quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Portugal: OS POBRES E OS RICOS



Rafael Barbosa – Jornal de Notícias, opinião

1. Cerca de 29,2% das crianças portuguesas vivem em estado de privação material. Dito assim, não parece grande coisa. Talvez acrescentando que viver em privação material significa não comer carne nem peixe pelo menos de dois em dois dias; não ter como pagar uma despesa inesperada; não ter televisão; não fazer férias; não ter telefone ou telemóvel; não ter máquina de lavar a roupa; não ser capaz de pagar a renda, o empréstimo ou outra despesa fixa qualquer; não ter como aquecer a casa; não ter automóvel. Talvez acrescentando que por detrás da percentagem se escondem cerca de 500 mil crianças portuguesas até aos 17 anos. Talvez assim já pareça qualquer coisa.

É certo que nada disto consta do Orçamento do Estado, o documento que pôs o país a debater cenários macroeconómicos; a elaborar sobre conceitos como crédito fiscal; a avaliar se a descida do défice para 2,7% do PIB é ou não sinal de "fanatismo orçamental"; a escrutinar se as perspetivas de subida das exportações batem certo com o crescimento da economia alemã e a recessão que se anuncia (mais uma) para a Zona Euro. Sendo que "o país" remete, neste caso, para o escasso número de portugueses que têm assento na Assembleia da República, nos ministérios, nos estúdios de televisão e nas redações dos jornais. A maior parte do país tem problemas mais importantes com que se preocupar. Sobreviver à pobreza por exemplo.

2. "O Moedas, o Moedas! Eu punha já o Moedas a funcionar". A frase é atribuída a José Manuel Espírito Santo, um dos cinco "capos" da família que já foi dona disto tudo. Foi atirada em desespero de causa, quando a "comissão" procurava alguém que fosse capaz de convencer a CGD a emprestar umas centenas de milhões de euros que calassem pelo menos parte dos credores. O "capo di tutti capi" aproveitou a deixa e logo ali ligou ao Moedas. No relato já reproduzido pelo jornal "Sol", Ricardo Espírito Santo deu conta da sua satisfação com o funcionamento do dito Moedas. Ficara de dar uma palavrinha ao presidente da CGD e, a título de bónus, oferecia uma outra palavrinha ao ministro da Justiça luxemburguês, país que se preparava para investigar os sombrios negócios do grupo.

Convém esclarecer que Carlos Moedas já veio a público desmentir, não a conversa, mas que lhe tenha dado seguimento. Ou seja, não deu palavrinhas a ninguém. Não há razão para duvidar do que nos diz o antigo secretário de Estado e futuro comissário europeu. Mas isso não lhe resolve o problema que se lhe agarrou à pele. Tempos houve em que se circulava com honra e proveito dos corredores governamentais para os corredores do BES e vice-versa. Mas isso foi antes de ser aceitável fazer metáforas envolvendo os cinco clãs dos Espírito Santo e as famigeradas cinco famílias de Nova Iorque. No currículo oficial de Carlos Moedas - o filho do comunista Zé Moedas de Beja que se transformou num flamante membro da equipa da Goldman Sachs da City de Londres - haverá sempre como anexo que foi dele que a família dona disto tudo se lembrou na hora do aperto. Eles lá sabiam porquê.

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