quadro da lógica capitalista está a impulsionar o pragmatismo do MPLA em direcção a um “capitalismo de rosto humano” onde se impõem elites, precisamente na altura em que outros que se deixaram antes motivar pela “ementa de terceira via” na construção dum “estado social”, estão a ser atingidos em cheio pela ditadura financeira imposta pela aristocracia financeira mundial aliada às respectivas burguesias nacionais!
 
Há apenas dois anos o MPLA indexava a sua ideologia a um “socialismo democrático” tão flexível que já era difícil distingui-lo do tal “capitalismo de rosto humano” e agora, no seu Manifesto Eleitoral e no seu Programa, que segundo consta para sua elaboração pouca ou nenhuma consulta teve nas bases, procuramos em vão pelos princípios e convicções socialistas e contentamo-nos com o facto do povo angolano ser “o centro da sua preocupação”!
 
Sê-lo-á?
 
9 – Em resultado de toda essa deriva que começou em 1985, a lógica capitalista está a semear assimetrias, desigualdades e injustiças sociais, palpáveis sobretudo nos contrastes que existem nas maiores urbanizações do país e abre oportunidades a disputas que tendem a romper com a energia do paradigma do movimento de libertação conforme à visão socialista e de identidade nacional de António Agostinho Neto.
 
Por outro lado provoca-se a desmotivação e a desmobilização em relação ao projecto de construção dessa identidade nacional, visível não só no sentido de oportunidade de algumas sensibilidades que por via dos interesses egoístas são capazes de sacrificar o todo pela parte e criar as condições para alguns mobilizar até a juventude para que ela seja a catapulta que beneficie a sua pouco esclarecida quão artificiosa ambição pelo poder...
 
Ao socialismo concedeu-se a oportunidade para fazer a luta contra o colonialismo, contra o “apartheid” e a algumas das suas sequelas, sempre com o ónus da guerra, mas não se deu oportunidade de, por via dele, melhor se avançar na paz, no aprofundamento da democracia, num imprescindível equilíbrio dentro do tecido social, de forma a não se abrirem brechas no projecto de identidade nacional e reduzirem-se os riscos em relação ao que é injectado a partir de fora, por via dos interesses e das múltiplas conexões de que se servem as potências que compõem o processo de globalização hegemónico e unipolar.
 
As eleições para as autarquias que estão no horizonte próximo, acarretam imensas responsabilidades, sendo necessário que a nível municipal, comunal e até local se possam definir Programas exequíveis e aferidos às necessidades humanas, Programas capazes de terem projecção e viabilidade a curto, médio e longo prazos, sem perderem interligação estratégica com o todo nacional.
 
Quantas sensibilidades estão prontas para tal e qual a responsabilidade que elas estão a demonstrar neste momento?
 
A pergunta é tanto mais premente, quanto o estado tem financiado os partidos e alguns deles, ao invés de se afirmarem pelos seus Programas de acordo com ideologias próprias que os caracterizem, preferem o modo fácil das emoções, das provocações e das vulgares “estratégias de tensão”, como se estivéssemos na primeira das fases de alguma “primavera árabe” (?)
 
10 – O próprio MPLA deve em relação a si próprio e em abono da construção da identidade nacional, determinar a abertura a um esforço de comunicação interna entre o topo e a base, a base e o topo, assim como para com as comunidades, correspondendo melhor ao seu próprio estatuto, o que não tem sido cultivado a um nível desejável.
 
Os Manifestos e os Programas não se podem limitar a bem apresentadas brochuras, mas o resultado dum esforço colectivo envolvendo uma intensa actividade interna.
 
Alguns dos resultados das últimas eleições parecem reflectir também essa falta de comunicação que tem existido dentro do sistema do MPLA o que entra em contradição com os requisitos característicos das próximas eleições para as autarquias, eleições que exigirão criatividade e poder de mobilização local, respondendo ao mesmo tempo às necessidades, anseios e expectativas de cada comunidade!
 
Os Manifestos e Programas são por si incentivos à interligação para com as comunidades e com eles assumem-se compromissos e responsabilidades, pelo que muito do seu conteúdo deve ser elaborado com a consulta às bases e com a reflexão participativa do maior número possível dos cidadãos aderentes, bem como de competências técnicas e científicas.
 
11 – Por via dos Manifestos e Programas não se deve ter medo de enunciar estatísticas, as estatísticas referentes aos níveis em que nos encontramos, enunciando-se também o que se pretende atingir, os objectivos e a que prazos.
 
O MPLA teve em 2008 a coragem de afirmar que se iria construir um milhão de habitações e, mesmo que esteja longe de se atingir essa cifra, há ainda mais razões que antes de a todo o transe se procurar atingi-la, corrigindo-se erros, insuficiências, avaliando sobretudo quando as carências estão a atingir ainda os substratos mais vulneráveis de todo o povo angolano, a enorme massa populacional das grandes periferias urbanas.
 
A identidade nacional sê-lo-á na medida do aprofundamento da democracia e dos êxitos da socialização dos processos que visem maior equilíbrio, solidariedade, bem-estar, coesão e justiça social.
 
A abertura para com a cidadania e a participação vai exigir muito de todos e de cada um dos angolanos, que nunca tiveram a oportunidade histórica de participar de forma mais directa, ou próxima, na gestão da “res publica” e na tomada das decisões ao nível dos Municípios, Comunas e até aldeias e outras comunidades.
 
O entusiasmo nesse sentido deve-o ser não pondo em causa a identidade nacional, muito pelo contrário e, por que será também um processo inovador de socialização do poder, as sensibilidades políticas devem pautar as suas intervenções pelos seus Programas, pelos seus Manifestos, com responsabilidade pedagógica e duma vez por todas abandonar a facilidade avulsa das emoções, das provocações e de mal paradas estratégias de tensão!
 
A responsabilidade do passo que se vai dar, por muita dose de pragmatismo que se use, se houver uma aplicação coerente e mobilizadora de energias construtivas, é uma plataforma para se aprofundar a paz e nos aproximarmos de novo do socialismo, mesmo que “envergonhadamente” se esconda tal conceito.
 
A construção da identidade nacional nutre-se da criatividade e da mobilização no sentido de que o todo seja o resultado do que fazemos nas partes com sentido de coesão, solidariedade e de resgate no quadro da luta contra o subdesenvolvimento.
 
O aprofundamento da democracia arrisca-se a perder o seu sentido, a corroer-se, se não for assim.
 
A juventude só deve estar pois em permanente diálogo com a história e a visão de António Agostinho Neto!
 
Haja coragem perante os desafios e não se dê espaços aos mercenários!
 
 
Criar criar
criar no espírito criar no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com olhos secos
 
Criar criar
sobre a profanação da floresta
sobre a fortaleza impudica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com olhos secos
 
Criar criar
gargalhas sobre os escárnio da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiros
força no esfrangalhado das portas violentas
firmeza no vermelho sangue da insegurança
criar
criar com olhos secos
Criar criar
Estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar com olhos secos
 
Criar criar
liberdades nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor
sons festivos sobre o balanceio dos corpos em força simuladas
 
criar
criar amor com os olhos secos.
 
Foto de Martinho Júnior: “MPLA 55 anos por Angola e pelos angolanos” – Iº Colóquio Internacional sobre a História do MPLA – intervenção de Dibala, um dos Comandantes da guerrilha do MPLA – 8 de Dezembro de 2011.
 
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