JOSÉ ANTÓNIO CEREJO - Público
Projecto
para Angola que nunca saiu do papel está desaparecido. O fisco analisou em 2004
um pedido de isenção de IRC relacionado com o financiamento do CPPC. O autor
deverá ter sido a Tecnoforma de que Passos era administrador.
O
Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social comunicou ao PÚBLICO
nesta segunda-feira que não foram localizados nos seus serviços quaisquer
documentos relacionados com o Centro Português para a Cooperação (CPPC) — a
organização não governamental fundada por Passos Coelho em 1996 no âmbito da
empresa Tecnoforma.
A
informação foi transmitida pelo gabinete do ministro Mota Soares, na sequência
de um requerimento, de 3 de Outubro, em que foi solicitada, nos termos legais,
a consulta de todos os documentos arquivados naquele ministério “que tenham a
ver com projectos e pedidos de financiamento apresentados entre 1996 e 1999” pelo CPPC.
O
pedido visava o esclarecimento das actividades desenvolvidas por esta
organização, em particular no que respeita a eventuais financiamentos que tenha
obtido, ou a que se tenha candidatado, no quadro da cooperação externa do
Estado português.
Os
únicos documentos conhecidos e já tornados públicos sobre as relações entre o
CPPC e o Estado estão arquivados no Camões, IP — o instituto público,
dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que herdou as competências
e arquivos dos sucessivos organismos que tiveram responsabilidades na área da
cooperação desde 1974. A
direcção daquele instituto facultou-os aos jornalistas, nos primeiros dias
deste mês, afirmando que são os únicos que possui, mas entre eles não se
encontra um conjunto de peças que lá deveria estar.
É
o caso do processo inicial de registo do CPPC como Organização Não
Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), datado do final de 1996, e dos
relatórios anuais das suas actividades. Mas é também o caso dos projectos
submetidos à aprovação governamental, para efeitos de financiamento, por parte
da organização sediada nas instalações da Tecnoforma, em Almada.
Esta
ONG tem estado no centro da controvérsia que envolveu o primeiro-ministro por
causa das verbas que lhe terão sido pagas e não declarou ao fisco, mas que ele
nega ter recebido, em retribuição das funções que lá desempenhava enquanto era
deputado em dedicação exclusiva.
Tudo
o que foi mostrado aos jornalistas pelo Instituto Camões foi o processo de
revalidação do registo do CPPC enquanto ONGD, em 1999, e uma troca de ofícios
entre a antiga Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e o instituto que,
nessa altura, tratava dos assuntos da cooperação no Ministério dos Negócios
Estrangeiros.
Isenções
de IRC em 2004
A revalidação do registo era condição indispensável para que a organização continuasse a dispor do estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública, com direito às isenções fiscais previstas na lei, mas também para que a Tecnoforma pudesse beneficiar do regime do mecenato cultural previsto no código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC).
A
atribuição desta benesse fiscal por conta dos donativos em dinheiro ou em
espécies concedidos pela empresa ao CPPC deverá estar aliás na origem do ofício
dirigido pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, já em Outubro de 2004, e que se encontra no instituto
Camões. Nesse documento, o fisco solicita, “para efeitos de pedido de isenção
de IRC”, informação sobre a data em que o CPPC foi registado como ONGD, e sobre
a data da última renovação desse registo. O texto não refere quem é que pediu a
isenção de IRC, nem quais os valores em causa. Nem a data em que tal pedido foi
feito.
Atendendo
a que a Tecnoforma era o único financiador privado da organização e que o
orçamento da mesma para 1999 previa “donativos” de 15.600 contos (78 mil
euros), é de admitir que a empresa tenha vindo, mais tarde, a pedir as isenções
de IRC. Se assim foi isso poderá ter sucedido já depois de Passos Coelho ter
assumido as funções de administrador da empresa, o que, segundo o próprio,
aconteceu por volta de 2003.
Para
lá do ofício das Finanças e da respectiva resposta — segundo a qual o CPPC “não
prodeceu à renovação do seu estatuto como ONGD” em 2001, não se encontrando
registada desde então — o processo daquela organização no Instituto Camões
inclui apenas o “Balanço de Actividades 1998” e o “Orçamento para 1999” .
A
novidade que aquele “balanço” apresenta consiste no facto de o principal
projecto idealizado pela equipa de Passos Coelho para Angola — o “Programa de
Reabilitação e Promoção Activa do Emprego para o Desenvolvimento” — ter sido
entregue ao Instituto da Cooperação Portuguesa (ICP) no final de 1997 e ter
sido depois enviado por este organismo para o “Ministério do Emprego e
Qualificação Profissional”.
De
acordo com esse documento do CPPC, que nada informa sobre o conteúdo e os
montantes previstos para a sua execução, o projecto acabou por obter um
“parecer técnico favorável” em Junho de 1998, depreende-se que no Ministério do
Emprego do primeiro governo de António Guterres, O relatório, de Fevereiro de
1999, diz também que dada a “alteração significativa” da “situação
político-militar em Angola”, entretanto ocorrida, o projecto iria ficar “em
carteira”, até porque o Governo daquele país o considerava como um “programa de
referência”.
No
início dos ano 1990 a
Tecnoforma tinha uma forte implantação no mercado da formação profissional em
Angola, mas no final da década estava em perda acelerado de terreno. Foi então
que surgiu o CPPC, como uma forma de angariar financiamentos para projectos
cuja execução lhe seria depois adjudicada.
A
iniciativa da Promocção Activa do Emprego em Angola representava uma das suas
apostas, para cuja concretização foi também encarado o recurso a apoios do
Banco Mundial. O reacender da guerra terá sido um dos motivos para que o
projecto nunca tenha saído da “carteira”.
Foi
a consulta do processo relativo ao seu financiamento e os pareceres que sobre
ele incidiram, bem como quaisquer outros documentos relacionados com ao CPPC
que tivessem sido enviados ao Ministério do Emprego, que o PÚBLICO requereu ao
ministro Mota Soares.
“Não
foi localizado nos serviços tutelados por este ministério qualquer documento
relacionado com essa organização”, foi a resposta agora recebida.
Um
antigo vice-presidente do ICP na época em que o pedido do CPPC ali foi entregue
disse ao PÚBLICO nesta terça-feira que o reenvio de um projecto com aquelas
características para o Departamento de Cooperação do Ministério do Emprego “era
normal, porque o instituto não tinha dotação” para esse tipo de acções. Segundo
a mesma fonte, a prática corrente era a de conservar uma cópia no ICP, razão
pela qual ela deveria encontrar-se agora no Instituto Camões. Ou se lá não
estivesse teria que estar o registo da sua eventual eliminação.
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