segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O PECADO DE JUNCKER E O SERVILISMO DOS CÃES DE FILA




A elite de radicais que dirige Portugal só nos pode fazer sentir vergonha alheia. Portaram-se estes dias como autênticos cães de fila bem treinados.


Mas se este processo de regressão civilizacional em curso teve consequências sociais brutais, a loucura europeia destes anos teve também consequências políticas arrasadoras. Os chamados partidos socialistas protagonizaram uma impressionante viragem à direita sendo protagonistas, aliados ou submissos de todas as políticas de austeridade destes anos. Voltámos a ter que lidar com a brutal ameaça das organizações fascistas e de extrema-direita. E assistimos agora a uma recomposição na esquerda com um conjunto de partidos com um programa anti-austeritário e de desobediência às instituições europeias que conseguem ser maioritários nos seus países.

Era impossível que os burocratas europeus assistissem sem reação a este furacão político. Depois do governo do Syriza na Grécia ter colocado pela primeira vez a hipótese de uma alternativa política de esquerda vencer na Europa e depois do governo alemão ter assumido que é ele quem dirige a política europeia, Jean-Claude Juncker veio num tom surpreendente afirmar que “pecámos contra a dignidade dos povos, especialmente da Grécia, em Portugal e na Irlanda” referindo inclusive que “falta legitimidade democrática à troika”. De facto, só podemos valorizar a autocrítica de Juncker : “Eu era presidente do Eurogrupo e pareço estúpido em dizer isto, mas há que tirar lições da história e não repetir erros”.

Quais serão estas lições e qual a sua tradução política imediata? Vai a Comissão Europeia tomar todas as diligências para que o governo grego possa cumprir o programa político que foi democraticamente sufragado? Vai a Comissão Europeia enfrentar a absurda posição alemã que consiste em dizer que as eleições não contam para nada porque a Grécia só pode implementar mais políticas de austeridade? Tenho dúvidas. Mas se a autocrítica tardia de Juncker nos deve impressionar, o que foi mesmo arrebatador foi a reação das autoridades portuguesas a esta declaração e ao estado de negociação entre a Grécia e a Europa.

Luís Marques Guedes irritou-se e foi direito ao assunto: “Acho, manifestamente, que é uma declaração bastante infeliz do presidente da Comissão Europeia, porque nunca a dignidade de Portugal ou dos portugueses foi beliscada pela troika ou qualquer das suas instituições”. Nunca, jamais, em tempo algum. A profunda crise social que Portugal vive nem sequer beliscou a dignidade de quem vive e trabalha em Portugal.

Maria Luís Albuquerque mostrou-se imensamente indignada pelo facto dos jornalistas só lhe fazerem perguntas pela Grécia e não quererem saber nada sobre o seu milagre da multiplicação. Isto é, num dia ter dito que não há dinheiro para investimento e criação de emprego e no dia seguinte ter encontrado 14 mil milhões de euros no fundo do pote para pagar ao FMI em antecipado.

Cavaco Silva enfureceu-se e à saída de uma feira rural onde não devia haver bolo-rei para todos, decidiu dar declarações para dizer que os contribuintes portugueses já pagaram o suficiente da irresponsabilidade do povo grego. Felizmente falta pouco tempo para este senhor voltar para a sua marquise.

Paulo Portas, no seu estilo de chico esperto, alternou entre o argumento de que “foi a dignidade dos portugueses, o esforço e o sacrifício” que permitiu a recuperação do país (?!) e ao mesmo tempo lembrou que classificou muitas vezes a situação de Portugal como a de um protetorado.

Passos Coelho, depois de ter mandado Maria Luís Albuquerque fazer serventia a Schäuble, afirmou esta sexta-feira no parlamento de que não apoiará nenhuma proposta que beneficie o povo grego e o povo europeu porque “não foi eleito para defender os interesses do Syriza”.

Esta elite de radicais que dirige Portugal só nos pode fazer sentir vergonha alheia. Portaram-se estes dias como autênticos cães de fila bem treinados. Só que daqueles que levam porrada dos donos a toda a hora e, ainda assim, voltam sempre para o seu colo com um sorriso nos beiços.

O seu tempo será curto. Tic-tac. Tic-tac.

*Sociólogo. Dirigente estudantil. Dirigente do Bloco de Esquerda.


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