Será
que a solução para a atual crise política seria a renúncia de Dilma?
Tarcísio
Lage, de Hilversum – Correio do Brasil, em Direto da Redação
Ricardo
Kotscho, amigo de Lula a quem serviu como Secretário de Imprensa, propôs sem
meias palavras a renúncia de Dilma, alegando que ela se meteu num poço sem
fundo.
Kotscho
não pode ser colocado na vala comum dos golpistas, muitos deles na origem do
movimento que promete atear fogo no País no dia 15 de março, os idos de março
de que falava o cego adivinho a César. Conheço muito bem seu trabalho
jornalístico e não tenho dúvidas sobre sua honestidade intelectual. E, mais,
compartilho de suas dúvidas sobre a inoperância da presidenta e seu gabinete
com o nauseabundo cheiro do neoliberalismo.
No
entanto, não concordo com sua tese, eu diria otimista, que com a renúncia da presidenta
poderia ser formado uma espécie de governo de salvação nacional sob o comando
dos partidos majoritários no parlamento. Talvez, no máximo, um governo
possível, para evitar a alternativa do golpe. No entanto, um governo ainda mais
conservador e neoliberal.
Não
há como fugir da triste realidade que o governo Dilma está hoje
atravessado na garganta de muita gente de esquerda, sobretudo de militantes do
PT. Difícil engolir ministros do tipo Joaquim Levy e Katia Abreu e tudo isso
dentro da turbulência do escândalo da Petrobrás, que só agora explodiu com a
Operação Lava a Jato. Poderia ter sido antes, por exemplo, em 1997, quando
Paulo Francis denunciou a mesma roubalheira. No entanto, na época, a Polícia
Federal só se ocupava do joguinho de gato e rato com traficantes e
contraventores de menor importância.
No
dia 3, no Senado, assistimos o espetáculo hipócrita de Renan Calheiros,
sorridente, sendo cumprimentado por Aécio Neves, por ter devolvido o projeto de
ajuste fiscal proposto pelo governo. Quem viu a campanha eleitoral, e não está
cego pelo partidarismo, sabe muito bem que esse ajuste seria…vamos dizer assim,
o carro chefe de Armindo Fraga, o Joaquim Levy previamente escolhido por Aécio.
Então,
a renúncia de Dilma ou daria uma nova eleição em que a direita ganharia de
longe ou a ocupação da presidência pelo Michel Temer. Nos dois casos seria,
antes de tudo, o desmoronamento da política de distribuição da renda e a
aceitação da tese neoliberal de que a camada de miseráveis e famintos não tem a
menor importância para o mercado. A tese da renúncia, defendida por Ricardo
Kotscho, assenta-se na tese de que a política é a arte do possível.
No
entanto, a permanência de Dilma na presidência, mesmo com os pés atolados na
lama do poço, parece ser a única alternativa democrática, como a democracia é
entendida no Ocidente e na Constituição de 1988. Para haver impeachment são
necessárias provas legais de seu envolvimento nos crimes denunciados na
Operação Lava a Jato. E é quase certo que não existam. Alguns advogados falam
de improbidade administrativa. Difícil. Só agora ela está entrando em seu
terceiro mês do segundo mandato, tempo curto para tal julgamento. E, o primeiro
mandato, foi aprovado nas urnas em outubro.
Uma
solução mais duradora para os problemas que o País enfrenta agora seria uma
nova reforma política radical, não excluindo uma nova Constituição ou, quem
sabe, um plebiscito para substituir o presidencialismo pelo parlamentarismo, um
pouquinho mais democrático do que o primeiro, onde não se dá um carta em branco
de quatro anos a uma pessoa. Já aconteceu no Brasil, quando Tancredo Neves foi
o primeiro ministro de João Goulart, logo após a renúncia de Jânio Quadros. No
entanto, o regime foi imposto por militares e políticos de direita que não
queriam dar posse a Jango. Durou pouco mais de um ano e foi, por assim dizer,
uma avant première do golpe de 1964.
E
aqui chegamos às alternativas para a crise atual.
1)
Dilma renuncia como propõe Ricardo Kotscho e certamente outros setores da
esquerda
2) O Congresso vota o impeachment, o que é legal e politicamente muito difícil.
2) O Congresso vota o impeachment, o que é legal e politicamente muito difícil.
3)
Dilma é derrubada sob o furor de tropas de choque da classe média das grandes
cidades, dando lugar a um regime de exceção.
O
estopim para esse golpe pode ser aceso no dia 15, os idos de março. No dia 13,
o PT e partidários do governo também fazem manifestação em defesa da presidenta
Dilma. É difícil prever se uma ou outra será pacífica. O clima tem o jeito e o
odor do que se passou em março de 1964.
Vivi
intensamente essa época e o golpe que mergulhou o Brasil em 20 anos de ditadura
que prendeu, torturou e matou muitos de seus oponentes. Às vezes, até imagino
como teria sido o embate de palavras se houvesse na e época a internet e
programas como o facebook. Mas não creio que teria sido diferente, pois não há
como uma população desarmada resistir a um golpe armado. O Clube Militar está
colocando as mangas de fora e não se sabe o peso de sua influência nos
quarteis. Felizmente, para os Estados Unidos, que apoiaram ativamente o golpe
de 64, parece não ser interessante, no momento, estar por trás de um movimento
armado no Brasil. Mas também temo, que num fato consumado, o império vai ficar
com o vencedor. E é também preciso lembrar que as multinacionais, concentradas
nos EUA, estão de olho há muito tempo na Petrobrás.
Considero
positivo o uso da internet, mas repito, é preciso ter consciência de que é uma
arma de dois gumes, onde cada um tem liberdade quase ilimitada de dizer o que
lhe der na telha. Quero enfatizar. A internet é um instrumento de
democratização maravilhoso sem estar sujeito à regras de nenhum país e as
tentativas de censurá-la são complicadas mesmo para uma potência como a China,
onde o capitalismo de Estado faz e acontece.
Tal
qual a liberdade da internet, não cabe a governo nenhum impedir manifestações
políticas contra suas posições. Os mais afoitos, no entanto, devem saber que a
Constituição não permite atos violentos e dá o direito de resposta a qualquer
pessoa ou entidade que for injuriada em qualquer meio de comunicação. Ou de
processar, se houver calúnia comprovada, entidades ou pessoas.
Essas
restrições são em maior ou menor grau respeitadas pela grande imprensa, mesmo
agora na campanha serrada contra o governo. A exceção é a revista VEJA, que
calunia e difama sem respeitar nenhuma regra. Se fosse nos EUA ou na Europa, a
revista já teria sido sacrificada nos tribunais por calúnia e difamação. Vale
aqui lembrar mais uma vez o caso de Paulo Francis envolvendo a Petrobras nos
idos 1997. Ele denunciou a corrupção existente na estatal e afirmou que todos
seus diretores tinham contas graúdas na Suíça. No entanto, não tinha provas
concretas e a denúncia foi feita no programa Manhatan Conection, transmitido
para o Brasil de Nova Iorque. Foi processado pelo então presidente da Petrobrás
nos Estados Unidos e condenado a uma multa de 100 mil dólares. Meses depois ele
morreu vítima de um enfarte.
Seja
o que acontecer nestes idos de março, o certo é que o Brasil dificilmente
continuará o mesmo.
A
Operação Lava a Jato, com o poder dado à PF para investigar a corrupção de
políticos e grandes empresários a partir do governo Lula, vai colocar muita
gente do Congresso na linha de fogo dos tribunais. E se Dilma sobreviver ao
terremoto, ela não poderá continuar fazendo ouvidos mocos à crítica que vem da
esquerda e demita os ministros que colocam o governo na rota neoliberal. Nesse
caso, para manter o governo, teria de convocar a militância dos que a elegeram
e são avessos ao neoliberalismo. Não creio nessa alternativa.
O
mais provável é que ela se torne ainda mais dependente do saco de gatos que é o
PMDB e os outros partidos fisiológicos que compõem o governo. A política sendo
a arte do possível, como disse o Otto von Bismarck, o unificador da Alemanha,
mesmo tendo nas mãos um exército todo poderoso. Não está nem descartado um
governo com a participação do PSDB, pois não creio que a liderança desse
partido deseje um golpe de Estado ou que o Brasil mergulhe numa crise
institucional.
- Tarcísio
Lage, jornalista e escritor, trabalhou nas emissoras internacionais
Rádio Suíça Internacional e Rádio Nederland. Seu último livro As Transas do
Poder foi recentemente lançado. Exilado durante a ditadura militar, vive na
Holanda.
- Direto
da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui
Martins
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