João Lemos Esteves –
Expresso, opinião, em Blogues
Finalmente aterrou
a Senhora Merkel em
Portugal. Uma visita de Estado com um simbolismo e uma carga
política peculiares: afinal de contas, Angela Merkel é o rosto da política de
austeridade cega e da inflexibilidade financeira. E, por consequência, a chanceler
alemã assume-se como a principal culpada do impasse institucional e (sobretudo)
político da União Europeia. No entanto, há líderes políticos que ainda a
continuam a idolatrar cegamente. Há líderes políticos que numa operação de
serventia política embaraçosa até montam operações de segurança com um nível de
espetacularidade confrangedor (que inclui até imagine-se o exército). Há
líderes políticos assim: fracos e sem poder de negociação e noção do que é o
Sentido de Estado. Enfim, há líderes políticos como Passos Coelho.
2.De entre as
manifestações e mensagens populares anti-Merke, registei uma que me despertou a
atenção: " Senhora Merkel, Portugal não é uma Merkeldoria!". Para
além do trocadilho linguisticamente curioso, esta frase encerra uma verdade
evidente: os responsáveis políticos tratam (pelo menos, têm tratado) Portugal
como se fosse um terreno da propriedade alemã. Que, por caridade, os alemães
têm mantido, dando umas esmolas de vez em quando. Ora , Portugal
não é uma quinta privativa ou uma "mercadoria" da Alemanha: Portugal
é um Estado Soberano, europeu, que está (ou devia estar) num plano de paridade
face ao Estado alemão. Às tantas, até parece que, no debate político, Portugal
é tratado como se se reduzisse a uma mera despesa primária dos alemães. Ou
seja, da mesma forma que nós discutimos se devemos reduzir na saúde, na
educação, se encerramos ou não escolas, os alemães debatem se devem gastar ou
não dinheiro em Portugal - ou simplesmente cortar nesta despesa inútil que é
ajudar Portugal. Ao que nós chegámos! Ao que a Europa chegou! A nossa Pátria
não pode permitir um ultraje deste tipo - é uma questão de respeito. Ainda para
mais, a Alemanha, se tem memória, deveria agradecer-nos todo o apoio que demos
em fases muito complexas da sua história recente.
Dito isto, a visita
de Angela Merkel a Portugal afigurava-se como uma oportunidade soberba para
Passos Coelho começar uma nova estratégia em termos de política europeia. Até
agora, Passos Coelho colou-se a Angela Merkel e ao seu fanatismo ideológico-económico-financeiro.
A explicação dada correspondia à necessidade de Portugal se assumir como o bom
aluno, que cumpre as suas obrigações internacionais, para recuperar a confiança
dos credores internacionais. Mas, face aos efeitos perversos da austeridade
reconhecidos já pelo FMI e à necessidade de colocar o acento tónito na economia
e a reputação positiva já alcançada por Portugal nos mercados, impunha-se que
Passos Coelho aproveitasse a visita de Merkel para iniciar uma segunda fase. Já
não de colagem e avé-marias à política de Merkel, mas sim de negociação e de
explicação daquelas as variantes e condicionantes da vida económica portuguesa.
Chamando sempre a atenção para as consequências sociais de uma política de
austeridade rígida como a defendida por Merkel. Foi o que Passos Coelho?
Inexplicavelmente, e a mal da Nação, não. Nem por sombras.
É que as ideias
fortes de Passos Coelho foram: Portugal está na linha da frente da defesa do
euro e espera que os "grandes" da Europa fiquem na retaguarda se algo
correr mal; a Europa tem de estar unida, contra as divisões que têm surgido;
temos de continuar a percorrer este caminho porque é o único possível. Ora, em
primeiro lugar, se a Europa está unida, se vivemos numa União Europeia, não
deveríamos estar todos na linha da frente? Somos nós - os pequenos, na
terminologia de Passos Coelho - que estamos na luta e depois temos de pedinchar
o escudo dos grandes? Mas que raio de mundo de pernas para o ar é este?
Em segundo lugar,
Passos Coelho criticou as divisões na Europa. Não percebi: é que ao lado do
Primeiro-ministro estava Angela Merkel - o rosto das divisões na Europa. Passos
estava a criticar quem? Monti e Rajoy por discordarem de Angela Merkel? Quem
está preocupado com o crescimento económico e a coesão na Europa é
divisionista! Esta ideia é surreal! Ter um Primeiro-Ministro que meteu esta
ideia na cabeça é um facto que deve preocupar todos os portugueses!
Dir-se-á que Passos
Coelho pretendeu criticar Merkel, ainda que implicitamente. Mas não: é que no mesmo
discurso diz que a linha merkeliana é a única correcta. É a única que devemos
seguir. A não ser que Passos Coelho tenha personalidade dupla, as suas palavras
foram contra Monti, Hollande e Rajoy. Ou seja, Passos Coelho é contra a única
linha política europeia que favorece os interesses de Portugal. Mas, afinal de
contas, Passos Coelho serve os portugueses ou serve a senhora Angela Merkel? E
se servir Angela Merkel for a sua ambição de vida, então que vá para uma
empresa pública ou privada alemã e que os deixe escolher outro
Primeiro-ministro...
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