Pedro Cordeiro, com
agências – Expresso - foto Massimo Percossi/EPA
A estrela das
eleições italianas é um cómico antissistema que rejeita alianças com os
partidos políticos tradicionais. A aritmética para uma maioria de Governo
afigura-se difícil, mas Berlusconi afirma estar aberto a coligações com a
esquerda, que, contudo, ainda lhe torce o nariz.
Sendo certo que a aliança de centro-esquerda liderada por Pierluigi Bersani
ganhou as eleições, a verdade é que, em termos individuais, o partido mais
votado nas eleições de domingo e segunda-feira foi o Movimento Cinco Estrelas
(M5S), com 25,5% dos votos, contra os 25,4% do Partido Democrático (PD).
Este só venceu por
estar aliado a três outras formações e é esse coletivo (29,5%) que terá uma
maioria absoluta de 340 deputados na Câmara dos Deputados (em virtude do
"bónus" que a lei eleitoral atribui ao partido ou coligação mais
votado).
O M5S, criado há
três anos pelo cómico populista e antissistema Beppe Grillo, foi o fenómeno
destas eleições. No Senado será a terceira força (23,8%), atrás do
centro-esquerda (31,6%) e do centro-direita (30,7%), mas individualmente ficou
à frente do Povo da Liberdade (PdL), o partido de Silvio Berlusconi (22,3%).
Na câmara alta
nenhuma força tem maioria (os bónus da lei eleitoral funcionam por regiões e
não sobre a votação global) e o M5S seria crucial para a formação de uma
maioria estável, mas recusa-se a fazer parte de qualquer solução de Governo.
Grillo diz que terá
um grupo parlamentar, não um partido, e critica as formações tradicionais.
Acredita que o PD e o PdL "farão um 'governíssimo'", referindo-se a
uma grande coligação (a única solução aritmeticamente viável, face à negativa
de Grillo), mas augura-lhes um período de vida de "seis a sete
meses". "Tentaremos mantê-los sob controlo", promete.
A solução passará,
necessariamente, pelo Presidente da República, Giorgio Napolitano. Este
ex-comunista termina o mandato em maio e um dos desafios da nova maioria será
eleger o seu sucessor. Grillo, sempre iconoclasta, disse que gostava muito de
Dario Fo, o polémico escritor que ganhou o Nobel em 1997.
Berlusconi aberto a
alianças
Silvio Berlusconi
estaria disposto a coligar-se com a esquerda. O seu PdL vale 21,6% dos votos
para a Câmara sozinho e 29,1% numa aliança com outras oito formações.
"Temos de pensar no bem da Itália", disse o ex-governante na TV,
considerando que voltar às urnas (a saída caso não haja mesmo uma coligação
governamental) "não seria útil nesta situação".
"Todos devemos
preparar-nos para fazer sacrifícios", defendeu Berlusconi, que só exclui,
por agora, alianças com o primeiro-ministro cessante, Mario Monti, cuja aliança
centrista obteve 10,5% dos votos para a Câmara e 9,1% para o Senado (sendo, por
isso, irrelevante na prática para obter maiorias).
"Com a
aplicação de uma política de austeridade, [Monti] só colocou a Itália numa situação
perigosa, a de uma espiral descendente que levou a um aumento da dívida e do
desemprego e ao encerramento de milhares de empresas a cada dia", criticou
Berlusconi.
Será possível
seduzir Grillo?
Não é garantido que
a esquerda aceite a proposta de Berlusconi. "Não estaremos em governos que
são responsáveis pela confusão em que nos encontramos", diz a
vice-presidente do PD, Marina Sereni, que ainda acredita poder seduzir Grillo.
Anuncia que "será apresentada uma proposta para uma mudança, que vai apelar
para toda a Câmara, mas primeiro ao M5S". Bersani falará esta tarde. Ontem
disse apenas: "Geriremos os resultados no interesse da Itália".
Parece difícil, mas
talvez Sereni confie em declarações como a de Carla Ruocco, deputada eleita
pelo M5S no Lácio: "O nosso movimento não é só protesto, é também
construção". Grillo estipulou as suas prioridades durante a campanha: água
pública, educação pública, saúde pública. O combate à corrupção e as energias
renováveis são outras bandeiras do M5S.
Civati Pippo,
membro do PD, prefere um governo minoritário do que pedir apoio a Berlusconi.
Diz que um Executivo de centro-esquerda deveria dedicar-se a aprovar "a
reforma eleitoral, uma disposição sobre conflitos de interesses e corrupção, e
uma medida de liberalização e recuperação económica, e depois levar o país para
votar."
Entre os aliados de
Berlusconi a ideia do "governíssimo" não é unânime. Luca Zaia,
dirigente da Liga do Norte (segundo membro da aliança conservadora), afirmou
que nesse caso o seu partido preferia aprovar propostas de lei caso a caso,
ficando fora do Executivo.
Mercados "um
bocado loucos" ressentem-se
A confusão
resultante das eleições fez subir os juros da dívida italiana, de 0,73% para
1,24%. O euro caiu face ao dólar e ao iene. Preocupado com o pós-eleições,
Mario Monti reuniu-se, hoje, com o governador do Banco central e com os
ministros da Economia e dos Assuntos Europeus.
Já Berlusconi
mostra-se agastado com a inquietação perante os mercados: "Chega dessa
história de prémio da dívida. Vivemos felizes durante muitos anos sem nos
preocuparmos com ele. Não estejamos sempre a comparar-nos com a Alemanha, não
importa", afirmou hoje, concluindo que "os mercados são independentes
e um bocado loucos".
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