Rui Peralta, Luanda (continuação
- ler anteriores)
II - Até 2006 o FMI efectuou
encontros regulares com o governo do Zimbabwe e com o RBZ (Reserve Bank of
Zimbabwe, o Banco Central do país). Estes encontros foram publicados nos
relatórios anuais da instituição e debruçavam-se sobre a situação económica do
país, de modo geral. Em Dezembro de 2006 realizou-se um encontro de consulta,
cujos resultados não foram publicados por decisão do governo que vetou o
relatório. Os encontros cessaram e apenas foram reiniciados em Março de 2009,
tendo o FMI publicado o relatório em Maio. Em Janeiro
de 2009 a
ONU dá conta que o dólar zimbabweno não tem qualquer valor e que cessara de
circular. Vejamos o que se passou.
Na segunda metade da década de 90
o governo do Zimbabwe lançou um programa de liberalização económica com o
objectivo de acelerar o crescimento económico do país. Contudo a fragilidade
fiscal e a instabilidade monetária, associadas às grandes secas de 1992 e 1995
(que afectaram duramente a agricultura, um sector em tensão, necessitando com
urgência de uma reforma agraria que utilizasse o potencial dos 4 mil
fazendeiros brancos transferindo os seus capitais para projectos
agroindustriais nacionais, vocacionados para a exportação e simultaneamente
potenciasse a agricultura tradicional praticada pela maioria da população,
vocacionando-a para o mercado nacional e regional, restabelecendo as redes
comerciais tradicionais) impediram a concretização do programa e adiaram os
problemas, avolumando as tensões em torno da terra.
Nos primeiros 5 anos de mandato o
governo entregou cerca de 3 milhões de hectares, num programa conhecido por
"first option to buy". Em 1992 o Land Acquisition Act prevê a compra
compulsória de fazendas que estivessem abandonadas ou cujos proprietários não
tivessem meios para a sua exploração. A Lei previa, ainda, a obrigatoriedade da
venda no caso de o proprietário ter varias terras, ou da sua propriedade estar inserida numa área comunal. O Land Acquisition Act previa
compensações diversas e o direito do proprietário apelar às instâncias
jurídicas superiores. Em 1997 o governo encontra-se sob "forte
pressão", por parte de antigos combatentes (situação que nos bastidores
era controlada pela ZANU-FP, o partido do governo. Por isso a onda de greves,
paralisações e reivindicações - que paralisaram Harare e os principais centros
urbanos - foram fortemente reprimidas.
Os sindicatos nunca foram
dominados pela camarilha fascistoide de Mugabe. Neste sentido os antigos
combatentes foram sempre uma arma ao serviço de Mugabe e seus gangsters:
utilizados para furar greves, espancar sindicalistas e interromper de forma
violenta as Assembleias de trabalhadores; mais tarde utilizados contra os
fazendeiros brancos. Desta forma Mugabe tentou paralisar o poder judicial, o
único que não estava sob seu controlo e sempre foi o grande empecilho á
concretização do golpe que colocaria o controlo do aparelho de Estado á sua
inteira disposição). O governo anuncia novas compensações aos antigos combatentes
e um plano de pensões que abrangeu mais de 60 mil veteranos (cada um recebeu a
titulo de compensação 50 mil ZW (dólar do Zimbabwe, cerca de 3 mil USD) e uma
reforma mensal equivalente a 125 USD (com 1/3 dos 180 milhões de USD usados
para as compensações, Mugabe teria satisfeito as revindicações dos operários e
trabalhadores urbanos).
Estes 180 milhões de USD
representaram 3% do PIB de 1997 e não estavam incluídos no orçamento desse ano
fiscal. O resultado sentiu-se no orçamento de 1998, que foi inflacionado em
mais 55%. Mas houve um efeito imediato: o Banco Mundial suspendeu a linha de
crédito atribuída ao Zimbabwe, até que o governo comprovasse que essa medida
não iria influenciar a projeção de 8,9% concedida no orçamento, como limiar do
deficit. §Após o novo pacote de pensões, o bando de Mugabe continuou a
manipular os veteranos e estes passaram a exigir a aceleração da reforma
agrária (revindicação justa e necessária ao desenvolvimento do país), não
porque a clique que controlava o ZANU-FP, estivesse interessada ou envolvida
numa estratégia nacional para o desenvolvimento (bem pelo contrário), mas
porque tinha de prosseguir a sua campanha de desestabilização, única forma de
atingir os seus objectivos etnicistas, racistas e xenófobos. Os veteranos foram
instrumentalizados com mestria. Mugabe aprendera com Mussolini (os camisas
negras) e com Hitler (os camisas castanhas da SA).
Em finais de 1997 Mugabe anuncia
novos planos, tentando (na aparência) "sacudir a pressão" dos
veteranos. O pânico fiscal instalou-se quando 1471 propriedades agrícolas
comercialmente activas foram compulsivamente adquiridas pelo governo. O
investimento estrangeiro abandonou o país, o que causou o crash da moeda e do mercado de capitais e as reservas em divisas do RBZ foram exauridas.
A 14 de Novembro de 1997 ocorreu a
Sexta-Feira Negra, como os zimbabwenos designaram o dia em que o ZW
desvalorizou 75% em relação ao USD. Com a sexta-feira negra o Zimbabwe entrou
noutra dimensão do espaço-tempo...Mugabe e o seu bando de carteiristas e
falsários abriram as portas do inferno.
III - Em Janeiro de 1998 o
governo do Zimbabwe sofre pressões reais (não encenadas pela ZANU-FP e
completamente fora do seu controlo) por parte da Zimbabwe Congress of Trade
Unions (ZCTU, herdeiro da histórica e combativa South Rodhesia Trade Unions
Confederation, mais tarde Rodhesia Trade Unions Congress, reformista), que
inicia uma vaga de protestos, paralisações, greves e uma grande greve geral,
que paralisou o país por 48 horas. Nas principais cidades irrompem motins nas
ruas. Mugabe sabe que os operários e os trabalhadores das áreas urbanas
(cosmopolitas, habituados a fazerem greve ao lado dos trabalhadores brancos na
Rodésia) nunca aceitaram a visão a "preto e branco" da ZANU e da ZAPU
(movimentos com forte implantação nas áreas rurais, mas não nas cidades e muito
menos em Harare).
As ameaças dos veteranos (tropa de
choque da ZANU-FP) não resultaram com o operariado amotinado de Harare e quando
os veteranos tentaram impedir por meios violentos a acção dos piquetes de greve ficaram a compreender que não
estavam a lidar com camponeses ou com trabalhadores das fazendas. Na realidade
os agressores foram agredidos e depois das suas veteranas cabeças serem
partidas e as veteranas costelas estarem doridas, os "veteranos"
entenderam, também, o facto da polícia não se aproximar dos piquetes
amotinados.
Uma vez mais Mugabe foi derrotado
na cidade (sindicatos e tribunais foram "fenómenos" que nunca
entendeu). Perante o descontrolo da situação o governo implementa um programa
de controlo de preços (um contrassenso disfarçado de paliativo), que deu tempo
para negociar com os sindicatos ate aparecer a "carta na manga": em
Setembro de 1998, com a economia de rastos, Mugabe envia 11 mil militares para
a RDC, em auxílio do governo congolês, a braços com uma rebelião sustentada
pelo Uganda e pelo Ruanda. Este movimento de tropas teve, obviamente, um custo
pesado para a debilitada economia do Zimbabwe e nem sequer estava orçamentado
ou foi tomada qualquer medida de compensação pelo governo.
Com este acto de ilusionismo,
Mugabe ganhava tempo para preparar a ofensiva contra os seus dois principais
adversários: o movimento sindical e os fazendeiros brancos. Quanto ao
"Estado da Nação"...que se lixe!
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário