Rui
Martins* – Correio do Brasil, em Direto da Redação
A
candidata Marina Silva à presidência, dada como vencedora no segundo
turno, é evangélica. Embora as patroas da burguesia prefiram empregadas
domésticas evangélicas, por serem humildes, por não roubarem e não mentirem,
essas singelezas e essa ingenuidade, num mundo de vivos e de espertos, não
parecem ser bons atributos quando se fala em trocar o limpar o chão, lavar a
roupa e cuidar de casa, pela tarefa de cuidar do país.
Adhemar
de Barros e Salim Maluf nunca tiveram vergonha de apregoar estar a função pública
ligada direta ou indiretamente ao uso do erário público, porém, o homem público
devia ser, ao mesmo tempo, ativo e fazer o máximo de viadutos, túneis, escolas,
hospitais, mesmo porque essas obras seriam geradoras de novas comissões. Em
teoria geral da administração pública, essa teoria desenvolvimentista tem o
nome “rouba mas faz”. E, segundo consta, merece um capítulo especial na
cartilha dos partidos políticos brasileiros.
Não
sei se cabe a Adhemar de Barros a honra de ter criado esse “modus operandi” na
política, tão logo o Brasil saiu da ditadura de Vargas, mas consta ter sido um
mestre e especialista na matéria, mesmo porque exercia sua teoria no Estado
mais rico da Federação. Nunca teria imaginado que sua teoria, bem prática na
verdade, seria mais importante no Brasil que o keynesianismo, marxismo ou
neoliberalismo.
Entretanto,
sua teoria nunca teria chegado ao currículo dos cursos universitários de
política e administração, se não fôsse ter provado sua utilidade e ter mesmo
obtido a aprovação pública pelo voto da população, lesada mas contente, por um
fiel seguidor, Salim Maluf, cujo mérito é o de ter provado a eficácia da teoria
como governador e como prefeito, transformando-a numa ideologia.
E
tão excelente se mostrou o uso e a prática dessa teoria e ideologia do “rouba
mas faz” desenvolvimento, que os próprios partidos e homens de esquerda
decidiram dela se servir, numa maneira indireta de receberem seus merecidos
honorários pelo tempo dedicado à causa e à coisa públicas. E igualmente para convencer
políticos adversários a votarem nos seus projetos em benefício do povo.
Entretanto,
apesar daquilo que nossos avós chamavam de uma maneira chula de “meter a mão”
ter assumido a beca universitária e ser considerado como uma justa retribuição
aos parlamentares e executivos (ameaçados de enfartes por ficarem tão tempo
sentados nas câmaras municipais a federais), restou no dicionário uma palavra
substitutiva do substantivo popular “ladrão”, posto em desuso. Apesar dos
exaustivos esforços de prosadores e linguistas, surge vez ou outra nos jornais,
açulados nas brigas de partidos contra partidos, a palavra “corrupto” com
derivados como “corrupção”. E o povo, mesmo anestesiado pelo futebol e
telenovela, não gosta do som dessa palavra, pois para eles, “meter a mão” dá
prisão mas “corrupção” entre políticos só raramente leva à prisão.
O
êxito da teoria e ideologia da corrupção como forma de governo chega a ganhar
adeptos até entre pessoas incapazes de encherem seu próprio bolso. Dotados de
altos preceitos morais, não vêem mal algum em corromper os já corruptos para
encher os cofres do seu partido, que assim poderá fazer uma melhor campanha
eleitoral. De acordo com professores dessa matéria, na Universidade de
Brasília, essa ideologia se tornou tão corriqueira que certos parlamentares
condicionam seus votos a projetos a certos benefícios pagos à vista e não mais
em cargos ou influências, por considerarem o pagamento à vista mais rápido,
direto e pessoal.
Como
toda boa descoberta, essa ideologia do desenvolvimento capaz de provocar
maiorias nas votações de projetos, tem um defeito – seu custeio. O excesso de
comissões acaba impedindo se fazer muita coisa e encarece tudo quanto é obra e
construção. Ou seja, nela está seu próprio veneno.
Mas,
enfim, qual a relação dessa ideologia tão bem acolhida mesmo pelos partidos de
esquerda (ninguém é de ferro!) com a candidata evangélica Marina Silva
? O risco é o dessa mulher franzina, mas de enorme força de vontade, querer ser
como as empregadas domésticas e aplicar na prática um dos dez mandamentos
recebidos por Moisés, no Sinai, bem explícito – “Não furtarás”. Uma decisão
dessas, seria capaz de provocar uma verdadeira crise política inédita no
Brasil.
É
essa a razão, sem dúvida, de tantos profetas do caos em pleno desespero, pedindo
pelo amor de Deus para não votarem em Marina – do que irão viver se
fecharem as torneiras do pipeline da Petrobrás ?
*Rui
Martins, jornalista, escritor, editor do Direto da Redação.
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