Martinho Júnior, Luanda
“El África ofrece
las características de ser un campo casi virgen para la invasión neocolonial.
Se han producido cambios que, en alguna medida, obligaron a los poderes
neocoloniales a ceder sus antiguas prerrogativas de carácter absoluto. Pero,
cuando los procesos se llevan a cabo ininterrumpidamente, al colonialismo
sucede, sin violencia, un neocolonialismo de iguales efectos en cuanto a la dominación
económica se refiere. Estados Unidos no tenía colonias en esta región y ahora
lucha por penetrar en los antiguos cotos cerrados de sus socios. Se puede
asegurar que África constituye, en los planes estratégicos del imperialismo
norteamericano su reservorio a largo plazo; sus inversiones actuales sólo
tienen importancia en la Unión Sudafricana y comienza su penetración en el
Congo, Nigeria y otros países, donde se inicia una violenta competencia (con
carácter pacífico hasta ahora) con otros poderes imperialistas”.
Curto extracto da
Mensagem de Che Guevara aos povos do Mundo, através da Tricontinental.
Para quem
acompanhou de perto a saga do movimento de libertação em África e a conhece pela
prova de coragem e abnegação sem limites que deu exemplo, ou para quem a viveu
em plena consciência e continua fiel às suas raízes, à sua nobre identidade, às
suas amplas aspirações de ordem estratégica, reconhece hoje que os
acontecimentos em África após o fim da descolonização e do “apartheid” correram
de feição para o neo colonialismo, para o imperialismo, não se tendo conseguido
estabelecer o nexo de continuidade histórica e humana a que os líderes
revolucionários de então se propunham.
O futuro de África
por essa razão permanece adiado, com o continente a viver à margem das grandes
transformações que foram entretanto atingindo a Ásia ou a América Latina, pasto
dum subdesenvolvimento crónico afectando uma parte importante de sua população,
que está condenada a ocupar os últimos escalões dos Índices de Desenvolvimento
Humano conforme os relatórios anuais do PNUD .
Muitos daqueles que
algum dia haviam participado na saga do movimento de libertação contra o
colonialismo, apesar da modernidade das organizações politicamente mais
enriquecidas, acabaram também por soçobrar, desaparecendo fisicamente,
escolhendo, ou sendo obrigados a escolher muitos deles os caminhos contrários
aos que antes com tanta coragem haviam trilhado, numa viragem de 180º que reduz
ainda mais as possibilidades de independência de muitas das jovens nações.
A lógica de
Brazzaville, a lógica da segunda coluna do Che em África, a lógica da
libertação e do Não Alinhamento, não teve dirigentes para lhe dar continuidade
em nenhuma das ex-colónias portuguesas e depois de 1985.
No final da Guerra
Fria, sensivelmente a partir de 1992, as lógicas do capitalismo globalizante
impuseram-se sem alternativas, vestindo as cores geo estratégicas de cada
região em que se inseriam os diversos estados libertados do colonialismo e do “apartheid”,
mas sem remissão à mercê do neo colonialismo e de suas manipulações.
Cabo Verde, um
arquipélago bordejando a costa ocidental africana à latitude do Senegal, com um
território quase inóspito, mantendo durante a fase final do colonialismo, por
muitas décadas, o espectro da fome, da miséria e da migração, tem tido, depois
de sua independência, muitas dificuldades em sair da situação de
subdesenvolvimento que tem caracterizado o modo de vida do seu povo.
Na escala dos Índices
de Desenvolvimento Humano do PNUD de 2004, Cabo Verde ocupa a 105ª posição
entre os Estados considerados de Desenvolvimento Humano Médio, acima de todas
as outras ex-colónias portuguesas, mas ainda muito longe do pelotão dos “mais
desenvolvidos”.
Apesar da luta de
libertação ter ocorrido à sua margem, no território da Guiné Bissau, as mais
conscientes elites de Cabo Verde empenharam-se bravamente na refrega e o líder
do movimento de vanguarda, o Partido Africano para a Independência da Guiné e
Cabo Verde, tornou-se num quadro, num político e num estratega que por mérito
próprio e de sua organização se capacitou como um dos maiores expoentes da luta
de libertação contra o colonialismo em África, na peugada de Che Guevara.
O colonialismo
português fez tudo para neutralizar o PAIGC, para além do combate militar
directo pela posse do território da Guiné Bissau e, em consequência da
existência de correntes minando por dentro a organização de vanguarda,
exploradas por processos operativos subtis de inteligência, Amílcar Cabral, o
líder carismático e um dos mais notáveis lutadores africanos contra o
colonialismo, é assassinado em Janeiro de 1973, precisamente meses antes da
Guiné Bissau se proclamar independente.
O seu legado
filosófico, histórico e humano, a lógica que norteou a sua conduta humanística,
estratégica e política, apesar da sua fecunda riqueza intelectual, apesar da
sua incomparável militância e do seu supremo sacrifício, não foi contudo
aproveitado no post independência, tanto na Guiné Bissau, quanto em Cabo Verde:
a sua dimensão de africano, parece ter passado ao lado de seus companheiros de
luta, tanto na Guiné Bissau, como em Cabo Verde.
Se foi antes da
Independência da Guiné e Cabo Verde que Amílcar Cabral desapareceu fisicamente,
o seu legado quantas vezes terá entretanto morrido, com a eclosão de tantos e
tão manipulados acontecimentos ? …
É muito difícil
conjecturar o que seriam esses pequenos países se Amílcar Cabral continuasse
vivo e desse continuidade à sua obra, tal como é difícil conjecturar como seria
sua vida dedicada por inteiro aos povos de Guiné Bissau, Cabo Verde e aos povos
africanos duma maneira geral.
Amílcar Cabral foi
uma personalidade que se aproximava de Che Guevara, pela sua firmeza
inquebrantável, pela sua entrega e completa devoção à luta, identificando-se
por inteiro com os povos mais sofridos do planeta e isso apesar de divergir em
relação ao conceito da necessidade do foco revolucionário.
Os movimentos de
libertação que lutaram nas colónias portuguesas geograficamente distantes entre
si, tiveram uma filosofia e uma coerência contudo que muito contribuíram para o
seu dinamismo durante o período de luta contra o colonialismo, mas após as
independências as conjunturas internas dos novos países, assim como as
conjunturas regionais envolventes, a evolução que o capitalismo foi
determinando para a Guerra Fria, foram ditando evoluções distintas de uns em
relação aos outros, inclusive em relação aos casos originariamente comuns da
Guiné Bissau e Cabo Verde .
A Amílcar Cabral
perseguia-o a consciência absoluta da premente necessidade de justiça humana,
social e política, justiça para todos aqueles que ele ardentemente desejou
libertar, mas a gestão de estados fragilizados, minados por velhas querelas,
onde impera o subdesenvolvimento, é uma tarefa que não se compadece com a
grandeza intelectual e humana de personalidades ao nível dum revolucionário
como Amílcar Cabral e não se compadece quando as vanguardas são, ao fim e ao
cabo, tão minguadas de quadros de forte consciência e personalidade, incapazes
de criarem impactos favoráveis e mobilizadores nas sociedades em que se
inserem.
Se a Guiné Bissau
tem sofrido as vicissitudes de sua ausência, essa falta de paternidade que
passa pela falta de consciência de muitos dos seus dirigentes, expressa por
vezes em acontecimentos dramáticos, Cabo Verde tem navegado na pobreza e
dependência, sem alternativas progressistas significativas visando alterar para
melhor as condições de vida do seu Povo e isso apesar do empenho e carácter de
alguns dos seus melhores filhos.
(Continua)
Texto produzido em
Junho de 2006.
Foto: O emblema do “Steadfast
Jaguar 2006”: os jaguares da globalização ensaiaram sua vocação predadora em
Cabo Verde entre 1 e 12 de Junho de 2006.
Nota: Este texto foi por
mim produzido na sequência do Exercício Militar da NATO “Steadfast Jaguar 2006”,
que teve lugar em Cabo Verde entre 1 e 12 de Junho de 2006, está a fazer sete
anos.
Nessa altura tinha
a intenção de fazer parte dum conjunto de alertas para o que viria a
desencadear-se a seguir: a NATO no Afeganistão, a Líbia, as “primaveras árabes”
submissas ao diktat dos interesses ocidentais, o Mali, a crónica Somália, o
Iémen, os enredos do Médio Oriente e do petróleo barato, o crescendo do neo
colonialismo em África, o AFRICOM, as manipulações só possíveis com as
artificiosas ementas do “combate ao tráfico de droga”, “combate à migração
clandestina”, “combate à pirataria”, “combate ao terrorismo”… a criação de “frentes
mobilizadoras” que dessem possibilidade a “parcerias” que se traduzem nas
ingerências a que se passaram a sujeitar as nações africanas na via neo
colonial que se começava a estender, por dentro de suas sociedades, como nos
enredos regionais e internacionais característicos da globalização capitalista
e neoliberal…
A independência de
bandeira não é a independência de facto.
Para a América
Latina 200 anos não bastaram para alcançar a independência de facto, nem mesmo
com o engenho e a arte histórica da integração, pois o penoso processo de luta
continua com avanços e recuos, com recurso à imensa coragem e à consciência
rebelde dos seus povos…
Para África
contudo, uma África minada pelo subdesenvolvimento, sem infra estruturas, com
extremamente frágeis identidades nacionais, ocupando a cauda dos Índices de
Desenvolvimento Humano, esse processo ainda não tem a energia resoluta das
grandes opções e o fim do movimento de libertação contra o colonialismo e o “apartheid”
é comprovado por que as burguesias coloniais e as “brancas”, estão a ser
sucedidas pelas burguesias negras trabalhadas pela globalização neo liberal na
direcção da submissão e da dependência do continente-berço da humanidade!
África está à mercê
do neo colonialismo, a única forma de relacionamento para que as culturas
indexadas ao universo anglo-saxão, aquelas que se subordinam aos tais 1% da
humanidade, estão vocacionadas!
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