terça-feira, 12 de agosto de 2014

Portugal: Cavaco Silva foi o primeiro ministro mais vezes inconstitucional



Rita Tavares – jornal i

E como Presidente é o que fez mais pedidos que resultaram em inconstitucionalidade. As contas a 30 anos de coabitação

De 1986 até ao fim do seu mandato, o primeiro-ministro Cavaco Silva viu o presidente Soares enviar 30 decretos do governo para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional (TC). Mais de metade, 17, foram declarados inconstitucionais. É um número recorde, mas também é entre estas duas figuras da democracia portuguesa que se conta o maior número de anos de coabitação. Ainda assim, com metade deste tempo de coabitação, o número de dúvidas levantadas por Sampaio aos governos de Guterres foi seis vezes menor.

A contabilização feita pelo i ao número de fiscalizações preventivas pedidas por chefes de Estado apanha os últimos 28 anos, ou seja, três presidentes e dez governos. A traço grosso (ver a infografia em baixo), Mário Soares é o campeão das preventivas, tendo recorrido 40 vezes a esta figura constitucional. Jorge Sampaio, o presidente que se seguiu, pediu 15 vezes ao TC que se pronunciasse sobre diplomas antes da promulgação e Cavaco Silva, o actual chefe de Estado, já o fez por 17 vezes, quando ainda falta um ano e sete meses para fechar o seu ciclo presidencial. A última - sobre o regresso aos cortes salariais na função pública de 2011 e a contribuição de sustentabilidade - tem decisão preanunciada para quinta-feira.

MENOS DÚVIDAS 

A esmagadora maioria destes pedidos recai sobre diplomas que têm origem nos governos. Nas contas do i, feitas a partir de uma pesquisa dos acórdãos disponíveis na página oficial do TC, António Guterres e Durão Barroso viram Jorge Sampaio ter dúvidas constitucionais sobre iniciativas legislativas dos seus governos por cinco vezes cada. No caso de Guterres, as dúvidas presidenciais sobre a constitucionalidade tiveram fundamento apenas por duas vezes, com o TC a declarar a inconstitucionalidade total ou apenas de algumas normas dos diplomas em causa (o regime de apoio especial à amortização de dívidas públicas e a criação de ficheiros informatizados de registos oncológicos). Quanto às iniciativas do executivo de Barroso, foram quatro as declaradas inconstitucionais, total ou parcialmente (caso das alterações de 2003 ao Código do Trabalho, por exemplo).

Durante os dois mandatos de Sampaio em Belém passaram por São Bento cinco governos (dois de Guterres, um de Barroso, outro de Santana Lopes e ainda apanhou o primeiro ano de José Sócrates), e o presidente só não levantou dúvidas num, o mais curto: os oito meses de Santana (três dos quais em gestão). Com o socialista Sócrates, a coabitação não foi além de um ano, mas Sampaio ainda enviou um diploma para o TC, relativo às licenças televisivas, que acabou por ter luz verde.

O PLENO 

Com Cavaco Silva em Belém, Sócrates viu nove iniciativas legislativas fazerem um desvio até ao Palácio Ratton, onde se instala do Constitucional, quatro foram declaradas inconstitucionais. O mesmo número de chumbos que Passos Coelho enfrentou, mas aqui o presidente fez o pleno, ou seja, todos os diplomas do executivo que enviou para fiscalização preventiva foram mandados para trás.

Quando estava no outro lado da barricada, Cavaco viu Soares carregar nas dúvidas constitucionais, sobretudo a partir de 1991. Na última maioria absoluta de Cavaco, acentua-se o número de preventivas a entrar no TC pela mão de Soares. No ano da reeleição, foram sete os pedidos, quatro deles deram em chumbos, caso das alterações à suspensão do contrato de trabalho e da redução do período normal de trabalho ou a lei eleitoral das autarquias locais. Nos quatro anos seguintes foram 11 os pedidos. Nessa altura, Cavaco queixava-se das "forças de bloqueio" à sua acção governativa, onde se encaixava o presidente Soares que, perante agitação social contra o executivo que se ia fazendo sentir, avançou pelo país com as suas Presidências Abertas, amplificando os protestos.

EQUILÍBRIO Se existisse uma taxa de sucesso (pedidos dos presidentes que resultam num chumbo constitucional), o actual presidente estaria destacado. As suas dúvidas foram justificadas em 11 das 16 pronúncias dos juízes (uma está em análise), ou seja, 64,7% dos seus pedidos já respondidos deram em declarações de inconstitucionalidade (algumas vezes apenas de determinadas normas). Neste elenco segue-se Mário Soares que viu os juízes conselheiros declararem inconstitucionais 23 dos diplomas que enviou para fiscalização preventiva. Já o Presidente Sampaio teve razões para ter dúvidas por oito vezes.

Justiça, administração pública e trabalho no topo das dúvidas

Mais vistos A justiça é não só a área em que os diplomas, vindos do governo ou parlamento, mais vezes suscitaram dúvidas de constitucionalidade em Belém, como é transversal aos três presidentes. Por cerca de uma dezena de vezes os chefes de Estado levantaram dúvidas em matérias de justiça, como as alterações ao Código de Processo Penal, Estatuto dos Magistrados ou o Código de Execução de Penas. Segue-se a área da administração pública (legislação que mexe com empresas públicas, sobretudo nos primeiros anos da democracia) e do trabalho (alterações ao Código do Trabalho, por exemplo, já foram alvo de fiscalização preventiva duas vezes, com Sampaio e Cavaco).

Leis que controlam cargos públicos são habitués

Repetidos 

Há diplomas cujas alterações são muitas vezes vistas como sensíveis para a Constituição pelos presidentes. 

É o caso do regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos, que Mário Soares quis ver passar pelos juízes conselheiros em 1990 e Cavaco também, em 2008. O diploma do parlamento que mexeu no controlo público de rendimentos e património dos titulares de cargos públicos também foi enviado por Soares para o TC, em 95. As medidas de combate à corrupção também já foram fiscalizadas preventivamente duas vezes (a pedido de Soares, em 93 e 94) e Cavaco pediu o mesmo para o enriquecimento ilícito em 2012. Saiu chumbado.

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