Ana Sá Lopes –
jornal i, opinião
Pagámos muito para
salvar os bancos, continuamos a salvar banqueiros
No início do seu
trajecto como candidato a líder do PSD, Pedro Passos Coelho apareceu com uma
proposta fulminante – o homem que queria fazer o Estado desaparecer das nossas
vidas, desejava naturalmente, privatizar a Caixa Geral de Depósitos. Perante o
clamor nacional, Passos mudou de ideias. Afinal, "a Caixa era a
Caixa" e nunca lhe tinha passado pela cabeça a relação especial que os
portugueses mantinham com "a Caixa".
Agora, o governo
decidiu criar um segundo banco público. Desta vez, é um Banco de Fomento que
vai ajudar a conceder crédito às empresas. A ideia até tem o apoio do PS que a
defendeu antes do governo. Alguns economistas – como o insuspeito Mira Amaral –
defendem que o que este banco vai fazer podia perfeitamente ser feito pela
Caixa Geral de Depósitos, um organismo que faz de público em determinadas
ocasiões e de "banco comercial" em outras.
Mas lá se avançou
para a comissão instaladora do Banco de Fomento, que irá revolucionar a
economia portuguesa (como se alguma coisa, infelizmente, conseguisse fazer isso
perante as obtusas regras europeias a que estamos obrigados). Acontece que os
vencimentos anunciados para os membros da comissão instaladora do banco público
revelam mais uma vez ao mundo que as "gorduras do Estado" que o
governo jurou combater eram a arraia-miúda, os reformados e os funcionários públicos. As "gorduras" do
Estado eram os serviços públicos e os pensionistas com reformas acima dos 600
euros. Não há dinheiro para nada, mas há dinheiro para pagar quase um milhão de
euros a três criaturas que vão "instalar" o segundo banco público do
país. Maria Antonieta também pensava assim.
O argumento de que
se tem de pagar muito bem porque se tem de ir buscar "os melhores" é
iníquo no meio da devastação social a que o país está sujeito. E quem são os
melhores? E onde está a lei que tinha travado salários no Estado superiores aos
do Presidente da República? E se é suposto que um primeiro-ministro seja
"um dos melhores" porque lhe é imposto um rendimento tão baixo em
comparação com o banqueiro? Até aqui, pagámos muito (com uma crise e desemprego
elevado) para salvar os bancos. Continuamos a salvar banqueiros. Os cortes que
vêm aí não vão incidir sobre o salário destes novos banqueiros públicos – vão
voltar aos do costume, aos ricos que têm rendimentos de 1000 euros brutos.
Anda-se a brincar com o fogo.
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