Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1 Convenhamos, numa
semana em que é anunciada a destruição da classe média, num mês em que se
assistiram a enormes manifestações contra o Governo, numa altura em que os
portugueses anseiam por quem os represente, por quem dê voz ao seu
descontentamento, não se estava propriamente à espera que o Presidente da
República nos viesse falar de educação. Digamos que quando Cavaco Silva veio
lembrar que há limites para os sacrifícios a situação não era sequer parecida
com a que hoje vivemos. Parece ser um bocadinho curto referir, quase a medo,
que é preciso dar sentido ao esforço dos portugueses, num momento em que estes
não conseguem vislumbrar uma luz ao fundo do túnel, em que o desespero está
instalado, em que precisam de esperança como de pão para a boca.
De facto, o
discurso do 5 de Outubro de Cavaco Silva contribuiu para o sentimento de
orfandade, utilizando toda a moderação deste mundo, dos portugueses em relação
aos políticos. Existe, porém, uma razão para que o Presidente da República
tenha feito o discurso que fez. Como toda a gente já reparou, a coligação
governamental acabou e o Governo está ligado à máquina: Cavaco vai ter de arranjar
uma solução de Governo e não é o momento para criar conflitos com quem quer que
seja. Portas já aguentou os enxovalhos que tinha de aguentar e o líder do CDS
sabe que se pactuar com este brutal aumento de impostos perde toda a sua base
de apoio e enterra definitivamente o que resta da sua credibilidade. É bem
verdade que Portas perderá sempre, quer fique no Governo, quer saia. Mas também
é verdade que a posição de Portas é insustentável. E não vale a pena apelar à
compostura e lembrar a situação do País: a risota de Passos e Relvas quando
Honório Novo mostrava a carta que Paulo Portas enviou aos militantes diz tudo
sobre o sentido de Estado dos referidos senhores.
E nem vale a pena
lembrar o discurso de Mota Soares, que conseguiu fazer de Ministro e de
oposição ao mesmo tempo, ou ter assistido à reacção da bancada do CDS ao
discurso do primeiro-ministro. Cavaco sabe que a relação entre CDS e PSD
morreu. Mas o Presidente da República sabe muito mais. Sabe que não é possível
governar contra tudo e contra todos e, sobretudo, contra as pessoas. Numa
ditadura os mercados e os credores podem ficar à frente das pessoas, numa
democracia não. No discurso do 5 de Outubro, Cavaco não falou do País nem para
o País porque está demasiado ocupado a pensar que tipo de solução governativa
vai arranjar para Portugal. É bom que assim seja.
2 O homem que veio
apresentar o maior assalto fiscal de que há memória, substituindo o outro que
nos prometeu ser sempre ele a apresentar as más notícias, por uma vez acertou.
O homem que fez dos orçamentos rectificativos uma rotina, que em Maio não
conseguiu, nem aproximadamente, prever o desastre na execução orçamental, que
tem o descaramento de afirmar que estamos no bom caminho quando apesar de todos
os sacrifícios, todas as falências, todo o desemprego, nem os objectivos do
défice conseguiu assegurar, numa coisa não se enganou: a desigualdade vai
diminuir. Como não se pode diminuir a desigualdade aumentando o padrão de vida
dos mais pobres, acaba-se duma vez por todas com a classe média e ficamos todos
pobres. A classe que só era média pela medida portuguesa desaparece. Portugal,
que já constava do triste rol dos países em que um cidadão podia ser muito
pobre tendo trabalho, vai ter agora um papel de destaque nessa infelicíssima
lista.
Claro que a
desigualdade vai diminuir, vai diminuir e muito. Ficamos todos pobres com meia
dúzia de ricos que vão acabar por fugir a sete pés para paragens onde possam
investir o seu dinheiro. Daqui a uns meses, muito poucos, vamos perceber que o
ministro das Finanças apenas acertou na questão da desigualdade. Claro que os
objectivos do défice não serão alcançados. O desemprego vai brevemente chegar
aos 20% e as poucas empresas que restam falirão. Mas a Vítor Gaspar isso não
perturba desde que os mercados estejam satisfeitos. Gaspar e Passos parecem
desconhecer que o assalto anunciado acelerará furiosamente o processo de
desagregação social e lançará o País no mais absoluto caos. A miséria, o
desespero, a desobediência civil farão parte do nosso quotidiano.
Podemos não ser o
melhor povo do mundo, mas somos certamente o mais paciente com a loucura e a
incompetência.
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