Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Aproxima-se
o fim deste sombrio ciclo político. Com a apresentação do Orçamento Geral do
Estado, o Governo entrou em "modo eleitoral", prometendo a reposição
das pensões, a devolução de um quinto dos cortes dos salários dos funcionários
públicos - em 2015 - e anunciando que, em 2016, a sobretaxa do IRS
poderá ser devolvida aos contribuintes se o Governo for muito bem-sucedido no
combate à evasão fiscal. Invoca-se a reforma do IRS e fala-se dos
"impostos verdes"... Mas, de facto, a carga fiscal aumenta embora os
impostos diretos não sofram agravamento e, pelo lado da despesa, consegue-se
até uma relativa melhoria de algumas remunerações que as taxas e os impostos
indiretos (tabaco, bebidas, imóveis) se encarregarão de consumir. Por esta
altura, o Governo já tem bons motivos para estar grato ao Tribunal
Constitucional: à boleia do acórdão que tão injustamente denunciou, foi
concebido um orçamento que é um prodígio de cosmética, um exercício de
malabarismo "produzido" com a ambição de conjugar o agrado dos credores
- inquietos perante a modesta atualização do salário mínimo nacional! - com
algum apaziguamento, ainda que ilusório, dos cidadãos contribuintes. É contudo
claro que o Orçamento não conseguiu o milagre da multiplicação dos pães nem
conseguiu sequer, à maneira da rainha Santa Isabel, transformar em rosas o pão
que amassou!
O
quarto orçamento que a maioria PSD/CDS se prepara para aprovar na Assembleia da
República é coerente com as políticas preconizadas nos três orçamentos
anteriores. O Governo mantém fidelidade cega às doutrinas da austeridade que
condenaram a economia europeia à estagnação e que mergulharam os povos num
ciclo vicioso de pobreza e endividamento. À oposição, depois da vitória
expressiva de António Costa nas eleições primárias do PS, cabe agora construir
a alternativa política à destruição do emprego e da economia que apenas
contribuiu para degradar as condições de vida dos cidadãos e para agravar a
dívida do Estado. A construção da alternativa requer, antes de mais, a
reintrodução na vida política de uma questão central, deliberadamente ignorada
pela atual maioria ou então marginalizada com inaceitável displicência: a
reforma do Estado e do sistema político, matéria sobre a qual o
vice-primeiro-ministro apenas nos legou um modesto "guião", parcial e
lacunoso, longamente esperado e bem depressa esquecido.
É
por isso importante assinalar as contribuições que a sociedade civil, apesar do
ambiente adverso, tem conseguido submeter a discussão no espaço público. É o
caso dos estudos e debates que a Associação Nacional de Freguesias vem
promovendo em todo o país sobre a nossa democracia local, mobilizando autarcas,
técnicos e centros de investigação universitária, como o NEDAL - Núcleo de
Estudos da Administração Local da Universidade do Minho. Em artigo de opinião
publicado esta semana, António Cândido Oliveira - diretor daquele centro, que
tem dedicado grande parte da sua vida universitária às problemáticas jurídicas
e cívicas da democracia local - denuncia o "desfasamento entre a
Constituição e a realidade" que, em jeito de desabafo, descreve desta
forma: "Temos o paradoxo de uma Constituição que, ao mesmo tempo que
ordena a criação de regiões administrativas, introduziu em 1998 um mecanismo de
criação das mesmas que as inviabiliza" ("A organização territorial do
Estado: um problema em aberto - "Público", 14/10/2014). O mecanismo a
que se refere é o referendo à instituição concreta das regiões administrativas,
inserido num preceito com redação tão obscura que todos os constitucionalistas,
ainda que divergindo sobre qual a interpretação mais adequada, nele reconhecem
uma genuína finalidade: tornar praticamente impossível a criação das regiões!
A
construção da alternativa política passa também por aqui: pela abertura aos
contributos dos cidadãos e pela rejeição dos vícios centralistas que resistem à
concretização dos compromissos constitucionais.
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