quinta-feira, 14 de março de 2013

O MURMÚRIO DE IPIRANGA (2)

 


Rui Peralta, Luanda
 
I - Um dos assuntos que ocupam a mente das novas elites BRICS russo-brasileiras é a visita de Dimitri Medvediev ao Brasil. Nesta visita vai ser discutida uma vasta gama de assuntos que vão desde a abertura do mercado russo às exportações de soja e de carne brasileiras, até á criação do Banco dos BRICS e á cooperação militar entre o Brasil e a Rússia. Estes dois últimos assuntos (o Banco e a cooperação militar) são reveladores das dinâmicas actuais que atravessam o capitalismo BRICS, no respeitante á necessidade de cada vez mais abertura que os seus mercados necessitam (e pressionam).
 
A criação do Banco dos BRICS, cuja formalização será efectuada na próxima reunião dos cinco governos, em Março na África do Sul, é reveladora de que as novas dinâmicas implicam já, a criação de instituições financeiras coordenadoras. Se atendermos a que cada um dos cinco países que dão o nome á sigla constituem por si só um centro semiperiférico, mas gerador de periferias, (o Brasil e o MERCOSUR, a Rússia e os mercados da ex-URSS da Asia Central e os da sua própria Federação, a China em busca de espaço para instalação da sua periferia na Indochina e já com espaços periféricos na Ásia Central, a India e a sua periferia do Sri Lanka e mercados litorais da Asia meridional e a Africa do Sul com as suas enormes periferias integradas que se estendem pelo Indico até ao Quénia, abrangendo pelo interior as zonas tradicionalmente periféricas do Lesotho, Suazilândia e Botswana, e os mercados mais recentes da Zâmbia, Zimbabwe, Malawi, da região dos Grandes Lagos e Uganda) poderemos dimensionar a importância desta instituição financeira e o peso que ela representará nos mercados financeiros mundiais.
 
II - Segundo Raul Zibechi (ver http://www.jornada.unam.mx/2013/02/22) entre 2008 a 2012 o Brasil comprou á Rússia trezentos e seis milhões de USD em armamento (principalmente os IGLA-S, misseis portáteis e helicópteros M-35). Quando a presidente brasileira Dilma Roussef visitou Moscovo, em Dezembro do ano passado, foi acompanhada por uma delegação militar encabeçada pelo Chefe do Estado-Maior e por uma comitiva formada pelos três principais fabricantes brasileiros de armamento: a ODEBRECHT (que fabrica os misseis MECTRON) a EMBRAER (fabricante dos radares antiaéreos ORBISAT) e a AVIBRAS (fabricante do principal míssil brasileiro, o ASTROS II).
 
A visita da presidente Dilma foi produtiva. A ODEBRECHT assinou um memorandum de entendimento com a empresa russa ROSTECHNOLOGII para a criação de uma empresa mista, cujo objectivo é a montagem dos helicópteros russos MI-171 no Brasil, além da criação de um centro de serviços para os MI-35 (ver http://www.defensa.com). O grande projecto é, no entanto, a compra de baterias antiaéreas russas de alta tecnologia as PANTSIR S-1, projecto que inclui transferência de tecnologia para fabricação no Brasil e que envolve as três grandes empresas brasileiras do sector (ODEBRECHT, AVIBRAS e EMBRAER).
 
III - A Folha de São Paulo de 1 de Fevereiro de 2013, aborda aquele que, segundo os militares brasileiros, é um dos principais problemas defensivos do país: a insuficiente defesa antiaérea. Esta falha no sistema defensivo brasileiro, poderá ser resolvida com a aquisição de um dos mais avançados sistemas da actualidade, como o que oferece a Rússia. A implementação deste sistema implicará uma reorganização completa do sistema defensivo aeroespacial brasileiro.
 
Entre os acordos bilaterais consta a inauguração, na Universidade de Brasília, de um ponto de rastreamento que forma parte do sistema de geo-localizaçao russo GLONASS, o primeiro fora da Federação Russa e único sistema eficaz para competir com o norte-americano GPS. A proposta russa engloba o caça SU-35, o mais avançado da sua industrial militar aeronáutica, que compete com o caça francês RAFALE e o norte-americano da BOEING, o F-18 SUPER HORNET, ambos analisados pelo governo brasileiro.
 
A proposta russa é posterior á decisão de Dilma, anunciada perante François Hollande, de congelar a compra de 36 caças RAFALE. Esta aquisição estava pendente desde que, em 2008, Lula e Sarkozy assinaram um amplo acordo militar que incluía a cooperação francesa no fabrico de submarinos no Brasil. Embora Dilma alegue razoes financeiras e de corte orçamental, grande parte dos analistas registam um distanciamento nas relações entra o Brasil e a França, quando em 2010 foram assinados acordos tripartidos (Irão, Turquia e Brasil) para resolução do conflito sobre o programa nuclear iraniano.
 
IV - O actual governo brasileiro aposta na diversificação das suas alianças, particularmente no que é relativo às aquisições de armamento e equipamento militar. Numa entrevista cedida ao jornal O Globo, de 17 de fevereiro de 2013, o ministro da defesa, Celso Amorim, referiu a prioridade do executivo em resolver a questão da dependência tecnológica e industrial do sector da defesa. Nessa mesma entrevista anunciou a decisão do governo em elevar a proporção de investimento do sector público na defesa, de 1,5% para 2 % do PIB.
 
Segundo Carlos Amorim o Brasil já consolidou parcerias estratégicas com os países da região, através do Conselho Sul-Americano para a Defesa. Neste âmbito regista a participação argentina no projecto do cargueiro KC-390, da EMBRAER, para além da aquisição de lanchas fluviais á Colômbia e do projecto de construção de uma embarcação de patrulha fluvial, com o Peru e a Colômbia. Fora da região o ministro realçou a construção de misseis ar-ar com a Africa do Sul, a cooperação com a China na área espacial e o estabelecimento de importantes acordos na indústria militar, com a India, assinados em 2012.
 
O Estado de São Paulo na sua edição de 16 de Fevereiro de 2013, adicionou, 24 horas antes, á entrevista cedida pelo ministro da defesa ao Globo, a venda de radares fabricados pela brasileira MECTRON, á Rússia, para equipar o caça YAK-130, um avião russo de treino e ataque ligeiro. Por tudo isto podemos concluir que o aumento do intercâmbio de tecnologia militar assume a forma de cooperação a longo prazo.
 
V - O sistema de alianças herdado da guerra fria decompõe-se, embora ainda não esteja consolidado um novo mapa-mundo e a deslocação do centro financeiro seja uma incógnita. Este é um processo que pode demorar décadas e que segundo alguns poderá ter-se iniciado no 11 de Setembro de 2001, ou (o que considero mais plausível) em Outubro de 2008, começo da actual crise económico-financeira.
 
Estes períodos são de crescente conflitualidade externa e interna, daí a cooperação entre estados se situar muito ao nível da tecnologia militar e daí também a explicação da indústria de segurança estar a viver um boom, a nível mundial. Os BRICS, por muito que seja a sua vontade de paz (aparente) e o seu discurso virado para a responsabilidade social e outros mitos, são uma aglomeração capitalista que procura o seu lugar no redimensionamento global em curso.
 
O Brasil pretende assumir uma posição hegemónica nos mercados da América do Sul, esse é o único objectivo realista que pode assumir, o de um centro periférico. A Rússia conhece as suas limitações históricas e o seu objectivo é a hegemonia partilhada (com a China) da Eurásia e a equacionar o seu grande problema de seculos: as saídas oceânicas. A India pretende ser o centro do Indico, disposta a partilhar hegemonia seja com quem for, portanto é mais um influente centro periférico. A China assume posições de centro financeiro mundial, mas as razoes históricas que assistem á sua unidade nacional e territorial, poderão ser decisórios na recusa (uma vez mais, já aconteceu no seculo XIV) em assumir esse posicionamento. Por fim a África do Sul assume, como um grande elefante, o seu natural papel de centro periférico.
 
Os mercados africanos não têm peso como mercados de consumo e ainda menos como mercados produtores (o único país africano que sofreu um completo processo de Revolução Industrial foi a Africa do Sul). A importância do mercado africano reside apenas no seu sector extractivo, posição que sempre desempenhou desde a sua colonização e as independências africanas apenas contribuíram para uma diminuição dos custos, pois permitiram criar elites submissas e parceiros dedicados aos seus sócios maioritários. O papel da Africa do Sul é manter a área continental do sudoeste africano como uma grande periferia, de mão-de-obra barata e a menos qualificada possível, sendo ela o centro dessa enorme periferia, o cérebro e o motor das transformações qualitativas necessárias ao continente, possuidora da qualificação e das competências.
 
VI - Perante esta situação, o Brasil, cujas elites politicas e económicas sempre passaram a mensagem nacionalista de grande nação americana (a norte os USA, a sul o Brasil, ou os chavões típicos do decrépito nacionalismo oligárquico como Deus é brasileiro e outras palermices do género, que ficam dignamente representadas na figura do Zé Carioca), tenta assumir a vanguarda da integração do mercado sul-americano, com certeza contrariado com as posições mais “extremistas” da Venezuela, Bolívia e Equador, mas relativamente á vontade no que respeita á certeza do seu papel de linha da frente no MERCOSUR, uma vez que a Argentina (um antigo competidor directo) continua com algumas dificuldades em reassumir o seu anterior peso económico e o Chile apostou, definitivamente, no sonho obamista do Pacifico, cedendo de boa vontade o papel de liderança ao Brasil.
 
Neste clube de capitalistas, os BRICS, os seus componentes representam centros periféricos e neste sentido o Brasil representa um centro periférico de mais-valia, atendendo á importância do mercado sul-americano, como mercado consumidor, como mercado produtor e como mercado extractivo. E obviamente joga este peso no clube. Como o clube, até ao momento, ainda não foi assolado pelas contradições inerentes aos processos de globalização de capital (ainda é um clube capitalista composto por estados-nação), consegue um bom nível de concertação de interesses e de cooperação.
 
Enquanto esta fase perdurar o Brasil poderá aproveitar uma situação que o ajudará a superar a sua ineficiência estrutural. De qualquer forma o Brasil só poderá, efetivamente, assumir um papel preponderante quando optar pela globalização que pretende: a da solidariedade, como reclama o seu proletariado e largas camadas da população, como os Sem Terra, que afirmam o seu empenho por uma outra logica de desenvolvimento real; ou a do capital, como pretendem as suas elites, tanto as oligárquicas, como as “emergentes” pêtistas.
 
*Ler texto anterior do mesmo título e restantes de RUI PERALTA
 

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