Rita
Tavares – jornal i
E
como Presidente é o que fez mais pedidos que resultaram em inconstitucionalidade. As
contas a 30 anos de coabitação
De
1986 até ao fim do seu mandato, o primeiro-ministro Cavaco Silva viu o
presidente Soares enviar 30 decretos do governo para fiscalização preventiva do
Tribunal Constitucional (TC). Mais de metade, 17, foram declarados
inconstitucionais. É um número recorde, mas também é entre estas duas figuras
da democracia portuguesa que se conta o maior número de anos de coabitação.
Ainda assim, com metade deste tempo de coabitação, o número de dúvidas
levantadas por Sampaio aos governos de Guterres foi seis vezes menor.
A
contabilização feita pelo i ao número de fiscalizações preventivas
pedidas por chefes de Estado apanha os últimos 28 anos, ou seja, três
presidentes e dez governos. A traço grosso (ver a infografia em baixo), Mário
Soares é o campeão das preventivas, tendo recorrido 40 vezes a esta figura
constitucional. Jorge Sampaio, o presidente que se seguiu, pediu 15 vezes ao TC
que se pronunciasse sobre diplomas antes da promulgação e Cavaco Silva, o
actual chefe de Estado, já o fez por 17 vezes, quando ainda falta um ano e sete
meses para fechar o seu ciclo presidencial. A última - sobre o regresso aos
cortes salariais na função pública de 2011 e a contribuição de sustentabilidade
- tem decisão preanunciada para quinta-feira.
MENOS
DÚVIDAS
A esmagadora maioria destes pedidos recai sobre diplomas que têm
origem nos governos. Nas contas do i, feitas a partir de uma pesquisa dos
acórdãos disponíveis na página oficial do TC, António Guterres e Durão Barroso
viram Jorge Sampaio ter dúvidas constitucionais sobre iniciativas legislativas
dos seus governos por cinco vezes cada. No caso de Guterres, as dúvidas
presidenciais sobre a constitucionalidade tiveram fundamento apenas por duas
vezes, com o TC a declarar a inconstitucionalidade total ou apenas de algumas
normas dos diplomas em causa (o regime de apoio especial à amortização de
dívidas públicas e a criação de ficheiros informatizados de registos oncológicos).
Quanto às iniciativas do executivo de Barroso, foram quatro as declaradas
inconstitucionais, total ou parcialmente (caso das alterações de 2003 ao Código
do Trabalho, por exemplo).
Durante
os dois mandatos de Sampaio em Belém passaram por São Bento cinco governos
(dois de Guterres, um de Barroso, outro de Santana Lopes e ainda apanhou o
primeiro ano de José Sócrates), e o presidente só não levantou dúvidas num, o
mais curto: os oito meses de Santana (três dos quais em gestão). Com o
socialista Sócrates, a coabitação não foi além de um ano, mas Sampaio ainda
enviou um diploma para o TC, relativo às licenças televisivas, que acabou por
ter luz verde.
O
PLENO
Com Cavaco Silva em Belém, Sócrates viu nove iniciativas
legislativas fazerem um desvio até ao Palácio Ratton, onde se instala do
Constitucional, quatro foram declaradas inconstitucionais. O mesmo número de
chumbos que Passos Coelho enfrentou, mas aqui o presidente fez o pleno, ou
seja, todos os diplomas do executivo que enviou para fiscalização preventiva
foram mandados para trás.
Quando
estava no outro lado da barricada, Cavaco viu Soares carregar nas dúvidas
constitucionais, sobretudo a partir de 1991. Na última maioria absoluta de
Cavaco, acentua-se o número de preventivas a entrar no TC pela mão de Soares.
No ano da reeleição, foram sete os pedidos, quatro deles deram em chumbos, caso
das alterações à suspensão do contrato de trabalho e da redução do período
normal de trabalho ou a lei eleitoral das autarquias locais. Nos quatro anos
seguintes foram 11 os pedidos. Nessa altura, Cavaco queixava-se das
"forças de bloqueio" à sua acção governativa, onde se encaixava o
presidente Soares que, perante agitação social contra o executivo que se ia
fazendo sentir, avançou pelo país com as suas Presidências Abertas,
amplificando os protestos.
EQUILÍBRIO Se
existisse uma taxa de sucesso (pedidos dos presidentes que resultam num chumbo
constitucional), o actual presidente estaria destacado. As suas dúvidas foram
justificadas em 11 das 16 pronúncias dos juízes (uma está em análise), ou seja,
64,7% dos seus pedidos já respondidos deram em declarações de
inconstitucionalidade (algumas vezes apenas de determinadas normas). Neste
elenco segue-se Mário Soares que viu os juízes conselheiros declararem
inconstitucionais 23 dos diplomas que enviou para fiscalização preventiva. Já o
Presidente Sampaio teve razões para ter dúvidas por oito vezes.
Justiça,
administração pública e trabalho no topo das dúvidas
Mais
vistos A justiça é não só a área em que os diplomas, vindos do governo ou
parlamento, mais vezes suscitaram dúvidas de constitucionalidade em Belém, como
é transversal aos três presidentes. Por cerca de uma dezena de vezes os chefes
de Estado levantaram dúvidas em matérias de justiça, como as alterações ao
Código de Processo Penal, Estatuto dos Magistrados ou o Código de Execução de
Penas. Segue-se a área da administração pública (legislação que mexe com
empresas públicas, sobretudo nos primeiros anos da democracia) e do trabalho
(alterações ao Código do Trabalho, por exemplo, já foram alvo de fiscalização
preventiva duas vezes, com Sampaio e Cavaco).
Leis
que controlam cargos públicos são habitués
Repetidos
Há diplomas cujas alterações são muitas vezes vistas como sensíveis para a
Constituição pelos presidentes.
É o caso do regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos, que Mário Soares quis ver passar pelos juízes conselheiros em 1990 e Cavaco também, em 2008. O diploma do parlamento que mexeu no controlo público de rendimentos e património dos titulares de cargos públicos também foi enviado por Soares para o TC, em 95. As medidas de combate à corrupção também já foram fiscalizadas preventivamente duas vezes (a pedido de Soares, em 93 e 94) e Cavaco pediu o mesmo para o enriquecimento ilícito em 2012. Saiu chumbado.
Sem comentários:
Enviar um comentário