Apesar
do impacto na administração Obama e as discussões sobre os serviços de inteligência dos EUA que provocou o documento divulgado pelo Senado, analistas
não acreditam que vá haver punições para os culpados.
"A
CIA tem agora um enorme problema de moral", comenta o especialista em
segurança americano Harlan Ullman, em entrevista à Deutsche Welle. "Seus
funcionários pensavam que faziam exatamente o que se esperava deles. Para eles,
essa crítica é devastadora." Ele se refere ao relatório divulgado na
terça-feira (09/12) pelo Senado dos Estados Unidos, contendo sérias acusações
de tortura contra o serviço secreto.
"Não
só o moral da CIA está profundamente afetado", diz Ullman, que já
trabalhou para a Otan e na assessoria de segurança de vários governos
ocidentais. Ele acredita que agora a CIA também teve prejudicada "a
capacidade de continuar a cumprir seu dever". Pois no futuro será menor a
disponibilidade dos funcionários para operar em nome do governo em áreas legalmente
obscuras.
Rachas
no governo Obama
O
relatório do Senado também tornou nítidos os rachas na administração Barack
Obama, entre o diretor da CIA, John Brennan, e o próprio presidente. Enquanto o
chefe de Estado condenou os métodos de interrogatório em termos inequívocos,
chamando-os de "tortura", proibindo-os já no segundo dia de seu
mandato, Brennan os defende, sem mencionar a palavra "tortura".
Para
o autor de Washington James Bamford, especializado em assuntos da CIA, essa
recusa é "um caso clássico de negação psicológica: negar o que
aconteceu". "E Brennan participou", sublinha, referindo-se à
posição do alto funcionário, na época em questão que já era vice-diretor da
CIA.
Teimosamente,
Brennan afirmou na coletiva de imprensa que ele próprio convocou, que após o 11
de Setembro a CIA "fez muitas coisas certas". Com isso, ele se
posicionou novamente em nítido desacordo com o relatório do Senado, que acusa o
serviço secreto dos EUA, em geral, de tortura e abuso de poder. Mas o diretor
da CIA também fez uma autocrítica, ao admitir que alguns funcionários do órgão
empregavam métodos de interrogatório "repulsivos".
O
cisma provocado pelo impacto relatório do Senado, até mesmo dentro da equipe de
segurança do presidente dos EUA, é uma prova de quão profunda é a incerteza
reinante. "Muitos setores do governo reagiram de forma bastante emocional
após o 11 de Setembro, se instaurou quase uma atmosfera de histeria",
lembra Joseph Wippl, que já trabalhou para a CIA. "Havia um sentimento de
que tudo aquilo só tinha acontecido pelas falhas dos serviços de inteligência,
e que eles tinham de fazer algo para compensar."
"Quando
eles recebem cobertura legal para suas ações, então a coisa pode ficar fora de
controle", ressalta Wippl. Seja como for, na entrevista coletiva Brennan
nem cogitou que tenha ocorrido uma falha de liderança.
Terceirizados
para "trabalho sujo"
Como
destaca agora o New York Times, em relação ao relatório do Senado, a CIA
pode, com razão, afirmar ter cumprido ordens da Casa Branca em suas ações
controversas. Seis dias após os ataques, o então presidente George W. Bush já
havia instruído o serviço de inteligência para caçar e prender suspeitos de
terrorismo. No entanto, ele deixou em aberto de que forma e com que base
jurídica isso deveria ser feito. O resultado foi um frenesi de acionismo.
Outro
resultado foi a construção de prisões no exterior, fora da jurisdição da
Justiça dos EUA. Além disso, a CIA contratou numerososcontractors(empresas
terceirizadas) para operar as prisões e fazer o "trabalho sujo", como
dizem alguns.
Harkan
Ullman lembra que, após os atentados de 11 de Setembro, o governo dos EUA
empregou empresas terceirizadas em muitas áreas, não só nos serviços secretos,
pois simplesmente faltava pessoal para as novas tarefas. Para Wippl, contudo,
essa foi também uma forma eficaz de disfarçar a responsabilidade. "Se você
faz parte de uma organização, tem mais responsabilidade e pode ser mais
fortemente culpabilizado do que uma firma contratada."
Sem
consequências jurídicas
Em
2 de fevereiro de 2002, o presidente George W. Bush decretou que os suspeitos
de terrorismo da Al Qaeda não eram prisioneiros de guerra, e, consequentemente,
não gozavam da mesma proteção que estes. Assim abria-se a porta para as
atrocidades hoje discutidas.
De
acordo com o New York Times, apenas dois meses depois Bush aprovou o plano
de abrir uma prisão secreta da CIA na Tailândia. Lá foi, então, interrogado,
entre outros, um dos principais suspeitos de terrorismo, o saudita Abu
Zubaydah, com os "mais duros métodos de investigação", incluindo
simulação de afogamento.
Em
sua entrevista coletiva, o diretor da CIA, John Brennan, fez referência a
reformas há muito implementadas, que evitarão excessos como os verificados
depois do 11 de Setembro. O especialista em segurança Ullman
se mostra cético. "O relatório não terá qualquer consequência a longo
prazo. Presidentes fazem o que têm de fazer. E se tiverem oportunidade de
ordenar operações secretas, vão fazê-lo."
O
especialista tem poucas esperanças de que isso mude no futuro, considerando a
história. "Dois governos americanos tentaram assassinar Fidel Castro. John
Kennedy cooperou com a Máfia. Mesmo que seja absurdo: esse é, obviamente, o
modo como os governos operam."
O
autor James Bamford considera ultrajante que não haja consequências jurídicas
para os autores dos crimes, como no caso recente, e que assassinatos e tortura
permaneçam impunes até hoje. Ullman, por sua vez, acha que está certo.
"Eles tiveram cobertura e mandato do presidente, e a constatação do
secretário da Justiça de que o que faziam era legal". Se alguém deve ser
processado, "essa pessoa é o presidente".
Gero
Schliess (md) – Deutsche Welle
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