Paula
Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
O
que faz correr Mário Soares? O percurso deste "laico, republicano e
socialista" permite-lhe não ser politicamente correto. A única coisa de
estranho é ver alguns portugueses surpreendidos com as suas declarações
inesperadas. Não foi Soares, no exercício do cargo de presidente da República
(é certo, o primeiro-ministro era Cavaco Silva), que apelou ao direito à
indignação? Soares pratica-o, determinado.
Ontem,
reuniu centenas de amigos no seu 90.º aniversário. Forçado ao exílio pela
ditadura de Salazar e Caetano, Mário Soares, um dos fundadores da nossa
democracia, assinou o tratado de adesão de Portugal à CEE. Desempenhou o cargo
de primeiro-ministro e de presidente da República. Na festa de aniversário, que
reuniu amigos de várias correntes políticas, demonstrou uma enorme humildade.
"Não mereço tanto, sou um simples cidadão". Disse mais: tudo o que
fez ao longo da vida, fê-lo pelos outros.
Como
antes, nos dias de hoje, Soares não vira as costas aos amigos. Ele, o líder
histórico do PS, foi dos primeiros a visitar José Sócrates na prisão de Évora.
Fez a visita e usou da palavra, à saída, sem assombro, sem qualquer preocupação
em não ferir suscetibilidades. Meio país ficou indignado, é certo. Nada que
preocupe Soares. Não é um homem de consensos. Mas sabe ler os sinais do tempo,
e, por isso, fizera consensos quando o PSD era social-democrata e o CDS
dirigido por democratas-cristãos. Chegaria mesmo a "meter o socialismo na gaveta".
Mas o Mário Soares genuíno - que aconselhou o presidente da República, Cavaco
Silva, a demitir-se - pratica o direito à indignação. Não teme as ruturas. Nem
deixa os amigos esquecidos. Não foi Soares que visitou na Tunísia o ex-primeiro-ministro
Betino Craxi, fugido à justiça italiana, durante uma visita de Estado?
"Não deixo cair os amigos", disse. Continua igual a si próprio. Os
que veem nisso apenas um sinal de idade avançada, estarão, por certo,
enganados. É apenas Soares, assim mesmo.
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