Presidente
terá que mudar política econômica para impulsionar crescimento. Entre as
medidas, cortar gastos, reconquistar a confiança dos empresários e controlar a
inflação.
Estimular
a economia deverá ser a primeira e principal tarefa a ser encarada pela
presidente reeleita Dilma Rousseff. Os primeiros três anos de governo já haviam
ficado aquém do esperado, com o Produto Interno Bruto (PIB) avançando 2,7%
(2010), 1% (2011) e 2,3% (2012) e com taxas menores que países vizinhos, como
Chile e Peru.
Mas
2014 está superando as piores previsões: depois de uma retração de 0,2% no
primeiro trimestre, o segundo teve um recuo de 0,6% e levou o país à recessão
técnica no primeiro semestre. O crescimento em 2014 deve ficar bem abaixo de
1%.
E
isso se refletiu nas urnas: a vitória apertada de Dilma é um sinal de que os
brasileiros não estão satisfeitos com o andamento da economia. Além do baixo
crescimento, especialistas apontam para o risco de alta da inflação, que está
acima do teto da meta, de 6,5%. Apesar de a maioria da população ainda não
sentir diretamente os efeitos, isso não deverá tardar a acontecer se nada for
feito.
Até
agora pouco se sabe sobre o que Dilma pretende fazer. Ela anunciou a demissão
do ministro da Economia, Guido Mantega, no meio da campanha eleitoral. E isso
foi tudo. Mas é necessário muito mais: especialistas afirmam que, se não houver
mudanças, até mesmo as conquistas dos últimos anos, como o aumento da renda e o
desemprego baixo, correm risco.
"A
presidente vai ter o desafio de recolocar a economia brasileira nos trilhos. A
receita do governo não consegue cobrir os gastos, o país está em recessão, e o
investimento caiu muito por conta da desconfiança dos empresários", afirma
o economista Evaldo Alves, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para
Roberto Gondo, professor de comunicação política da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, o país está passando por uma crise econômica velada e com a
diminuição gradativa dos diversos setores econômicos nacionais. "Para os
próximos anos, os desafios são manter as taxas de desemprego controladas e
permitir a redução de juros e de impostos para pessoas físicas e
jurídicas", afirma.
Incentivo
ao consumo teve efeito curto
Um
dos problemas que mais afetam os brasileiros é o endividamento. Economistas
calculam que três em cada quatro famílias não estão conseguindo pagar as suas
contas e, assim, estão também deixando de consumir. Como o consumo interno era
um dos principais combustíveis do crescimento econômico brasileiro, o resultado
claro da atual situação é a desaceleração da economia.
Com
a crise de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou a política de
incentivo ao consumo, o que serviu para estimular a economia e ajudou o país a
passar praticamente ileso pela crise. Dilma usou a mesma fórmula, mas foi ao
limite para tentar aquecer uma economia debilitada – também por não manter as
linhas gerais da política econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso,
seguidas por Lula, que era um tripé composto por metas de inflação, superávit
fiscal e câmbio flutuante.
“Política
de crescimento via consumo tem um efeito de curto prazo. Hoje, o cenário é
muito preocupante, pois as famílias estão com um nível elevado de
endividamento", avalia o professor de administração pública José
Matias-Pereira, da UnB.
Até
mesmo um economista ligado à presidente, como o conselheiro Luiz Gonzaga
Belluzo, admitiu em declaração à agência de notícias Reuters que houve um erro
de estratégia. “Demorou-se muito para perceber que o consumo estava perdendo
força para impulsionar a economia. Não se conseguiu articular a queda do
consumo com recuperação do investimento", avaliou.
Fuga
de investidores
Como
o "ciclo do consumo" se encerrou, como dizem os economistas, uma das
soluções é tentar recuperar a confiança dos empresários e investidores para que
eles voltem a investir no país. Nos últimos anos a produção não aumentou, e o
investimento privado caiu. O governo, por sua vez, gastou recursos para
estimular a economia, mas não em obras de infraestrutura.
A
situação é ruim principalmente no setor industrial, onde a insatisfação com o
governo é grande, e a confiança na economia é baixa. Mesmo com os incentivos
fiscais dados pelo governo federal para diversos setores, como o de construção
civil, automotivo e para os usineiros, além do crédito barato de grandes bancos
públicos, a economia brasileira não deslanchou.
Um
dos motivos também é a baixa demanda por produtos brasileiros, principalmente
os do agronegócio, por países como China e outros motores da economia mundial,
que crescem de forma mais lenta e não devem, tão cedo, retomar ao nível de
compras da época pré-crise.
Uma
das apostas da presidente até aqui foi a política de concessões para melhorar a
infraestrutura, mas ela ainda não deu o resultado esperado. Alguns aeroportos –
como Guarulhos e Viracopos, em
São Paulo , o de Brasília e o do Galeão, no Rio de Janeiro –,
além de seis lotes de rodovias já foram concedidos à iniciativa privada.
Mas,
por outro lado, o leilão das ferrovias e de outros setores ainda não saiu do
papel por conta da desconfiança dos investidores. Esse mesmo receio fez com
que, no final de 2013, em menos de dez dias o governo federal sofresse dois
grandes reveses em seu pacote bilionário de concessão à iniciativa privada – no
de ferrovias e exploração de petróleo da camada pré-sal.
Analistas
explicam que a intervenção estatal e a incerteza sobre a regulamentação afastam
os investidores privados das licitações. Um dos exemplos é a taxa de retorno do
projeto de concessão das rodovias, que aumentou no início de maio de 2013 de
5,5% para 7,2%, para tornar mais atrativo os investimentos nas rodovias a serem
licitadas.
Para
o economista Reginaldo Nogueira, do Ibmec/MG, a indústria está muito fraca e
não há investimento privado devido à piora das expectativas com o futuro da
economia. "O país precisa rapidamente de uma melhora da agenda econômica
para restaurar a confiança no meio empresarial e reerguer o investimento."
Aumentos
vêm aí
Na
época dos protestos que levaram milhões de brasileiros às ruas, em junho de
2013, Dilma anunciou, entre outras propostas, a responsabilidade fiscal para
garantir a estabilidade da economia brasileira diante da crise mundial. Em 2013, a promessa não foi
cumprida, já que o país não atingiu a meta de superávit primário – economia
para o pagamento de juros da dívida estabelecida para o ano.
O
país deveria ter economizado o valor correspondente a 2,3% do Produto Interno
Bruto (PIB), mas economizou 1,9% – o que corresponde a 91 bilhões de reais. Em
entrevista à GloboNews no início de setembro, Mantega afirmou que "neste
ano [2014], temos uma situação mais difícil", quer dizer, que o governo
federal não deve alcançar a meta de economizar 2,2% do PIB, o equivalente a 116
bilhões de reais.
Mas,
no ano que vem, o governo deverá apertar os cintos. E, além disso, tomar
medidas amargas para organizar as contas nacionais, conter a inflação e a baixa
produção do país associado à falta de investimento privado. Outro provável
ajuste será o aumento do preço da gasolina e da energia elétrica, que são
controlados pelo governo e ficaram defasados por conta do ano eleitoral.
"O
desafio para retomar o crescimento tem várias frentes", diz Alves. "O
próximo governo deve reorganizar o setor público, cortar gastos, reconquistar a
confiança de investidores, controlar a inflação, mas não por meio do aumento de
juros básicos, entre outras questões. Não será uma tarefa fácil."
Fernando
Caulyt / Alexandre Schossler – Deutsche Welle
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