João Lemos Esteves –
Expresso, opinião
1. Henrique Monteiro
foi um competente e profissional director do melhor jornal de Portugal que é o
EXPRESSO. Este jornal - ia escrever esta instituição! - muito lhe deve , num
período particularmente complexo da sua história: conseguiu adaptar o EXPRESSO para
enfrentar com sucesso os novos desafios colocados aos órgãos de comunicação
social pelas novas plataformas de comunicação e informação, garantiu a
sustentabilidade económico-financeira do semanário e preparou (com muito mérito
e o contributo decisivo de Ricardo Costa) a entrada fulgurante do EXPRESSO
online. Desde o final do ano transacto, Henrique Monteiro assina aqui no site
do EXPRESSO artigos de opinião bastante pertinentes e com grande audiência.
Tudo razões, portanto, para aqui darmos nota da nossa admiração pelo visado e
deixarmos a devida vénia.
2. Não obstante,
consideramos que os últimos artigos de análise política de Henrique Monteiro
têm caído numa falácia, que tem sido o pecado capital de muita boa gente: o
entender que na política, os comportamentos, as atitudes e as opiniões
expressas devem ser analisadas objectivamente, como realidade de per se,
desligadas dos sujeitos que as praticam ou emitem. Não: não é possível entender
as declarações e os comportamentos dos políticos sem conhecer as suas agendas
pessoais e as suas estratégias. Sobretudo - ao contrário do que é afirmado por
Henrique Monteiro - em tempos de crise, em que há um descrédito generalizado
dos políticos e da política, os agentes políticos - com destaque para os que
sempre viveram na e por conta da política, sem exercer qualquer outra
actividade profissional - tendem a gerir minuciosamente as suas palavras e os
passos que dão. Qualquer passo em falso, poderá ser a morte do artista. Logo, o
afirmar-se de que a crise económica e financeira mudou as variáveis da política
e as exigências da análise política, obrigando-a a discutir os problemas
independentemente das pessoas e das suas ambições, como faz Henrique Monteiro,
é um erro crasso: pelo contrário, em tempos de indefinição e de incerteza em
que vivemos, o analista político tem a responsabilidade social de alertar os
cidadãos - os verdadeiros detentores do poder político - para que nem tudo o
que parece é. Que, por detrás das aparentes boas intenções dos nossos
políticos, estão preocupações relacionadas com o seu futuro pessoal, que devem
ser reveladas para que os cidadãos formem a sua opinião de forma consciente,
serena e esclarecida. Se assim é com os políticos em geral, ainda o é mais
quanto o agente político em causa se chama Durão Barroso (ou, numa forma mais
pomposa para europeu ver, José Manuel Barroso).
Durão Barroso é
pura gelatina política!
3. E confesso que
este ponto é o que mais me intriga: como é que um comentador político com a
experiência, a inteligência e a capacidade analítica de Henrique Monteiro cai
na esparrela de entender que Durão Barroso veio esta semana defender Portugal -
os esforços feitos pelos portugueses e o alargamento do prazo de cumprimento do
memorando da troika em mais um ano - motivado apenas (ui, que coitadinho! Que
santinho!) pela preocupação tremenda que tem pelos portugueses e pelo futuro de
Portugal. Eu sei que o Henrique Monteiro sabe que isto não é verdade: Durão
Barroso só se move pelo seu interesse pessoal. Sempre foi assim ao longo do seu
percurso político: haverá ainda algum português que compre a sua versão de que
abandonou o Governo de Portugal muito angustiado, apenas para realizar o
supremo interesse nacional de o ter em Bruxelas? Mas que raio de interesse
nacional é esse de ter Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia? Ui,
meu Deus, Portugal beneficiou imenso ao longo dos últimos oito anos! Foi só
ganhar - por isso é que temos a troika cá nos dias que correm!
4. O que aconteceu,
então? Como é que surgem as declarações deste fim-de-semana de Durão Barroso ao
EXPRESSO, em tom de apoio a Portugal e ao Governo Passos Coelho? Fácil. Vamos
aos factos, caro Henrique Monteiro: na passada semana, Durão Barroso afirmou
que a culpa da crise portuguesa é dos portugueses - o que vindo do tal
Presidente da Comissão que supostamente seria bom para Portugal já seria
suficiente para suscitar a indignação de todos os comentadores políticos
patriotas, de esquerda ou de direita. Tais declarações foram feitas a um jornal
estrangeiro - pensava, então, Barroso que não teriam muito impacto em Portugal.
Tiveram. Barroso tinha, pois, que recuar e aparecer bem na fotografia junto dos
portugueses.
5. Para isso, o que
fez? Começo por dizer que não tenho informações privilegiadas - limito-me
apenas a fazer análise política dos factos de que disponho e do conhecimento
que tenho de Durão Barroso e dos barrosistas. Barroso sabia que a única forma
de recuar subtilmente seria fazer uma breve declaração de apoio a Portugal ao
director de um jornal português para aparecer em manchete. Escolheu o mais importante
jornal nacional, o EXPRESSO, falando com o Ricardo Costa. O que pretendia
Barroso? Reconciliar-se com os portugueses. Desta forma, Barroso confirma que é
pura gelatina política: tem um discurso contra Portugal para a Europa,
afirmando que a culpa da crise é dos portugueses; e outro para consumo
doméstico, em que enaltece os esforços dos portugueses e o seu trabalho. É
Barroso no seu melhor.
6. Concluindo: caro
Henrique Monteiro, sim, Durão Barroso, com as afirmações ao EXPRESSO deste fim
de semana, quis tomar uma posição tendo em vista o seu objectivo político a
médio prazo. Marcelo Rebelo de Sousa constatou um facto político irrefutável.
Com toda a razão. Henrique Monteiro, no seu artigo de ontem, pintou Durão
Barroso com uma tal "santidade" que até pensei que o estava a lançar
para novo Papa...
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