Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
Neste prós e
contras Tribunal Constitucional que há uma semana decorre, alguém está, como é
seu timbre, a tentar passar entre os pingos da chuva. Nem mais nem menos que o
autor do primeiro pedido de fiscalização chegado ao Palácio Ratton: Cavaco.
O PR, recordem-se
os amnésicos, arguiu a nulidade de três normas do OE 2013, duas das quais - o
corte de um subsídio a funcionários públicos e pensionistas - foram
"chumbadas" pelo tribunal. Perdeu Cavaco no que respeita à
contribuição especial de solidariedade, a qual pesa, de acordo com as contas
apresentadas por Gaspar, quase 500 milhões no OE. Se o TC tivesse atendido os
três pedidos do PR, o Governo seria obrigado a devolver mais de 1600 milhões.
Ora, apesar de a
decisão do tribunal orçar em menos, mesmo assim este foi acusado por Passos de,
nem mais nem menos, "tornar problemática a consolidação orçamental para os
próximos anos", "impedir o término da sétima revisão da troika",
ocasionar a hipótese de "um segundo resgate" e até "pôr em risco
a manutenção no euro".
É pena que no ano
passado, quando apesar de o TC ter permitido cortes nos salários da função
pública que ultrapassaram 20% (5% da massa salarial que transitava de 2011 mais
o corte de dois subsídios em 2012, correspondendo a cerca de 15%), o Governo derrapou
1,9 pontos percentuais em relação ao défice acordado, Passos não se tivesse
autoinvetivado por pôr o País à beira da ruína, "desperdiçando os
sacrifícios dos portugueses". Ou que não tenha a coragem de, ao acusar o
TC, recordar que este não se pronuncia por iniciativa própria, mas apenas
quando lhe pedem - e que quem, como é o caso de Cavaco, vê os seus pedidos
maioritariamente atendidos (dois em três) só pode ter nesse resultado uma
vitória.
Sim: este acórdão
traz, implicitamente, a assinatura de Cavaco. O "prejuízo" para o
País que Passos lhe imputa é, pois, atribuível ao PR. O mesmo a quem Passos
foi, de braço dado com Gaspar, pedir aval na sequência da leitura do acórdão e
que, em comunicado, afirmou a sua "confiança" no Executivo, sem uma
palavra sobre a decisão do TC - desculpando-se com "o princípio da
separação de poderes". Curioso que em 2012, malgrado esse princípio e não
ter pedido fiscalização do OE, Cavaco tenha comentado a decisão do TC frisando
que vinha ao encontro do que ele próprio havia já defendido. Agora não abre a
boca, nem mesmo quando se vê, com o tribunal, acusado de colocar Portugal à
beira da ruína. Anteontem, no entanto, esteve na TVI24 Ferreira Leite,
comummente considerada seu arauto, a chamar de tresloucado para baixo ao Executivo,
garantindo que este "está a destruir o País". Lástima que ninguém lhe
tenha perguntado como vê a atuação do PR. Porque, afinal, parece que só há duas
narrativas possíveis: ou Cavaco está, como aliado e garante do Governo, a
reduzir o País a cinzas, ou, como cúmplice do TC, a levá-lo à ruína. Só ele
para conseguir conciliar ambas.
Sem comentários:
Enviar um comentário