Ricardo Cabral – Público, opinião
“I
never expect to see a perfect work from imperfect man. The result of the
deliberations of all collective bodies must necessarily be a compound, as well
of the errors and prejudices, as of the good sense and wisdom, of the
individuals of whom they are composed.” Alexander Hamilton
“Se
eu estivesse errado, bastaria um!”, Albert Einstein, em resposta ao livro
alemão, de 1931, “100
autores contra Einstein”.
Alexander Hamilton,
um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos, um dos génios por detrás da
Constituição dos Estados Unidos e posteriormente estadista, ficaria certamente
chocado com o Estado da União Europeia e, em particular, da União Económica e
Monetária (i.e., da zona euro).
A
forma como a zona euro foi sendo construída desde os anos 90 – desenhada por
tecnocratas não eleitos, em reuniões com documentos de trabalho confidenciais
como, por exemplo, os elaborados pela Comissão Monetária – deu os resultados
que estão à vista de todos.
Em
anos recentes, os processos que condicionam os resultados a que se refere
Hamilton na citação acima, em vez de melhorarem, deterioraram-se. Por exemplo,
deixaram de ser feitos referendos aos Tratados Europeus que promovem mais
“integração” europeia.
Ao
invés, os tecnocratas, as instituições de governo da União Europeia e os
próprios governos dos países membros, têm recorrido, de forma crescente, a
Acordos Intergovernamentais que, não prevendo cláusulas de saída, muito
dificilmente são revogáveis. O país que subscreve um acordo, não consegue
posteriormente sair dele, relembrando a letra da música Hotel
Califórnia.
Mas
não foram só os tecnocratas e os governos que falharam. Os representantes do
povo – os membros do Parlamento Europeu – que deveriam vigiar e questionar o
poder executivo europeu – as instituições de governo europeias – também parecem
ter ficado, no seu conjunto, muito aquém das suas responsabilidades.
Por
exemplo, a última legislatura do Parlamento Europeu que concluiu o seu mandato
em Maio de 2014 operou, colectivamente, uma das maiores transferências de poder
dos países membros para o poder executivo central da União Europeia, aprovando,
em alguns casos, autênticos cheques em branco a favor das instituições de
governo da União Europeia. A legislação aprovada inclui, por exemplo, o
mecanismo único de supervisão bancária, o mecanismo único de resolução
bancária, vigilância
apertada a países em dificuldades, o “Two Pack” e o ”Six
Pack”. O Parlamento Europeu fê-lo, é certo, com o acordo tácito dos
governos nacionais.
A
legislação que suporta os dois mecanismos de supervisão e resolução bancária foi
aprovada no Parlamento Europeu com muito elevadas votações, a níveis dignos de
regimes totalitários (87%, ~85%, 87%)[1]
– estou consciente que a frase anterior é chocante, mas a intenção é fazer
pensar – não obstante a falta de detalhes e os insuficientes controlos
instituídos sobre os poderes ora concedidos.
Os
resultados desta nova legislação são muito significativos: antes da legislação
e dos acordos sobre supervisão e resolução bancária, o BCE já controlava a
política monetária e a emissão de moeda nos países membros. Têm sido vários os
exemplos sobre como esse
poder sobre a moeda pode condicionar as democracias europeias, constituindo
as recentes decisões em relação à Grécia apenas mais um caso.
Agora,
após a completa implementação desta legislação, o BCE passará a controlar os
bancos com cerca de 85% dos activos bancários da zona euro (que representam
cerca de 23 biliões de euros de activos financeiros, ou seja, cerca de 240% do
PIB da zona euro). Um poder desmedido em economia de mercado.
Dir-se-á
que votações do Parlamento Europeu com maiorias de 87% indicam que os
parlamentares estão certos, com certeza. Mas a citação de Einstein acima
lembra-nos que 87% é uma percentagem demasiado elevada para nos dar a confiança
de que, de facto, esses membros do Parlamento Europeu têm razão. Essa
legislação promove uma gigantesca transferência de poder económico e tem
implicações que, para a maioria das pessoas, não são claras. Não é natural que
essa legislação tenha sido suportada por 87% de votos dos representantes dos
povos europeus. Maiorias dessa ordem de grandeza raramente se verificam nos
parlamentos nacionais de países democráticos, e são surpreendentes em questões
tão polémicas e tão importantes. Tais maiorias são, ao invés, um sinal que algo
não vai bem no processo de escrutínio de novas propostas de legislação pelo
Parlamento Europeu.
Após
essa legislação, com a política monetária e a banca (crédito bancário e sector
financeiro) sob o firme controlo do independente e tecnocrático BCE, com
o Pacto
Orçamental, que poder económico resta às democracias europeias?
Um
resultado dessa nova legislação europeia já foi sentido pelo novo governo da
Grécia, ao procurar nomear alguém
da respectiva confiança para um banco privado (“Banco Nacional da
Grécia”). Se o governo grego excedeu os seus poderes com essa decisão, os
interessados (accionistas) podem recorrer à justiça grega e inclusive à justiça
europeia para fazer valer os seus direitos.
Mas
o BCE fez já saber que a legislação europeia permite que o BCE vete qualquer
alteração à gestão dos bancos de um país membro. Mais, o BCE determinou que
todos os gestores de topo de bancos supervisionados pelo BCE terão de ser
previamente entrevistados pelo BCE.
Será
que o BCE irá aceitar gestores que sejam críticos ou que não partilhem das suas
ideias?
Este
caminho afasta-nos da democracia…
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