quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Angola: O MAIS IMPORTANTE É RESOLVER OS PROBLEMAS DOS RICOS



Arlindo Santana e Kuiba Afonso - Folha 8, 16 agosto 2014

No ano de gra­ça de 2009 depois de Jesus Cristo, o Banco Es­pírito Santo Angola (BESA) foi distin­guido com o prémio Banco do Planeta, atribuído pelas Nações Unidas através da Unesco. O seu director executivo desse tempo era um angolano, Álvaro Madaleno Sobrinho, per­sonagem perseguida pelo fisco e Ministério Público de Portugal por ter sido, alegadamente, surpreen­dido numa tarefa rotinei­ra de lavar dinheiro sujo proveniente, vejam só, de Angola.

Estamos em plena crise financeira e económica, ofertada sem juros pela falência do gigantesco banco americano Lehman Brothers, e eis que nes­te cataclismo monetário uma instituição bancária angolana faz mostra das suas excepcionais qualida­des de gestão e recebe de mão beijada uma presti­giosa distinção internacio­nal, para não dizer univer­sal. Palmas na assistência e restante povo, festa en­tre os accionários, louros para Álvaro Sobrinho, tudo ouro sobre azul, com os juízes portugueses a en­colherem-se e, claro está, o brasão desse bancário a brilhar de novo em todo o seu fulgor d’antanho, novi­nho em folha!

Sobrinho continuou a diri­gir o BESA, o homem fez o que quis e o BES de Lisboa deixou fazer. O Sobrinho agradeceu, foi ao cofre e serviu-se, mas só depois – e disso não restam muitas dúvidas -, de ter servido em grande as mais gigan­tescas “Trutas” empresa­riais, financeiras e políticas do regime JES/MPLA. Tão simples como isso.

Nesta proveitosa passeata na majestosa auto-estrada da corrupção angolana, passaram dois anos sem qualquer problema, mas, em 2011, os auditores co­manditados por Lisboa repararam que o BESA estava numa situação tão má que só com ajuda ex­terior poderia escapar a uma fraudulenta banca-ro­ta, o buraco atingia quase seis biliões de dólares e…já agora, adivinhem quem foi ao socorro do BESA… não vale a pena adivinhar eu não sou Agatha Christie que só diz no fim do livro quem foi o assassino, é ele­mentar, foi o Estado ango­lano, graças à intervenção providencial de JES, que se prestou a assumir e a pres­tar garantias oficiais sobre estes créditos malparados”.

Isto há maneiras de ga­nhar dinheiro e enrique­cer em dois tempos e três movimentos que nem ao Mafarrico lhe passaria pela cabeça!

Foram quase 6 mil mi­lhões de dólares (vulgo seis biliões) para os cane­cos privados. Desapare­ceram, não se sabe onde estão, eram empréstimos sem nome certo do be­neficiário, nem qualquer garantia, era uma festa an­golana.

A luxuriante roubalheira

Na história dos emprésti­mos sem registos nem ga­rantias do Banco Espírito Santo Angola (BESA), “não há inocentes”, “só culpa­dos”, escreveu o jornal Ex­presso, em alusão ao bra­dar aos Céus de João Vieira Pereira, director adjunto do BES em Portugal, “Como é que em pleno século XXI é possível que um banco atribua créditos de quase 6 mil milhões de dólares sem saber em concreto quem beneficiava desses empréstimos? Nesta his­tória não há inocentes, só culpados”, garantiu, para em seguida acrescentar, «porque se o empresário Álvaro Sobrinho é o rosto das operações”, havia um conselho de administração que “é co-responsável”, uma empresa encarregue da auditoria, a KPMG, que nada disse, e um regulador, o Banco Nacional de Ango­la, que nada fez».

Todos no mesmo saco: CULPADOS.

Pedro Santos Guerreiro, o director executivo, por seu lado, num artigo de opinião que subscreveu, descortica o que se pas­sou: “Paremos para pen­sar na loucura de tudo isto. Um homem fez o que quis, o BES de Lisboa dei­xou fazer, os auditores só repararam em 2011. Nes­sa altura, o BESA estava numa situação tão má que foi necessário o Esta­do angolano avançar com uma garantia sobre estes créditos”. E rematou, “Mas alguém vai perder muito dinheiro. Os accionistas, claro. Mas é provável que também o Estado de An­gola perca».

Neste passo da história levantam-se questões in­teressantes:

a) Que interesses le­varam JES a acordar uma garantia de Estado de um montante tão elevado ao BESA?

b) Que teria perdido o Estado angolano com o descaminho desses biliões do BESA?

c) Que elos são os que unem JES ao BESA?

d) Será o Estado angola­no/JES, sócio do BESA pela calada?

O ponto da situação actual

Em finais de 2013, depois de uma espécie de revo­lução palaciana nas altas esferas do Banco Espírito Santo Angola (BESA) a situação por que estava a passar o banco foi expli­cada aos accionistas pelo novo CEO, Rui Guerra, em duas reuniões que de­correram em Angola, mais precisamente, em Luanda.

O panorama apresentado por Guerra foi descrito em poucas palavras, o que se justifica plenamente, pois é extremamente complicado justificar com alguma lógi­ca o desaparecimento de um valor de 5,7 biliões de dólares de crédito (cinco mil e setecentos milhões de dólares) concedido pelo BESA “a alguém”, o que representa nada menos do que 80% do total da cartei­ra desse estabelecimento bancário. Curiosamente, não há informação sobre quem são os beneficiários económicos nem para que fins foi utilizado o dinheiro. Há muito poucas garantias reais e as que existem não estão avaliadas. Eis pelo essencial a notícia dada no final da semana passada pelo semanário português Expresso.

Sabendo nós que em 2009 o BES Angola chegou a ser distinguido com o prémio Banco do Planeta, atribuí­do pelas Nações Unidas através da Unesco, não vale a pena argumentar, para justificar o que se pas­sou, recorrendo a noções como desleixo, distracção, negligência, não, o acto foi magistralmente executa­do durante vários anos e os que comeram do mes­mo bolo não devem ser poucos. E todos eles, com certeza membros da mais ufana “High Society” de Angola.

Nisto, o BESA passou a estacionar no parque dos pré-falidos, o que deu azo a que o governador do BNA viesse a terreiro afirmar que em nome de uma certa estabilidade era preciso socorrer o BESA. Não disse porquê, nem de onde saiu o dinheiro, nem tão-pouco quem são os principais devedores de um banco que sempre se assumiu como especialis­ta das transacções suspei­tas do regime.

Recorde-se que o BESA quase não tinha balcões e a abertura de conta ficava entre 1.500 a 5 mil dólares, não era para todos, estra­nho é que quando os ricos cometem borradas ga­tuneiras, surge o regime com mais dinheiro para acudir outras situações, enquanto para outras si­tuações que não envol­vem negociatas da alta­-roda financeira dinheiro é coisa que nunca existe.

Ora, perante esta maneira de governar numa cons­tante preocupação de proteger não as riquezas de Angola, mas os seus cidadãos mais ricos, deixa planar outras pertinentes questões:

Por que razão não há di­nheiro rápido para acudir zonas de seca, inundações e outras calamidades na­turais?

Por que não há dinheiro para pagar os desmobili­zados de guerra?

Por que não há dinheiro para pagar uma reforma mensal aos ex-militares?

Enfim, por que razão será que os mais miseráveis subsídios do Orçamento Geral do Estado são des­tinados aos ministérios da Educação, Saúde e da Agricultura, ao mesmo tempo que, em torno das performances dessas ins­tituições fulcrais para a melhoria do desenvolvi­mento humano e bem-es­tar dos angolanos, se faça um grande alarido propa­gandístico do regime num cortejo de promessas, dis­cursos e avaliações falsas?

Sem comentários:

Mais lidas da semana