domingo, 7 de outubro de 2012

Portugal: O MAIS PACIENTE DOS POVOS

 


Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
 
1 Convenhamos, numa semana em que é anunciada a destruição da classe média, num mês em que se assistiram a enormes manifestações contra o Governo, numa altura em que os portugueses anseiam por quem os represente, por quem dê voz ao seu descontentamento, não se estava propriamente à espera que o Presidente da República nos viesse falar de educação. Digamos que quando Cavaco Silva veio lembrar que há limites para os sacrifícios a situação não era sequer parecida com a que hoje vivemos. Parece ser um bocadinho curto referir, quase a medo, que é preciso dar sentido ao esforço dos portugueses, num momento em que estes não conseguem vislumbrar uma luz ao fundo do túnel, em que o desespero está instalado, em que precisam de esperança como de pão para a boca.
 
De facto, o discurso do 5 de Outubro de Cavaco Silva contribuiu para o sentimento de orfandade, utilizando toda a moderação deste mundo, dos portugueses em relação aos políticos. Existe, porém, uma razão para que o Presidente da República tenha feito o discurso que fez. Como toda a gente já reparou, a coligação governamental acabou e o Governo está ligado à máquina: Cavaco vai ter de arranjar uma solução de Governo e não é o momento para criar conflitos com quem quer que seja. Portas já aguentou os enxovalhos que tinha de aguentar e o líder do CDS sabe que se pactuar com este brutal aumento de impostos perde toda a sua base de apoio e enterra definitivamente o que resta da sua credibilidade. É bem verdade que Portas perderá sempre, quer fique no Governo, quer saia. Mas também é verdade que a posição de Portas é insustentável. E não vale a pena apelar à compostura e lembrar a situação do País: a risota de Passos e Relvas quando Honório Novo mostrava a carta que Paulo Portas enviou aos militantes diz tudo sobre o sentido de Estado dos referidos senhores.
 
E nem vale a pena lembrar o discurso de Mota Soares, que conseguiu fazer de Ministro e de oposição ao mesmo tempo, ou ter assistido à reacção da bancada do CDS ao discurso do primeiro-ministro. Cavaco sabe que a relação entre CDS e PSD morreu. Mas o Presidente da República sabe muito mais. Sabe que não é possível governar contra tudo e contra todos e, sobretudo, contra as pessoas. Numa ditadura os mercados e os credores podem ficar à frente das pessoas, numa democracia não. No discurso do 5 de Outubro, Cavaco não falou do País nem para o País porque está demasiado ocupado a pensar que tipo de solução governativa vai arranjar para Portugal. É bom que assim seja.
 
2 O homem que veio apresentar o maior assalto fiscal de que há memória, substituindo o outro que nos prometeu ser sempre ele a apresentar as más notícias, por uma vez acertou. O homem que fez dos orçamentos rectificativos uma rotina, que em Maio não conseguiu, nem aproximadamente, prever o desastre na execução orçamental, que tem o descaramento de afirmar que estamos no bom caminho quando apesar de todos os sacrifícios, todas as falências, todo o desemprego, nem os objectivos do défice conseguiu assegurar, numa coisa não se enganou: a desigualdade vai diminuir. Como não se pode diminuir a desigualdade aumentando o padrão de vida dos mais pobres, acaba-se duma vez por todas com a classe média e ficamos todos pobres. A classe que só era média pela medida portuguesa desaparece. Portugal, que já constava do triste rol dos países em que um cidadão podia ser muito pobre tendo trabalho, vai ter agora um papel de destaque nessa infelicíssima lista.
 
Claro que a desigualdade vai diminuir, vai diminuir e muito. Ficamos todos pobres com meia dúzia de ricos que vão acabar por fugir a sete pés para paragens onde possam investir o seu dinheiro. Daqui a uns meses, muito poucos, vamos perceber que o ministro das Finanças apenas acertou na questão da desigualdade. Claro que os objectivos do défice não serão alcançados. O desemprego vai brevemente chegar aos 20% e as poucas empresas que restam falirão. Mas a Vítor Gaspar isso não perturba desde que os mercados estejam satisfeitos. Gaspar e Passos parecem desconhecer que o assalto anunciado acelerará furiosamente o processo de desagregação social e lançará o País no mais absoluto caos. A miséria, o desespero, a desobediência civil farão parte do nosso quotidiano.
 
Podemos não ser o melhor povo do mundo, mas somos certamente o mais paciente com a loucura e a incompetência.
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana