quarta-feira, 8 de outubro de 2014

ZIMBABWE, HIPERINFLAÇÃO E MODELOS SIMILARES CAMUFLADOS (2)



Rui Peralta, Luanda (continuação - ler anteriores)

II - Até 2006 o FMI efectuou encontros regulares com o governo do Zimbabwe e com o RBZ (Reserve Bank of Zimbabwe, o Banco Central do país). Estes encontros foram publicados nos relatórios anuais da instituição e debruçavam-se sobre a situação económica do país, de modo geral. Em Dezembro de 2006 realizou-se um encontro de consulta, cujos resultados não foram publicados por decisão do governo que vetou o relatório. Os encontros cessaram e apenas foram reiniciados em Março de 2009, tendo o FMI publicado o relatório em Maio. Em Janeiro de 2009 a ONU dá conta que o dólar zimbabweno não tem qualquer valor e que cessara de circular. Vejamos o que se passou.

Na segunda metade da década de 90 o governo do Zimbabwe lançou um programa de liberalização económica com o objectivo de acelerar o crescimento económico do país. Contudo a fragilidade fiscal e a instabilidade monetária, associadas às grandes secas de 1992 e 1995 (que afectaram duramente a agricultura, um sector em tensão, necessitando com urgência de uma reforma agraria que utilizasse o potencial dos 4 mil fazendeiros brancos transferindo os seus capitais para projectos agroindustriais nacionais, vocacionados para a exportação e simultaneamente potenciasse a agricultura tradicional praticada pela maioria da população, vocacionando-a para o mercado nacional e regional, restabelecendo as redes comerciais tradicionais) impediram a concretização do programa e adiaram os problemas, avolumando as tensões em torno da terra. 

Nos primeiros 5 anos de mandato o governo entregou cerca de 3 milhões de hectares, num programa conhecido por "first option to buy". Em 1992 o Land Acquisition Act prevê a compra compulsória de fazendas que estivessem abandonadas ou cujos proprietários não tivessem meios para a sua exploração. A Lei previa, ainda, a obrigatoriedade da venda no caso de o proprietário ter varias terras, ou da sua propriedade estar inserida numa área comunal. O Land Acquisition Act previa compensações diversas e o direito do proprietário apelar às instâncias jurídicas superiores. Em 1997 o governo encontra-se sob "forte pressão", por parte de antigos combatentes (situação que nos bastidores era controlada pela ZANU-FP, o partido do governo. Por isso a onda de greves, paralisações e reivindicações - que paralisaram Harare e os principais centros urbanos - foram fortemente reprimidas.

Os sindicatos nunca foram dominados pela camarilha fascistoide de Mugabe. Neste sentido os antigos combatentes foram sempre uma arma ao serviço de Mugabe e seus gangsters: utilizados para furar greves, espancar sindicalistas e interromper de forma violenta as Assembleias de trabalhadores; mais tarde utilizados contra os fazendeiros brancos. Desta forma Mugabe tentou paralisar o poder judicial, o único que não estava sob seu controlo e sempre foi o grande empecilho á concretização do golpe que colocaria o controlo do aparelho de Estado á sua inteira disposição). O governo anuncia novas compensações aos antigos combatentes e um plano de pensões que abrangeu mais de 60 mil veteranos (cada um recebeu a titulo de compensação 50 mil ZW (dólar do Zimbabwe, cerca de 3 mil USD) e uma reforma mensal equivalente a 125 USD (com 1/3 dos 180 milhões de USD usados para as compensações, Mugabe teria satisfeito as revindicações dos operários e trabalhadores urbanos).

Estes 180 milhões de USD representaram 3% do PIB de 1997 e não estavam incluídos no orçamento desse ano fiscal. O resultado sentiu-se no orçamento de 1998, que foi inflacionado em mais 55%. Mas houve um efeito imediato: o Banco Mundial suspendeu a linha de crédito atribuída ao Zimbabwe, até que o governo comprovasse que essa medida não iria influenciar a projeção de 8,9% concedida no orçamento, como limiar do deficit.  §Após o novo pacote de pensões, o bando de Mugabe continuou a manipular os veteranos e estes passaram a exigir a aceleração da reforma agrária (revindicação justa e necessária ao desenvolvimento do país), não porque a clique que controlava o ZANU-FP, estivesse interessada ou envolvida numa estratégia nacional para o desenvolvimento (bem pelo contrário), mas porque tinha de prosseguir a sua campanha de desestabilização, única forma de atingir os seus objectivos etnicistas, racistas e xenófobos. Os veteranos foram instrumentalizados com mestria. Mugabe aprendera com Mussolini (os camisas negras) e com Hitler (os camisas castanhas da SA). 

Em finais de 1997 Mugabe anuncia novos planos, tentando (na aparência) "sacudir a pressão" dos veteranos. O pânico fiscal instalou-se quando 1471 propriedades agrícolas comercialmente activas foram compulsivamente adquiridas pelo governo. O investimento estrangeiro abandonou o país, o que causou o crash da moeda e do mercado de capitais e as reservas em divisas do RBZ foram exauridas.

A 14 de Novembro de 1997 ocorreu a Sexta-Feira Negra, como os zimbabwenos designaram o dia em que o ZW desvalorizou 75% em relação ao USD. Com a sexta-feira negra o Zimbabwe entrou noutra dimensão do espaço-tempo...Mugabe e o seu bando de carteiristas e falsários abriram as portas do inferno.

III  - Em Janeiro de 1998 o governo do Zimbabwe sofre pressões reais (não encenadas pela ZANU-FP e completamente fora do seu controlo) por parte da Zimbabwe Congress of Trade Unions (ZCTU, herdeiro da histórica e combativa South Rodhesia Trade Unions Confederation, mais tarde Rodhesia Trade Unions Congress, reformista), que inicia uma vaga de protestos, paralisações, greves e uma grande greve geral, que paralisou o país por 48 horas. Nas principais cidades irrompem motins nas ruas. Mugabe sabe que os operários e os trabalhadores das áreas urbanas (cosmopolitas, habituados a fazerem greve ao lado dos trabalhadores brancos na Rodésia) nunca aceitaram a visão a "preto e branco" da ZANU e da ZAPU (movimentos com forte implantação nas áreas rurais, mas não nas cidades e muito menos em Harare).

As ameaças dos veteranos (tropa de choque da ZANU-FP) não resultaram com o operariado amotinado de Harare e quando os veteranos tentaram impedir por meios violentos a acção dos piquetes de greve ficaram a compreender que não estavam a lidar com camponeses ou com trabalhadores das fazendas. Na realidade os agressores foram agredidos e depois das suas veteranas cabeças serem partidas e as veteranas costelas estarem doridas, os "veteranos" entenderam, também, o facto da polícia não se aproximar dos piquetes amotinados.

Uma vez mais Mugabe foi derrotado na cidade (sindicatos e tribunais foram "fenómenos" que nunca entendeu). Perante o descontrolo da situação o governo implementa um programa de controlo de preços (um contrassenso disfarçado de paliativo), que deu tempo para negociar com os sindicatos ate aparecer a "carta na manga": em Setembro de 1998, com a economia de rastos, Mugabe envia 11 mil militares para a RDC, em auxílio do governo congolês, a braços com uma rebelião sustentada pelo Uganda e pelo Ruanda. Este movimento de tropas teve, obviamente, um custo pesado para a debilitada economia do Zimbabwe e nem sequer estava orçamentado ou foi tomada qualquer medida de compensação pelo governo.

Com este acto de ilusionismo, Mugabe ganhava tempo para preparar a ofensiva contra os seus dois principais adversários: o movimento sindical e os fazendeiros brancos. Quanto ao "Estado da Nação"...que se lixe!

(continua)

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