quarta-feira, 13 de março de 2013

MARCELO REBELO DE SOUSA E A ILUSÃO DA ANORMALIDADE DE HENRIQUE MONTEIRO

 


João Lemos Esteves – Expresso, opinião
 
1. Henrique Monteiro foi um competente e profissional director do melhor jornal de Portugal que é o EXPRESSO. Este jornal - ia escrever esta instituição! - muito lhe deve , num período particularmente complexo da sua história: conseguiu adaptar o EXPRESSO para enfrentar com sucesso os novos desafios colocados aos órgãos de comunicação social pelas novas plataformas de comunicação e informação, garantiu a sustentabilidade económico-financeira do semanário e preparou (com muito mérito e o contributo decisivo de Ricardo Costa) a entrada fulgurante do EXPRESSO online. Desde o final do ano transacto, Henrique Monteiro assina aqui no site do EXPRESSO artigos de opinião bastante pertinentes e com grande audiência. Tudo razões, portanto, para aqui darmos nota da nossa admiração pelo visado e deixarmos a devida vénia.
 
2. Não obstante, consideramos que os últimos artigos de análise política de Henrique Monteiro têm caído numa falácia, que tem sido o pecado capital de muita boa gente: o entender que na política, os comportamentos, as atitudes e as opiniões expressas devem ser analisadas objectivamente, como realidade de per se, desligadas dos sujeitos que as praticam ou emitem. Não: não é possível entender as declarações e os comportamentos dos políticos sem conhecer as suas agendas pessoais e as suas estratégias. Sobretudo - ao contrário do que é afirmado por Henrique Monteiro - em tempos de crise, em que há um descrédito generalizado dos políticos e da política, os agentes políticos - com destaque para os que sempre viveram na e por conta da política, sem exercer qualquer outra actividade profissional - tendem a gerir minuciosamente as suas palavras e os passos que dão. Qualquer passo em falso, poderá ser a morte do artista. Logo, o afirmar-se de que a crise económica e financeira mudou as variáveis da política e as exigências da análise política, obrigando-a a discutir os problemas independentemente das pessoas e das suas ambições, como faz Henrique Monteiro, é um erro crasso: pelo contrário, em tempos de indefinição e de incerteza em que vivemos, o analista político tem a responsabilidade social de alertar os cidadãos - os verdadeiros detentores do poder político - para que nem tudo o que parece é. Que, por detrás das aparentes boas intenções dos nossos políticos, estão preocupações relacionadas com o seu futuro pessoal, que devem ser reveladas para que os cidadãos formem a sua opinião de forma consciente, serena e esclarecida. Se assim é com os políticos em geral, ainda o é mais quanto o agente político em causa se chama Durão Barroso (ou, numa forma mais pomposa para europeu ver, José Manuel Barroso).
 
Durão Barroso é pura gelatina política!
 
3. E confesso que este ponto é o que mais me intriga: como é que um comentador político com a experiência, a inteligência e a capacidade analítica de Henrique Monteiro cai na esparrela de entender que Durão Barroso veio esta semana defender Portugal - os esforços feitos pelos portugueses e o alargamento do prazo de cumprimento do memorando da troika em mais um ano - motivado apenas (ui, que coitadinho! Que santinho!) pela preocupação tremenda que tem pelos portugueses e pelo futuro de Portugal. Eu sei que o Henrique Monteiro sabe que isto não é verdade: Durão Barroso só se move pelo seu interesse pessoal. Sempre foi assim ao longo do seu percurso político: haverá ainda algum português que compre a sua versão de que abandonou o Governo de Portugal muito angustiado, apenas para realizar o supremo interesse nacional de o ter em Bruxelas? Mas que raio de interesse nacional é esse de ter Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia? Ui, meu Deus, Portugal beneficiou imenso ao longo dos últimos oito anos! Foi só ganhar - por isso é que temos a troika cá nos dias que correm!
 
4. O que aconteceu, então? Como é que surgem as declarações deste fim-de-semana de Durão Barroso ao EXPRESSO, em tom de apoio a Portugal e ao Governo Passos Coelho? Fácil. Vamos aos factos, caro Henrique Monteiro: na passada semana, Durão Barroso afirmou que a culpa da crise portuguesa é dos portugueses - o que vindo do tal Presidente da Comissão que supostamente seria bom para Portugal já seria suficiente para suscitar a indignação de todos os comentadores políticos patriotas, de esquerda ou de direita. Tais declarações foram feitas a um jornal estrangeiro - pensava, então, Barroso que não teriam muito impacto em Portugal. Tiveram. Barroso tinha, pois, que recuar e aparecer bem na fotografia junto dos portugueses.
 
5. Para isso, o que fez? Começo por dizer que não tenho informações privilegiadas - limito-me apenas a fazer análise política dos factos de que disponho e do conhecimento que tenho de Durão Barroso e dos barrosistas. Barroso sabia que a única forma de recuar subtilmente seria fazer uma breve declaração de apoio a Portugal ao director de um jornal português para aparecer em manchete. Escolheu o mais importante jornal nacional, o EXPRESSO, falando com o Ricardo Costa. O que pretendia Barroso? Reconciliar-se com os portugueses. Desta forma, Barroso confirma que é pura gelatina política: tem um discurso contra Portugal para a Europa, afirmando que a culpa da crise é dos portugueses; e outro para consumo doméstico, em que enaltece os esforços dos portugueses e o seu trabalho. É Barroso no seu melhor.
 
6. Concluindo: caro Henrique Monteiro, sim, Durão Barroso, com as afirmações ao EXPRESSO deste fim de semana, quis tomar uma posição tendo em vista o seu objectivo político a médio prazo. Marcelo Rebelo de Sousa constatou um facto político irrefutável. Com toda a razão. Henrique Monteiro, no seu artigo de ontem, pintou Durão Barroso com uma tal "santidade" que até pensei que o estava a lançar para novo Papa...
 

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