Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Com mais de ano e
meio de atraso Passos Coelho apresentou o seu manifesto eleitoral. Está
finalmente perante nós, mascarado de relatório do FMI, o que Vítor Gaspar,
Passos Coelho e Relvas querem para o País - saberemos dentro em breve se
devemos acrescentar Paulo Portas a esta lista. Eis a agenda escondida, o ir para
além da troika, aquilo que a Santíssima Trindade sempre quis mas não apresentou
aos portugueses receando não ganhar as eleições.
Esqueçamos a falta
de vergonha e o desrespeito pelos cidadãos de se mandar para um jornal um
documento que a ser implementado mudaria o País para sempre e depois mandar um
mero secretário de Estado explicá-lo.
Também não vale a
pena debater a ideia que se quis vender dizendo que são simples propostas de
âmbito técnico e de se dizer que é um texto que busca consensos: é um documento
puramente político e não pretende ser minimamente consensual. A prova disso é
que nem os partidos da oposição, nem sindicatos, nem nenhum parceiro social
foram tidos ou achados.
A verdade é que
Passos Coelho contratou o FMI para lhe escrever o seu programa ideológico.
Como qualquer
programa político é marcado ideologicamente, a opção ideológica naturalmente
reflecte-se na maneira de fazer os diagnósticos, na forma de levantar as
questões e essencialmente nas soluções propostas. Este relatório do FMI não
deixa de ter inexactidões graves, erros flagrantes e enormes falsidades, mas
sempre com o mesmo objectivo: defender opções políticas (até nisso se aproxima
de um manifesto eleitoral). Mais, quando se pede um estudo deste tipo ao FMI
sabe-se o que se vai obter. Digamos que a receita é conhecida e, para quem não
saiba, não resultou em nenhum lado, da América Latina à Ásia. Pedir ao FMI um
estudo sobre a reforma do Estado é perguntar a um muçulmano se prefere cordeiro
ou porco. Já sabemos a resposta.
O documento põe em
causa, por completo, o caminho seguido em Portugal após a revolução; pretende
acabar com o Estado social, que tem sido consensual em Portugal, concorde-se ou
não com a forma como está desenhado ou tem funcionado. Não se chega a meio de
uma legislatura e se diz que se tem de despedir 50 000 professores, outros
tantos militares, polícias e outros milhares largos de funcionários públicos.
Também não é o momento para anunciar que se vai roubar 20% do dinheiro que as
pessoas emprestaram ao Estado para que lhes fosse devolvido quando fossem
velhas. São propostas legítimas, mas o mandato eleitoral não é um cheque em
branco. O que está em causa não é propriamente privatizar 49% ou 51% da RTP ou aumentar
mais ou menos os impostos: é uma mudança radical na forma de estruturar a
comunidade, não pode ser feita sem um mandato claro do povo. Não se podem fazer
estas mudanças absolutamente radicais sem eleições e em muitos casos mudando a
própria Constituição. Ainda é preciso ouvir o povo para dar o grande salto em
frente.
Há aqui ainda,
entre muitos outros, um par de problemas. O parceiro de coligação, o CDS? Em
que estado fica depois deste episódio, sabendo-se que não concorda com o
verdadeiro plano do Governo, apesar de lhe pertencer? Portas e Cavaco estão
cada vez mais parecidos nas ideias e nos actos: não se pode esperar nada deles.
Não querem, até ver, contar.
O segundo e mais
importante tem que ver com o PSD. Revê-se o partido neste programa? É que tudo
o que tem sido a actuação deste Governo, sobretudo este programa Governo/FMI, é
contra toda a sua história, toda a sua tradição governativa, toda a sua raiz
ideológica. Pois, é muito provável que antes mesmo de haver eleições para
sufragar o dito plano fossem necessárias eleições no PSD. Os sinais são claros.
De Carreiras a Capucho, passando por Mota Amaral e pelo descontentamento
visível das bases do partido. Não deixa de ser muito interessante, aliás,
comparar este documento do FMI com o Relatório da Plataforma para o Crescimento
Sustentável presidida pelo primeiro vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da
Silva. Não é preciso ler muitas páginas de ambos os documentos para percebermos
o quão absolutamente distintas são as visões expostas. É muito difícil perceber
como é que o Passos Coelho versão 2012/13 e Moreira da Silva são do mesmo
partido.
Este Governo não é
bem um Governo, é um terrível acidente. Talvez o pequeníssimo empurrão que
falta para que caia não seja dado pelo Presidente da República ou pelo CDS mas
pelo Partido Social--Democrata. Veremos se ainda sobra alguma força e carácter
ao partido que teve um papel decisivo na construção da nossa democracia.
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