Rui Peralta, Luanda
I - Um dos assuntos
que ocupam a mente das novas elites BRICS russo-brasileiras é a visita de
Dimitri Medvediev ao Brasil. Nesta visita vai ser discutida uma vasta gama de
assuntos que vão desde a abertura do mercado russo às exportações de soja e de
carne brasileiras, até á criação do Banco dos BRICS e á cooperação militar
entre o Brasil e a Rússia. Estes dois últimos assuntos (o Banco e a cooperação
militar) são reveladores das dinâmicas actuais que atravessam o capitalismo
BRICS, no respeitante á necessidade de cada vez mais abertura que os seus
mercados necessitam (e pressionam).
A criação do Banco
dos BRICS, cuja formalização será efectuada na próxima reunião dos cinco
governos, em Março na África do Sul, é reveladora de que as novas dinâmicas
implicam já, a criação de instituições financeiras coordenadoras. Se atendermos
a que cada um dos cinco países que dão o nome á sigla constituem por si só um
centro semiperiférico, mas gerador de periferias, (o Brasil e o MERCOSUR, a
Rússia e os mercados da ex-URSS da Asia Central e os da sua própria Federação,
a China em busca de espaço para instalação da sua periferia na Indochina e já
com espaços periféricos na Ásia Central, a India e a sua periferia do Sri Lanka
e mercados litorais da Asia meridional e a Africa do Sul com as suas enormes
periferias integradas que se estendem pelo Indico até ao Quénia, abrangendo
pelo interior as zonas tradicionalmente periféricas do Lesotho, Suazilândia e
Botswana, e os mercados mais recentes da Zâmbia, Zimbabwe, Malawi, da região
dos Grandes Lagos e Uganda) poderemos dimensionar a importância desta
instituição financeira e o peso que ela representará nos mercados financeiros
mundiais.
II - Segundo Raul
Zibechi (ver http://www.jornada.unam.mx/2013/02/22)
entre 2008 a 2012 o Brasil comprou á Rússia trezentos e seis milhões de USD em
armamento (principalmente os IGLA-S, misseis portáteis e helicópteros M-35).
Quando a presidente brasileira Dilma Roussef visitou Moscovo, em Dezembro do
ano passado, foi acompanhada por uma delegação militar encabeçada pelo Chefe do
Estado-Maior e por uma comitiva formada pelos três principais fabricantes
brasileiros de armamento: a ODEBRECHT (que fabrica os misseis MECTRON) a
EMBRAER (fabricante dos radares antiaéreos ORBISAT) e a AVIBRAS (fabricante do
principal míssil brasileiro, o ASTROS II).
A visita da
presidente Dilma foi produtiva. A ODEBRECHT assinou um memorandum de
entendimento com a empresa russa ROSTECHNOLOGII para a criação de uma empresa
mista, cujo objectivo é a montagem dos helicópteros russos MI-171 no Brasil,
além da criação de um centro de serviços para os MI-35 (ver http://www.defensa.com). O grande projecto
é, no entanto, a compra de baterias antiaéreas russas de alta tecnologia as
PANTSIR S-1, projecto que inclui transferência de tecnologia para fabricação no
Brasil e que envolve as três grandes empresas brasileiras do sector (ODEBRECHT,
AVIBRAS e EMBRAER).
III - A Folha de
São Paulo de 1 de Fevereiro de 2013, aborda aquele que, segundo os militares
brasileiros, é um dos principais problemas defensivos do país: a insuficiente
defesa antiaérea. Esta falha no sistema defensivo brasileiro, poderá ser
resolvida com a aquisição de um dos mais avançados sistemas da actualidade,
como o que oferece a Rússia. A implementação deste sistema implicará uma
reorganização completa do sistema defensivo aeroespacial brasileiro.
Entre os acordos
bilaterais consta a inauguração, na Universidade de Brasília, de um ponto de
rastreamento que forma parte do sistema de geo-localizaçao russo GLONASS, o
primeiro fora da Federação Russa e único sistema eficaz para competir com o
norte-americano GPS. A proposta russa engloba o caça SU-35, o mais avançado da
sua industrial militar aeronáutica, que compete com o caça francês RAFALE e o
norte-americano da BOEING, o F-18 SUPER HORNET, ambos analisados pelo governo
brasileiro.
A proposta russa é
posterior á decisão de Dilma, anunciada perante François Hollande, de congelar
a compra de 36 caças RAFALE. Esta aquisição estava pendente desde que, em 2008,
Lula e Sarkozy assinaram um amplo acordo militar que incluía a cooperação
francesa no fabrico de submarinos no Brasil. Embora Dilma alegue razoes
financeiras e de corte orçamental, grande parte dos analistas registam um
distanciamento nas relações entra o Brasil e a França, quando em 2010 foram
assinados acordos tripartidos (Irão, Turquia e Brasil) para resolução do
conflito sobre o programa nuclear iraniano.
IV - O actual
governo brasileiro aposta na diversificação das suas alianças, particularmente
no que é relativo às aquisições de armamento e equipamento militar. Numa
entrevista cedida ao jornal O Globo, de 17 de fevereiro de 2013, o ministro da
defesa, Celso Amorim, referiu a prioridade do executivo em resolver a questão
da dependência tecnológica e industrial do sector da defesa. Nessa mesma
entrevista anunciou a decisão do governo em elevar a proporção de investimento
do sector público na defesa, de 1,5% para 2 % do PIB.
Segundo Carlos
Amorim o Brasil já consolidou parcerias estratégicas com os países da região,
através do Conselho Sul-Americano para a Defesa. Neste âmbito regista a
participação argentina no projecto do cargueiro KC-390, da EMBRAER, para além
da aquisição de lanchas fluviais á Colômbia e do projecto de construção de uma
embarcação de patrulha fluvial, com o Peru e a Colômbia. Fora da região o
ministro realçou a construção de misseis ar-ar com a Africa do Sul, a
cooperação com a China na área espacial e o estabelecimento de importantes
acordos na indústria militar, com a India, assinados em 2012.
O Estado de São
Paulo na sua edição de 16 de Fevereiro de 2013, adicionou, 24 horas antes, á
entrevista cedida pelo ministro da defesa ao Globo, a venda de radares
fabricados pela brasileira MECTRON, á Rússia, para equipar o caça YAK-130, um
avião russo de treino e ataque ligeiro. Por tudo isto podemos concluir que o
aumento do intercâmbio de tecnologia militar assume a forma de cooperação a
longo prazo.
V - O sistema de
alianças herdado da guerra fria decompõe-se, embora ainda não esteja
consolidado um novo mapa-mundo e a deslocação do centro financeiro seja uma
incógnita. Este é um processo que pode demorar décadas e que segundo alguns
poderá ter-se iniciado no 11 de Setembro de 2001, ou (o que considero mais
plausível) em Outubro de 2008, começo da actual crise económico-financeira.
Estes períodos são
de crescente conflitualidade externa e interna, daí a cooperação entre estados
se situar muito ao nível da tecnologia militar e daí também a explicação da
indústria de segurança estar a viver um boom, a nível mundial. Os BRICS, por
muito que seja a sua vontade de paz (aparente) e o seu discurso virado para a
responsabilidade social e outros mitos, são uma aglomeração capitalista que
procura o seu lugar no redimensionamento global em curso.
O Brasil pretende
assumir uma posição hegemónica nos mercados da América do Sul, esse é o único
objectivo realista que pode assumir, o de um centro periférico. A Rússia
conhece as suas limitações históricas e o seu objectivo é a hegemonia
partilhada (com a China) da Eurásia e a equacionar o seu grande problema de
seculos: as saídas oceânicas. A India pretende ser o centro do Indico, disposta
a partilhar hegemonia seja com quem for, portanto é mais um influente centro
periférico. A China assume posições de centro financeiro mundial, mas as razoes
históricas que assistem á sua unidade nacional e territorial, poderão ser
decisórios na recusa (uma vez mais, já aconteceu no seculo XIV) em assumir esse
posicionamento. Por fim a África do Sul assume, como um grande elefante, o seu
natural papel de centro periférico.
Os mercados
africanos não têm peso como mercados de consumo e ainda menos como mercados
produtores (o único país africano que sofreu um completo processo de Revolução
Industrial foi a Africa do Sul). A importância do mercado africano reside
apenas no seu sector extractivo, posição que sempre desempenhou desde a sua
colonização e as independências africanas apenas contribuíram para uma
diminuição dos custos, pois permitiram criar elites submissas e parceiros
dedicados aos seus sócios maioritários. O papel da Africa do Sul é manter a
área continental do sudoeste africano como uma grande periferia, de mão-de-obra
barata e a menos qualificada possível, sendo ela o centro dessa enorme
periferia, o cérebro e o motor das transformações qualitativas necessárias ao
continente, possuidora da qualificação e das competências.
VI - Perante esta
situação, o Brasil, cujas elites politicas e económicas sempre passaram a
mensagem nacionalista de grande nação americana (a norte os USA, a sul o
Brasil, ou os chavões típicos do decrépito nacionalismo oligárquico como Deus é
brasileiro e outras palermices do género, que ficam dignamente representadas na
figura do Zé Carioca), tenta assumir a vanguarda da integração do mercado
sul-americano, com certeza contrariado com as posições mais “extremistas” da
Venezuela, Bolívia e Equador, mas relativamente á vontade no que respeita á
certeza do seu papel de linha da frente no MERCOSUR, uma vez que a Argentina
(um antigo competidor directo) continua com algumas dificuldades em reassumir o
seu anterior peso económico e o Chile apostou, definitivamente, no sonho obamista
do Pacifico, cedendo de boa vontade o papel de liderança ao Brasil.
Neste clube de
capitalistas, os BRICS, os seus componentes representam centros periféricos e
neste sentido o Brasil representa um centro periférico de mais-valia, atendendo
á importância do mercado sul-americano, como mercado consumidor, como mercado
produtor e como mercado extractivo. E obviamente joga este peso no clube. Como
o clube, até ao momento, ainda não foi assolado pelas contradições inerentes
aos processos de globalização de capital (ainda é um clube capitalista composto
por estados-nação), consegue um bom nível de concertação de interesses e de
cooperação.
Enquanto esta fase
perdurar o Brasil poderá aproveitar uma situação que o ajudará a superar a sua
ineficiência estrutural. De qualquer forma o Brasil só poderá, efetivamente,
assumir um papel preponderante quando optar pela globalização que pretende: a
da solidariedade, como reclama o seu proletariado e largas camadas da
população, como os Sem Terra, que afirmam o seu empenho por uma outra logica de
desenvolvimento real; ou a do capital, como pretendem as suas elites, tanto as
oligárquicas, como as “emergentes” pêtistas.
*Ler texto
anterior do mesmo título e restantes de RUI PERALTA
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