sexta-feira, 31 de outubro de 2014

EUROPA: POR QUE CRESCE O SEPARATISMO




O que leva catalães (e levou muitos escoceses) a desejar independência não é ódio à Espanha ou Grã-Bretanha — mas desespero por escapar das políticas ultra-capitalistas contra direitos sociais 

Paul Mason – Outras Palavras

Há algumas semanas, o parlamento catalão tornou ilegal a homofobia, impondo penas para crimes e discursos de ódio contra gays e lésbicas. Os Membros do Parlamento na Câmara Regional explodiram em aplausos – mas era mais que uma celebração: o alvo do barulho eram os políticos conservadores que governam Madri.

Esse foi o mais recente gesto de Barcelona contra o governo central da Espanha, mas não o maior. Este virá no domingo de 9 de novembro, quando o governo da Catalunha pretende organizar uma consulta a respeito da independência. Embora o Supremo Tribunal da Espanha tenha suspendido as preparações para a votação e o governo espanhol diga que ela é ilegal, os preparativos não oficiais prosseguem em toda a Catalunha.

Assim como na Escócia, agora se trata de mais do que nacionalismo: os movimentos de independência de pequenos países estão sendo alimentados pelo fracasso dos grandes Estados em resolver a crise econômica. Nos países onde as políticas nacionais estão travadas por severos consensos de austeridade – e onde os velhos partidos socialistas parecem sem rumo –, é racional que a resistência corra pelas vias do separatismo e da autonomia.

Se você projetar uma visão de 50 anos para o capitalismo, como a OCDE fez em julho, verá um roteiro desastroso para os países desenvolvidos, mais ou menos assim: suas populações envelhecem, colocando um peso imenso nos gastos públicos; a desigualdade cresce, levando a uma erosão na base tributária; enfim, eles vão à falência, provavelmente encarando uma crise de suprimento de energia no caminho. Aqueles que não quebram transformam-se em lugares feios, pobres e intolerantes.

Existem duas estratégias que poderiam compensar isso, mas os países em crise vão achá-las difíceis de praticar. Primeiro, segundo a OCDE e muitos macroeconomistas imparciais, é necessário receber uma imigração massiva para rebalancear a população entre contribuintes e usuários dos serviços. Depois, é necessário elevado crescimento na produtividade, o que provavelmente significa um programa de inovação dirigido pelo Estado, que idealmente resolveria a questão da energia ao longo do caminho.

Uma vez que os problemas de longo prazo do capitalismo estão postos cruamente, a lógica econômica para a separação de pequenos países se torna mais clara. Não é apenas que os países grandes são pesados, difíceis de manejar. Velhos países desenvolvidos como a Grã-Bretanha e a Espanha têm elites políticas alinhadas com interesses econômicos que não favorecem a inovação financiada pelo Estado, alta imigração ou energia sustentável.

Nesse contexto, se a população de um pequeno país dentro de uma entidade maior suspeita que vai ser a perpétua perdedora em um período de cinquenta anos de austeridade, é lógico para ela buscar a independência. Tanto na Escócia quanto na Catalunha, pude sentir a convicção de que, se o futuro efetivamente envolve a recepção de imigração, eles seriam mais felizes gerenciando isso em um país pequeno com alta coesão social do que em um grande que é uma bagunça.

Mas no eventual rompimento entre Madri e Barcelona que se aproxima existem diferenças cruciais em relação à Escócia. Diferente da Escócia, a Catalunha é um grande contribuinte líquido de impostos para o centro: em um ano médio, 8% do PIB da região flui em impostos para o resto da Espanha, custando estimadamente 2.055 € a cada catalão em 2011 (o governo central não publica regularmente os valores). Agora em um movimento descrito como “incendiário” pela mídia nacional, o orçamento nacional da Espanha para 2015 destinou à Catalunha a menor parcela de investimento público em 17 anos.

Então, se a separação tornar-se uma realidade, nem o Banco Central Europeu nem o tesouro espanhol teriam muita influência fiscal sobre Barcelona. Em todo caso, o partido nacionalista catalão no poder, o CiU, de centro-direita, fez grandes cortes de gastos desde a crise de 2008. Os catalães declaram-se “a Alemanha da Espanha” e estão confiantes de que o novo país poderia se bancar.

A segunda grande diferença é a esquerda. Os radicais de esquerda da Escócia tiveram grande impacto na campanha do referendo, mas a sua presença em Holyrood – o parlamento escocês – consiste em apenas dois membros do Partido Verde. A esquerda catalã é muito maior e está em alta.

Em 2012, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) surgiu nas eleições para o parlamento regional, tornando-se o segundo maior partido, com 13%. Desde maio, todas as pesquisas de opinião colocam o partido com algo em torno de 23%, a caminho de ganhar a próxima eleição. A ERC já governou a Catalunha no período que precedeu a Guerra Civil Espanhola e – apesar de suas políticas serem basicamente de uma esquerda social-democrata – está pressionando por um confronto com Madri, ao organizar o referendo usando o serviço civil regional, mesmo que isso tenha sido declarado ilegal.

A esquerda foi impulsionada não somente pelos anos de crise econômica, mas por um escândalo de corrupção que atingiu a CiU. Jordi Pujol, político veterano da CiU, admitiu manter uma vasta fortuna em contas no exterior não declaradas. Ainda que ele negue que esse dinheiro tenha sido obtido de forma corrupta, é isto o que alega Madri e, de qualquer forma, trata-se de evasão fiscal. Enquanto isso, dois de seus filhos – um dos quais acaba de renunciar a um cargo importante na atual liderança do partido – também estão enfrentando investigações relacionadas a contas bancárias no exterior.

Embora não haja certezas e os Pujol afirmem que é tudo armação de Madri, entre as massas mais aguerridas da Catalunha o caso levou mais separatistas para a ERC.

O referendo – caso aconteça – será consultivo, sem efeito mandatório. Além disso, há duas perguntas: “você quer ser um estado” e “você quer ser independente”? Então existe uma boa quantidade de teatro político acontecendo aqui. Mas, quando se adiciona um ingrediente de esquerda-direita numa crise constitucional na Espanha, os riscos de conflitos sociais reais aumentam.

A Escócia e a Catalunha são as birutas que indicam a direção de ventos que sopram em toda a Europa. Na próxima quinta-feira, teremos os mais recentes dados de crescimento da Zona do Euro, que provavelmente mostrarão ainda outro trimestre de estagnação ou crescimento lento. Os economistas vão ralhar com Bruxelas e o BCE por falharem em fazer a Europa mais como a Inglaterra e os EUA. Mas o impulso político contra a reforma de livre mercado está crescendo.

Na França, temos a extrema-direita com 25%. Na Alemanha, mês passado, o partido anti-euro Aliança pela Alemanha (AfD) dobrou seus dígitos em duas eleições regionais. O governo grego – o canário na mina de carvão da crise como um todo, que cairia primeiro alertando para o risco de uma derrocada geral – está lutando para terminar seu mandato, enquanto o maior partido marxista europeu espera na coxia, tendo ganhado as eleições europeias de lá e tomado controle da maior região administrativa.

Existem agora na Europa grandes forças que rejeitam o status quo. Se os políticos da situação controlam todas as forças, isso simplesmente significa que a oposição vai seguir surgindo de formas imprevisíveis, com alguns nacionalismos se tornando de esquerda e alguns partidos de extrema direita propagandeando o estado de bem-estar social.

Com um mercado de títulos globalizado, apenas alguns países enormes têm real controle sobre suas políticas de arrecadação e gastos. Mas a sedução da secessão, de estratégias de saída do euro ou mesmo da UE, continua forte, pela seguinte razão.

Para o mundo desenvolvido readquirir seu dinamismo, algo drástico precisa acontecer. Se acreditarmos na OECD e em outros eminentes comentaristas, então mudanças de mentalidade radicais sobre investimentos, migração, oferta de serviços públicos e inovação precisam acontecer.

Na Catalunha e na Escócia, grandes parcelas da população prefeririam gerenciar essa situação livres de um Estado central no qual elas não confiam mais.

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