Corriere della
Sera, Der Spiegel, El País & 4 outros – Presseurop – imagem Mauro
Biani
O último naufrágio
ao largo da ilha italiana, em 3 de outubro, de um barco que transportava
migrantes africanos – dos quais pelo menos 127 morreram e quase 300 estão
desaparecidos – suscitou uma vaga de comoção na Europa e relançou o debate
sobre a política de imigração da UE e dos seus Estados-membros, sublinha a
imprensa europeia.
“Massacre de
imigrantes, a Itália está de luto”, diz a manchete do Corriere della Sera. No artigo
principal deste diário de Milão, Gian Antonio Stella recorda o grande número de
pessoas que se afogaram, desde 1988, a tentar atravessar o Mediterrâneo: pelo
menos 19 142, segundo o blogue Fortress Europe.
Stella salienta ainda que, pouco antes desta tragédia, o Conselho da Europa
acusara a Itália de ser um polo de atração para a imigração, por os seus
sistemas de dissuasão serem inadequados, apesar de outras instituições
europeias criticarem frequentemente as políticas “de dissuasão”.
A mesma Europa,
que, todos os dias, quer imiscuir-se nas nossas decisões porque estas dizem
respeito a toda a gente, não se mostra ansiosa por partilhar connosco o fardo
das fronteiras do Sul. […] As exigências xenófobas da Itália não têm
fundamento. Em cada 1000 migrantes, nove refugiam-se na Suécia, sete na
Alemanha, 4,5 na Holanda e apenas um em Itália. Contudo, estas vagas humanas
não podem ser só um problema italiano. São um problema de todos. […] Bruxelas
devia vir a Lampedusa e contar os mortos. Também são os seus mortos.
Para o *Spiegel Online, o naufrágio de
Lampedusa é “o fracasso da Europa”:
Houve sem dúvida
cenas atrozes: 500 pessoas a cair de um barco em chamas e muitas delas não
sabiam nadar. O que aconteceu em 4 de outubro, ao largo da ilha mediterrânica
de Lampedusa faz tremer toda a Europa. […] A pequena ilha sente-se só e não é
esta a primeira vez. Foi ali que, desde 1999, desembarcaram mais de 200 mil
pessoas provenientes de África e da Ásia, que fugiam à guerra, à fome e à
miséria. Calcula-se que entre 10 mil e 20 mil tenham morrido durante a
travessia. Desde janeiro de 2013, chegaram a Lampedusa 22 mil refugiados. Esta
ilha é um símbolo. Um símbolo da política de imigração europeia.
O diário espanhol El
País refere que a maioria dos
passageiros do barco afundado era oriunda da Somália e da Eritreia e tinha
fugido por causa da fome e da guerra. Alguns sobreviventes afirmam que, apesar
dos pedidos de socorro, viram passar três embarcações que não alteraram a rota
para os ajudar. Para El País, “a crise das pessoas deslocadas abala a Europa”:
Mas só quando se
verifica um grande naufrágio – e este é um dos maiores de que temos notícia –
os olhos se voltam para uma ilha que tem apenas 5000 habitantes e cuja
presidente da Câmara [Giusi Nicolini], farta da surdez das autoridades
italianas e europeias, enviou em fevereiro uma carta à União Europeia, na qual
perguntava: “Que tamanho deverá ter o cemitério da minha ilha?”
Sob o título
“Lampedusa afunda-se”, o Gazeta Wyborcza salienta que o
“estreito da Sicília se tornou o túmulo de africanos que sonhavam com o paraíso
europeu”. Este diário polaco propõe uma solução para aliviar a pressão sobre a
Itália e a Grécia, também inundada por imigrantes: encaminhá-los rapidamente
para centros de outros países da UE, onde os seus pedidos poderiam ser
analisados. Contudo, quando uma proposta desse tipo foi recentemente
apresentada em Bruxelas, os países não mediterrânicos, entre os quais a
Polónia, “não quiseram sequer ouvir falar no assunto”. O Gazeta conclui que nós, europeus, não
fazemos o suficiente para impedir estas tragédias. […] Nem os italianos, nem os
outros europeus querem imigrantes ilegais, sem educação e pobres. Tornar mais
eficiente o sistema de vigilância do Mediterrâneo, supervisionado por Bruxelas,
para evitar que se afoguem pessoas é uma tarefa árdua.
No Volkskrant, a
cronista Sheila Sitalsing mostra-se indignada com a
hipocrisia que reina na Europa. Sheila Sitalsing lamenta que a política de
imigração da UE se limite a discutir,
desculpabilizar e olhar para o outro lado. Há anos que os países do Sul da
Europa se esforçam arduamente para que os seus enormes problemas de imigração
sejam incluídos na agenda de Bruxelas, advertindo: “Não podemos continuar a
acolhê-los, mas também não podemos deixá-los morrer, nem podemos devolvê-los.
Portanto, ajudem-nos”. E os países do Norte respondem: “É preciso repeli-los,
seja de que forma for”. Sem dúvida que consideramos abominável a guerra na
Síria, que achamos desagradáveis alguns dos acontecimentos que se verificam no
continente africano e que apoiamos a primavera árabe. Mas, sobretudo, não
queremos que isso seja interpretado como um convite a que as pessoas venham
instalar-se em massa em Amesterdão, Paris ou Berlim.
“Mais de 100 mortos
em tragédia naval ‘às portas da Europa’”, diz a manchete do Guardian.
Condenando o facto de, “nos tempos que correm, ser preciso uma tragédia
espetacular para os barcos de imigrantes chegarem às primeiras páginas dos
jornais”, o jornalista Jack Shenker afirma que existem fortes divisões entre
aqueles que pensam que a principal prioridade da Europa deveria ser salvar as
vidas dos candidatos à imigração e aqueles que consideram que a prioridade
deveria ser o reforço dos controlos de fronteiras.
Falta ainda a
vontade política, quando se trata de garantir que os imigrantes vulneráveis não
caiam entre as fissuras de um conjunto intrincado de políticas de fronteiras e
de salvamento e entre jurisdições legais de regiões que se sobrepõem.
No seu editorial, o
diário português Público tem por título
“Lampedusa e a vergonha da Europa”. E prossegue:
O Mediterrâneo, mar
de civilizações e encontros desde a Antiguidade, tornou-se igual a um campo de
extermínio. Nas suas margens, como também em tempos disse o Papa, passou a
haver apenas indiferença. Indiferença perante a morte e perante as tragédias
que se sucedem. “Não há solução milagrosa”, dizia a ministra dos Estrangeiros
italiana, Emma Bonino. Não há milagre. Mas a Europa em crise e com medo que se
fecha ao outro deixará de ser a Europa se não entender que a morte no
Mediterrâneo é a sua própria morte.
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