quarta-feira, 5 de junho de 2013

Espanha: UM PAÍS RUMO AO FUNDO DE UM POÇO SEM FUNDO

 

 
Estudos indicam que daqui a cinco anos, a menos que ocorram mudanças radicalmente positivas, 18 milhões de espanhóis estarão vivendo em zona de exclusão social. Serão os novos pobres de um pobre país. Um país que acreditou na bolha imobiliária enquanto fabricava novos ricos, e que agora desmorona sem pena nem glória. Por Eric Nepomuceno
 
Eric Nepomuceno – Carta Maior
 
Para a Espanha, o fundo do poço é múltiplo: cada vez que sente que chegou lá, descobre que era apenas uma etapa desfiladeiro abaixo e labirinto adentro. O poço parece não ter fundo algum.

Agora mesmo o governo de Mariano Rajoy, que a esta altura está mais desnorteado que nunca, acaba de divulgar novos dados e espalhar mais desalento. Por exemplo: em março foi alcançada a marca de 20 trimestres consecutivos com um PIB inferior ao de 2008, quando começou a débâcle. São sessenta meses. Cinco anos. Hoje, o PIB espanhol retrocedeu 7% em relação ao de 2008. A renda per capita é igual à de 2002.

Enquanto isso, o desemprego continua crescendo de vento em popa: chegou-se a 26,7% da força de trabalho. Em 2007, essa taxa era de 8%. Hoje, a Espanha só perde para a Grécia, mas por muito pouco: o desemprego afeta 27% dos trabalhadores gregos.

Quando se fala de espanhóis com menos de 30 anos, a marca é outra: 48%. E quando se fala de espanhóis entre 16 e 24 anos, a tragédia é muito mais brutal: 82% deles não conseguem emprego ou não têm como começar a trabalhar. O governo espanhol reconhece que serão precisos pelo menos dez anos para recuperar o nível de emprego que havia em 2008.

Já não há mais o que falar de conquistas sociais que desde o retorno da democracia, em 1977, vinham se consolidando: a saúde pública se esfacela, o ensino público desanda cada vez mais. O cenário é espantoso: há aeroportos transformados em vastidões desertas, e o estouro da bolha imobiliária deixou uma paisagem salpicada de estruturas vazias.

Os despejos e a retomada forçada de imóveis cujos compradores não têm como pagar as prestações resultaram numa seqüência de suicídios. A Espanha mostra uma face desastrosa, carcomida, ruinosa.

E enquanto isso, a famosa troika – a Comissão Européia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – continua dando as cartas. E numa coincidência malvada, o trio acaba de divulgar o resultado do novo exame sobre a banca espanhola. Os três dizem que a operação de saneamento dos bancos vai por bom caminho, embora o quadro ainda seja um tanto preocupante.

O governo de Rajoy responde, com um ar altaneiro que ninguém sabe de onde veio, que está fazendo tudo direitinho e que não vai precisar

pedir mais dinheiro de resgate para os bancos, além dos quarenta bilhões de euros que já pegou emprestado.

A malfadada troika diz que, seja como for, é preciso continuar sua estreita supervisão sobre o que acontece na Espanha. Há preocupação, dizem os técnicos do Banco Central Europeu, com a questão dos despejos forçados, que começam a ser suspensos em algumas cidades espanholas. Porque, antes de mais nada, dizem eles que assegurar a estabilidade financeira da banca é ‘necessidade imperiosa’. Entre Bruxelas, sede da União Européia, e a Alemanha de Angela Merkel, há o reconhecimento de que despejar famílias que perderam empregos e não têm como pagar suas hipotecas é um problema social doloroso. Mas, acima de tudo, é essencial manter os bancos financeiramente saudáveis.

Mariano Rajoy, impávido colosso, insiste: a situação poderia estar pior. Bem, sempre é possível piorar, e os espanhóis, ao longo dos últimos cinco anos, aprenderam isso dolorosamente. O problema deles é outro: é saber se dias piores virão, e até quando, e em que profusão.

Só em 2012 foram destruídos um milhão e pouco de empregos. O crédito entrou em colapso, afetando consumidores de um lado e pequenos e médios produtores de outro. Depois da década de ouro, quando o país viveu pura bonança – 1998-2007 –, agora, que se cumprem cinco anos de ardoroso retrocesso, a expectativa é que se leve outro tanto para voltar a 2008. Ou seja, na melhor das hipóteses, a Espanha mal chegou ao meio da década perdida. Se nos anos dourados a oferta de crédito cresceu 20% por ano, agora vem caindo 6% ao ano, desde 2008, e a juros cada vez mais altos, o que acaba de sufocar os sufocados.

Ao mesmo tempo, a fuga de capitais ocorreu e continua ocorrendo em velocidade compatível com a retirada dos investidores.

Diante desse quadro, a receita aplicada pela troika não muda um milímetro: reformas estruturais, austeridade extrema, desvalorização dos salários. Tudo isso, que deveria elevar a competitividade do país, não tem feito outra coisa além de desmilingüir a Espanha.

Claro que nem tudo é culpa apenas da famigerada troika e da ávida ganância da banca. Os governos do socialista José Luis Rodríguez Zapatero soube, com raro talento, preparar o terreno para o desastre levado adiante agora por Mariano Rajoy. Foi Zapatero quem deu início aos cortes em programas sociais, quando a crise já ia longe. Não teve, é verdade, a sanha que Rajoy tem demonstrado. Mas parte da responsabilidade é dele.

Para acabar de sombrear um cenário extremamente sombrio, vale recordar que a arrecadação fiscal da Espanha está congelada, apesar de, nos últimos dois anos, o país ter experimentado o maior aumento de impostos desde a volta da democracia, há mais de três décadas. E isso acontece quando alguns gastos inevitáveis, como o crescente número dos que recorrem ao seguro-desemprego, aumentam. Além, claro, da ajuda aos bancos, que significou ao país os tais 40 bilhões de euros emprestados pela União Européia.

Estudos indicam que daqui a cinco anos, a menos que ocorram mudanças radicalmente positivas, 18 milhões de espanhóis estarão vivendo em zona de exclusão social.

Serão os novos pobres de um pobre país. Um país que acreditou na bolha imobiliária enquanto fabricava novos ricos, e que agora desmorona sem pena nem glória.
 

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