O
que leva catalães (e levou muitos escoceses) a desejar independência não é ódio
à Espanha ou Grã-Bretanha — mas desespero por escapar das políticas
ultra-capitalistas contra direitos sociais
Paul
Mason – Outras Palavras
Há
algumas semanas, o parlamento catalão tornou ilegal a homofobia, impondo penas
para crimes e discursos de ódio contra gays e lésbicas. Os Membros do
Parlamento na Câmara Regional explodiram em aplausos – mas era mais que uma
celebração: o alvo do barulho eram os políticos conservadores que governam
Madri.
Esse
foi o mais recente gesto de Barcelona contra o governo central da Espanha, mas
não o maior. Este virá no domingo de 9 de novembro, quando o governo da
Catalunha pretende organizar uma consulta
a respeito da independência. Embora o Supremo Tribunal da Espanha tenha
suspendido as preparações para a votação e o governo espanhol diga que ela é
ilegal, os preparativos não oficiais prosseguem em toda a Catalunha.
Assim
como na Escócia, agora se trata de mais do que nacionalismo: os movimentos de
independência de pequenos países estão sendo alimentados pelo fracasso dos
grandes Estados em resolver a crise econômica. Nos países onde as políticas
nacionais estão travadas por severos consensos de austeridade – e onde os
velhos partidos socialistas parecem sem rumo –, é racional que a resistência
corra pelas vias do separatismo e da autonomia.
Se
você projetar uma visão de 50 anos para o capitalismo, como a OCDE fez em
julho, verá um roteiro desastroso para os países desenvolvidos, mais ou menos
assim: suas populações envelhecem, colocando um peso imenso nos gastos
públicos; a desigualdade cresce, levando a uma erosão na base tributária;
enfim, eles vão à falência, provavelmente encarando uma crise de suprimento de
energia no caminho. Aqueles que não quebram transformam-se em lugares feios,
pobres e intolerantes.
Existem
duas estratégias que poderiam compensar isso, mas os países em crise vão
achá-las difíceis de praticar. Primeiro, segundo a OCDE e muitos
macroeconomistas imparciais, é necessário receber uma imigração massiva para
rebalancear a população entre contribuintes e usuários dos serviços. Depois, é
necessário elevado crescimento na produtividade, o que provavelmente significa
um programa de inovação dirigido pelo Estado, que idealmente resolveria a
questão da energia ao longo do caminho.
Uma
vez que os problemas de longo prazo do capitalismo estão postos cruamente, a
lógica econômica para a separação de pequenos países se torna mais clara. Não é
apenas que os países grandes são pesados, difíceis de manejar. Velhos países
desenvolvidos como a Grã-Bretanha e a Espanha têm elites políticas alinhadas
com interesses econômicos que não favorecem a inovação financiada pelo Estado,
alta imigração ou energia sustentável.
Nesse
contexto, se a população de um pequeno país dentro de uma entidade maior
suspeita que vai ser a perpétua perdedora em um período de cinquenta anos de
austeridade, é lógico para ela buscar a independência. Tanto na Escócia quanto
na Catalunha, pude sentir a convicção de que, se o futuro efetivamente envolve
a recepção de imigração, eles seriam mais felizes gerenciando isso em um país
pequeno com alta coesão social do que em um grande que é uma bagunça.
Mas
no eventual rompimento entre Madri e Barcelona que se aproxima existem
diferenças cruciais em relação à Escócia. Diferente da Escócia, a Catalunha é
um grande contribuinte líquido de impostos para o centro: em um ano médio, 8%
do PIB da região flui em impostos para o resto da Espanha, custando
estimadamente 2.055 € a cada catalão em 2011 (o governo central não publica
regularmente os valores). Agora em um movimento descrito como “incendiário”
pela mídia nacional, o orçamento nacional da Espanha para 2015 destinou à
Catalunha a menor parcela de investimento público em 17 anos.
Então,
se a separação tornar-se uma realidade, nem o Banco Central Europeu nem o
tesouro espanhol teriam muita influência fiscal sobre Barcelona. Em todo caso,
o partido nacionalista catalão no poder, o CiU, de centro-direita, fez grandes
cortes de gastos desde a crise de 2008. Os catalães declaram-se “a Alemanha da
Espanha” e estão confiantes de que o novo país poderia se bancar.
A
segunda grande diferença é a esquerda. Os radicais de esquerda da Escócia
tiveram grande impacto na campanha do referendo, mas a sua presença em Holyrood
– o parlamento escocês – consiste em apenas dois membros do Partido Verde. A
esquerda catalã é muito maior e está em alta.
Em
2012, a
Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) surgiu nas eleições para o parlamento
regional, tornando-se o segundo maior partido, com 13%. Desde maio, todas as
pesquisas de opinião colocam o partido com algo em torno de 23%, a caminho de
ganhar a próxima eleição. A ERC já governou a Catalunha no período que precedeu
a Guerra Civil Espanhola e – apesar de suas políticas serem basicamente de uma
esquerda social-democrata – está pressionando por um confronto com Madri, ao
organizar o referendo usando o serviço civil regional, mesmo que isso tenha
sido declarado ilegal.
A
esquerda foi impulsionada não somente pelos anos de crise econômica, mas por um
escândalo de corrupção que atingiu a CiU. Jordi Pujol, político veterano da
CiU, admitiu manter uma vasta fortuna em contas no exterior não declaradas.
Ainda que ele negue que esse dinheiro tenha sido obtido de forma corrupta, é
isto o que alega Madri e, de qualquer forma, trata-se de evasão fiscal.
Enquanto isso, dois de seus filhos – um dos quais acaba de renunciar a um cargo
importante na atual liderança do partido – também estão enfrentando
investigações relacionadas a contas bancárias no exterior.
Embora
não haja certezas e os Pujol afirmem que é tudo armação de Madri, entre as
massas mais aguerridas da Catalunha o caso levou mais separatistas para a ERC.
O
referendo – caso aconteça – será consultivo, sem efeito mandatório. Além disso,
há duas perguntas: “você quer ser um estado” e “você quer ser independente”?
Então existe uma boa quantidade de teatro político acontecendo aqui. Mas,
quando se adiciona um ingrediente de esquerda-direita numa crise constitucional
na Espanha, os riscos de conflitos sociais reais aumentam.
A
Escócia e a Catalunha são as birutas que indicam a direção de ventos que sopram
em toda a Europa. Na próxima quinta-feira, teremos os mais recentes dados de
crescimento da Zona do Euro, que provavelmente mostrarão ainda outro trimestre
de estagnação ou crescimento lento. Os economistas vão ralhar com Bruxelas e o
BCE por falharem em fazer a Europa mais como a Inglaterra e os EUA. Mas o
impulso político contra a reforma de livre mercado está crescendo.
Na
França, temos a extrema-direita com 25%. Na Alemanha, mês passado, o partido
anti-euro Aliança pela Alemanha (AfD) dobrou seus dígitos em duas eleições
regionais. O governo grego – o canário na mina de carvão da crise como um todo,
que cairia primeiro alertando para o risco de uma derrocada geral – está
lutando para terminar seu mandato, enquanto o maior partido marxista europeu
espera na coxia, tendo ganhado as eleições europeias de lá e tomado controle da
maior região administrativa.
Existem
agora na Europa grandes forças que rejeitam o status quo. Se os políticos
da situação controlam todas as forças, isso simplesmente significa que a
oposição vai seguir surgindo de formas imprevisíveis, com alguns nacionalismos
se tornando de esquerda e alguns partidos de extrema direita propagandeando o
estado de bem-estar social.
Com
um mercado de títulos globalizado, apenas alguns países enormes têm real
controle sobre suas políticas de arrecadação e gastos. Mas a sedução da
secessão, de estratégias de saída do euro ou mesmo da UE, continua forte, pela
seguinte razão.
Para
o mundo desenvolvido readquirir seu dinamismo, algo drástico precisa acontecer.
Se acreditarmos na OECD e em outros eminentes comentaristas, então mudanças de
mentalidade radicais sobre investimentos, migração, oferta de serviços públicos
e inovação precisam acontecer.
Na
Catalunha e na Escócia, grandes parcelas da população prefeririam gerenciar
essa situação livres de um Estado central no qual elas não confiam mais.
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