ESTA DEMOCRACIA
João Marcelino – Diário de Notícias, opinião
1. Há umas semanas
Passos Coelho saiu-se com a refundação do Estado. Poucas horas depois, no meio
da confusão instalada, percebeu-se que a questão nada tinha a ver com
estratégia e visão. Era, apenas, mais um problema financeiro. Importante, sim;
mas financeiro. Faltavam 4 mil milhões de euros para cortar até 2014 e a troika
queria um plano até fevereiro deste ano (de 2013). Passos Coelho, até aí tão
cioso da autoridade da maioria absoluta que coordena, convocou de repente o PS
para assinar os sacrifícios. Entretanto chegou o Natal. E agora, passado este,
chegou o estudo encomendado aos credores de que se conhecem já as linhas
gerais. Temos demasiado bem-estar, professores e polícias a mais, lautas
prestações sociais e durante tempo demasiado, etc., etc. Ou seja: mais uma via
sacra para percorrer rumo a uma economia radiosa.
Veremos o que o
Governo aproveita deste estudo e quais as linhas gerais pelas quais conduzirá
os cortes. Mas é nestes momentos que devemos ponderar o significado da
nacionalização do Banif (sim, foi nacionalizado, à sorrelfa, na véspera do
réveillon) e refletir nas palavras de Nuno Morais Sarmento que, em recente
entrevista, garantia ser possível cortar ainda quatro milhões nos gastos do
Estado sem colocar em causa os apoios sociais. Nuno Morais Sarmento foi,
recorde-se, ministro de um Governo social-democrata.
2. A vida é uma
escolha permanente. Na política sobretudo. O Governo tem um problema em mãos e
deve assumir as escolhas, como em determinada altura parece ter assumido que
não precisava de continuar a estimular o consenso político. Continuar a
queixar-se do PS e dos partidos da esquerda (que nem sequer convocou para esse
acordo nacional que gosta de reclamar) não faz qualquer sentido. Quem tem
legitimidade governa - e se Passos Coelho entende que tem legitimidade, com
aquilo que disse na campanha e depois escreveu no programa de governo, para
avançar... Pois faça o favor. Avance. Decida. Acabe com a ladainha do consenso
nacional, que soa a falso. Eleja-se lá a comissão para o plano que tem de estar
pronto em pouco mais de um mês e já que não se quer poupar o País a alguns
sacrifícios brutais em tempo recorde ao menos que se poupe na hipocrisia, que
já cansa.
3. Portugal está a
viver a maior revolução social desde o 25 de Abril. Tudo isto se passa em
democracia formal mas, infe- lizmente, muito do que está a acontecer ao nível
das decisões do Governo não passou pelo escrutínio do voto. Mais uma vez a
campanha eleitoral foi uma mentira e está a ir-se para além do que é aceitável.
É mentira, ainda, que de um lado estejam os revolucionários liberais e do outro
os conservadores socialistas. Se fosse assim tão simples poder-se-ia até
perguntar onde para o PSD social-democrata, esse partido de esquerda sepultado
algures. Não! Na sociedade nacional existe, felizmente, um largo consenso
europeu e a visão de Portugal como um país honrado e necessitado de reformas. O
que não é consensual é es- ta velocidade suicida, quer na conso- lidação
orçamen- tal quer nas reformas estruturais, que não sendo acompanhada por
crescimento gera pobreza, desemprego, infe- licidade e está a desarticular o
País.
A reforma do
chamado Estado social, assim como a privatização de algumas empresas, deveria
merecer uma grande discussão, ou melhor: um referendo. Mas, tal como perguntar
o que pensam os cidadãos da construção da União Europeia, nem pensar nisso! Os
políticos desconfiam do Povo, têm medo da democracia. É por isso que este
processo português tem tudo para, de repente, ser interrompido. Acabar mal.
Gostava de estar enganado.
*Título PG, extraído
do texto do autor
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