quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Portugal: PASSOS VENDE TAP E DEIXA CAIXA NO PONTO DE MIRA


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Daniel Deusdado – Jornal de Notícias, opinião

1. É um extraordinário golpe de estratégia. O BES dá ou não prejuízo aos contribuintes? Sim e não. Sim, por via da Caixa Geral de Depósitos (CGD), diz de forma clara o primeiro-ministro e a ministra das Finanças. Não, diz o presidente da República: a Caixa é um banco, não é o Ministério das Finanças. Em que ficamos? Ficamos para já num ponto: muita gente começou a pensar seriamente se vale a pena ter a CGD na esfera pública.

Desde há muito tempo que o Governo gostaria de vender o banco público, um mealheiro que durante muitos e muitos anos angariou milhões a favor dos contribuintes e escapou sempre às privatizações. Precisa o país de um banco público? As opiniões sempre se dividiram mas foi prevalecendo a tese de que a Caixa tem um papel essencial de moderação do mercado - um tampão à criação de um oligopólio constituído por três ou quatro bancos dominantes. E depois, em pequenas/grandes coisas como taxas sobre operações no multibanco, custo de operações para pequenos clientes ou pensionistas, etc., a Caixa lá estava para não alinhar no jogo dos "tubarões".

Isso foi "verdade" até 1 de agosto. Nesse dia o BES caiu com o estrondo que é conhecido. Para salvar quem lá tinha poupanças foi preciso criar um novo mecanismo (um Fundo de Resolução) que evitasse atirar todo o custo apenas para o Estado (ou seja, para os contribuintes, na íntegra). Este Fundo de Resolução é uma medida inteligente. É uma espécie de mutualização do risco da atividade entre os diversos intervenientes.

A Caixa garantiu aproximadamente 30% do Fundo de Resolução, uma percentagem em linha com a sua quota de mercado. E todos os outros da mesma forma. Parece lógico. Além disso, esta decisão de dividir os custos pelos bancos teve a vantagem de repartir o futuro prejuízo do prejuízo do BES por muitas aldeias e não concentrá-lo no Ministério das Finanças ou só na Caixa (como aconteceu com o BPN).

Questão: haverá perdas? O Fundo meteu 4,9 mil milhões de euros no Novo Banco e não se sabe se é preciso mais. E também não se sabe por quanto será vendido este Novo Banco. Mas daí se concluir, em linha reta, que "são os contribuintes a pagar "o BES" é falso, como diz Cavaco Silva. A Caixa aguentará 30% do que for irrecuperável - e os outros bancos a restante parte. Mas isto não vai direto para a conta do défice público. A Caixa ganha e perde dinheiro todos os dias. O Fundo de Resolução é como um seguro: se fosse possível não pagá-lo, tudo era ganho. Mas existem seguros. Claro, o ideal era ter evitado o acidente. É para isso que o Banco de Portugal lá está. Mas o trabalho de supervisão foi muito mal feito durante anos. E se se perder a confiança nas aplicações "seguras" compradas ao balcão, não há país.

Ainda outro ponto: a Caixa também ganhou com esta crise. Quantos clientes fugiram do BES para a CGD e geram agora novos lucros? Quanto vale este acréscimo de confiança? É por isso que as perdas da Caixa não são equivalentes à segurança para a sociedade portuguesa de existir um banco público mesmo que, pontualmente, a Caixa tenha algum risco.

2. Pela mesma lógica, privatizar a TAP a favor de especuladores financeiros ou compradores instalados maioritariamente noutros mercados é um crime de lesa-pátria. A desproteção ao turismo e às rotas estratégicas é evidente. A TAP impede a fixação de preços mais altos pela generalidade das companhias tradicionais e está muito perto das low-cost. O que se ganha no país com a transportadora nacional não fica espelhado nas contas da TAP - está disperso nos ganhos de hotéis, restaurantes, centros de conferências, etc...

A privatização da TAP é apenas mais uma medida do sistemático desmantelamento dos centros de decisão nacionais - que, aliás, o líder do PSD anunciou antes de chegar ao poder. E não são apenas as privatizações: é a liberalização da exploração das minas, da floresta, da água ou até de novos impostos "verdes" usados apenas como mais receita pública. É toda uma prática reiterada de um mal irreversível, sufragada às cegas pela maioria dos portugueses nas eleições de 2011, e que perdurará. Passos ficará na história portuguesa recente como George W. Bush ficou na dos Estados Unidos dos últimos anos. Não se apaga tão cedo.

Imagem: We Have Kaos in the Garden

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