quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Portugal – BES. A HISTÓRIA DE UMA CEDÊNCIA



Luís Rosa – jornal i, editorial

Carlos Costa confiou em Ricardo Salgado na questão das rectificações de IRS e voltou a fazê-lo em Dezembro de 2013. Fez mal, como já saberá

Tal como no caso do Banco Português de Negócios, o papel da supervisão do Banco de Portugal no BESgate volta a estar sob intenso escrutínio de forma justificada - e será esse um dos principais temas das audições da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que se iniciará em breve. Do mesmo modo que com Vítor Constâncio, o governador Carlos Costa será um dos protagonistas dos trabalhos. Se o CDS se concentrou em escrutinar o então líder do Banco de Portugal, agora será a vez de o PS tentar fazer o mesmo em relação ao actual governador. O deputado João Galamba arrisca-se a ser a estrela, como Nuno Melo foi da anterior CPI.

As perguntas essenciais em relação ao Banco de Portugal serão duas: será que o regulador do sector bancário devia ter afastado mais cedo Ricardo Salgado e a família Espírito Santo da liderança do BES? Uma intervenção dura do Banco de Portugal poderia ter evitado ou diminuído a dimensão do resgate de 4,9 mil milhões de euros de Agosto?

São perguntas de resposta ainda difícil. É importante, contudo, que os deputados não esqueçam várias questões essenciais. Em primeiro lugar, a forma como o Banco de Portugal de Vítor Constâncio olhava a supervisão bancária nada tem a ver com a actual. De um laxismo total e absoluto passamos para uma supervisão proactiva - muito promovida, é certo, pelo Banco Central Europeu depois da falência do Lehman Brothers, em 2008. A principal prova de que a supervisão foi proactiva é que os primeiros problemas do Grupo Espírito Santo (GES) foram detectados pelo Banco de Portugal em Setembro de 2013 com auditorias intrusivas à área não financeira do GES. Foi nessa altura que se detectou um endividamento de 6 mil milhões de euros e um buraco de 1,3 mil milhões de euros na Espírito Santo International (ESI), uma das principais sociedades do GES.

O problema está no tempo que o BdP demorou a agir. Os novos dados da investigação do i ao caso BES, que pode ler nas páginas ao lado, lançam uma nova luz sobre a intervenção do Banco de Portugal. É que depois da auditoria de Setembro o Banco de Portugal detectou de facto um risco de insolvência da ESI que afectaria sempre de forma grave as contas do BES - o que deveria bastar para ligar as sirenes vermelhas na Rua do Ouro. O papel comercial da ESI que o BES tinha vendido aos clientes com a garantia do banco já preocupava o regulador, mas em vez de uma posição inflexível na constituição de uma conta à ordem onde estivessem os cerca de 1,7 mil milhões de euros para cobrir o papel comercial emitido pela ESI, o Banco de Portugal começou a negociar com Salgado e restante família Espírito Santo e acabou por ceder. Cedeu mas nem assim Ricardo Salgado conseguiu cumprir as suas obrigações. Só em Março foi constituída uma provisão, de 700 milhões de euros, para fazer frente ao problema do papel comercial da ESI.

Como já acontecera em Janeiro de 2013 com a questão das rectificações de IRS de 8,5 milhões de euros, que o i noticiou em exclusivo, Carlos Costa acreditou em Ricardo Salgado. Do mesmo modo que poderia ter retirado a idoneidade ao banqueiro obrigando-o a sair de cena, também em Dezembro poderia ter sido inflexível. A principal crítica que se pode fazer ao governador é precisamente esta: ter confiado em Ricardo Salgado. Fez mal, como decerto já saberá.

Na foto: Ricardo Salgado/BES

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