Pedro Bidarra –
Dinheiro Vivo, opinião
O perdão é a dívida
da Alemanha. É bom lembrar e, já agora, cobrar
Quis o destino que
eu lesse, na semana passada, dois textos sobre o mesmo assunto. Textos que
junto aqui porque foram feitos um para o outro. Se acharem demagogia ou mau
gosto juntar holocausto e economia, culpem o destino que os emparelhou no meu
stream noticioso.
Um li no Público,
“Milagre económico alemão teve ajuda de perdão de dívida”, o outro no New York
Times, “The Holocaust just got more shocking”. O Público relembra-nos
que, em 1953, setenta países perdoaram a dívida alemã acumulada antes e depois
da guerra – e que ajudou a financiar. O montante do perdão equivaleu a 62,6% da
dívida, tendo sido também acordados valores de juro abaixo do mercado e uma
amortização, da dívida e do juro, limitada a 5% do valor das exportações.
(Espero que estes
valores, que li no Público, estejam certos que eu é mais Ciências Sociais e
História).
Para conseguir este
perdão, continua o artigo, foi decisiva a pressão dos EUA e o assentimento dos
outros dois membros da troika da altura: França e Inglaterra.
Já o New York Times
dá conta de outros números e de uma contabilidade mais negra. Os números são
apresentados pelos investigadores e historiadores do Holocaust Memorial Museum.
Segundo eles, durante o reino de terror nazi, de 1933 a 1945, os alemães
implementaram, da França à Rússia, uma rede de 42.500 campos de terror. Quando
esta investigação começou, no ano 2000, estimava-se que o número andasse pelos
7 mil, mas a História veio a revelar-se seis vezes mais negra. A contabilidade
é esta: 30 mil campos de trabalho escravo, 1150 guetos judaicos, 1000 campos de
prisioneiros de guerra, 980 campos de concentração, 500 bordéis de escravatura
sexual e mais uns milhares de sítios dedicados à eutanásia de velhos e doentes
e à prática de abortos forçados.
O curioso é que,
apenas oito anos depois de toda esta germânica atrocidade, setenta países,
encabeçados por uma troika deles, resolveram perdoar 62,6% dívida alemã,
reconhecendo que, se assim não fosse, Berlim nunca recuperaria e todos tinham a
perder ainda mais.
Talvez a explicação
esteja no ensaio “Morale and National Character”, escrito pelo antropólogo G.
Bateson em 1942, sobre americanos, ingleses e alemães. Diz ele que americanos e
ingleses, mais dados a padrões de relacionamento simétricos – um cresce quando
o outro cresce e um relaxa quando o outro relaxa – não têm normalmente estômago
para “bater em quem já está no chão”; ao contrário dos alemães, mais dados a
relacionamentos complementares, do tipo dominação/submissão – quando mais fraco
te sentes mais forte me sinto. Segundo escreveu, impor punições à Alemanha
implicaria uma dominação constante dos vencedores o que, a médio prazo,
resultaria num abrandamento e numa nova escalada alemã.
Em 1953, por muitas
razões, fez-se o que estava certo. Perdoou-se. Perdoou-se, ao povo que implementou
42.500 campos de terror, o dinheiro que deviam e que tinha sido usado (também)
para os financiar.
O perdão é a dívida
da Alemanha. É bom lembrar e, já agora, cobrar.
Publicitário,
psicossociólogo e autor
Escreve à sexta-feira
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Escreve à sexta-feira
Escreve de acordo com a antiga ortografia
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