Martinho
Júnior, Luanda (textos anteriores)
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– Sair de Angola em plena colonização, era quantas vezes, para os jovens
angolanos que viveram 1961 e toda a década de 60 (bem como a primeira metade da
década de 70), o primeiro acto patriótico e revolucionário, uma verdadeira
passagem para a maioridade, mas a vida não se podia esgotar aí, pois os
desafios impunham-se individual e colectivamente, em prol da Libertação do
continente e da própria Angola, impunham-se, duma forma ou de outra, às
trajectórias de cada um e era sempre premente optar.
O
simples acto de estudar nas condições do exílio, era uma das respostas
possíveis perante a multiplicidade dos desafios, mas as respostas mais
esclarecidas, tarimbadas pela dialéctica da vida, obrigaram muitos até a
abandonarem os estudos, por que para a uma grande parte da juventude participar
na Luta de Libertação era algo que os mobilizava e os fazia deixar para um
segundo plano os projectos individuais!
O
ambiente em África, tinha-se alterado profundamente com as independências e
havia muitos estados e entidades que eram, consciente e resolutamente,
incondicionais apoios não só em relação aos estudantes, refugiados e suas
aspirações, mas para com aqueles que entendiam não haver outra alternativa
senão “dar o corpo ao manifesto” na e pela Luta armada.
Os
jovens que chegavam ao exterior a partir das mais diversas vias e das mais
diversas conjunturas, tiveram opções distintas: uns continuaram os seus estudos
sem nunca ingressarem nessa Luta, outros preencheram as mais diversas
organizações, desde a CONCP, à CVAAR, à UNTA, para além das organizações
sócio-políticas elas mesmas empenhadas na Luta, como a UPA e o MPLA.
Assim
sendo, ingressar nas fileiras era a confirmação do acto revolucionário e
patriótico, até por que em muitos países africanos essa opção era tida como a
única possível, legítima, digna e perfeitamente justificável!
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– Países como a Argélia, a Tunísia, Marrocos, a Guiné Conacry ou o Gana, foram
entre outros e a seu tempo, suportes que permitiram a formação guerrilheira.
A
Argélia destacou-se mesmo antes de chegar à independência alcançada a ferro e
fogo por que, em função da conjuntura histórica, se tornou no cadinho que
permitiu contactos e troca de experiências de jovens revolucionários
provenientes sobretudo de três continentes: África, América Latina e da própria
Europa.
A
Frente Nacional de Libertação da Argélia, conforme o compêndio histórico
relativo a 1961 fez lembrar e bem, considerava “que a abertura de novas
frentes de combate constituía uma base de apoio para a sua própria luta”…
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– Alguns quadros da Frente Nacional de Libertação da Argélia, como Frantz
Fanon, eram provenientes da América Latina, eles próprios descendentes de
escravos de origem africana, pelo que a inteligência na compreensão dos
fenómenos e as energias que se levantavam, eram movidas pela ânsia em levar a
cabo resgates históricos que se impunham de há séculos, que se impunham
colocando desde logo a nu a psicologia tanto do colonizador como do colonizado,
como fundamento da própria legitimidade de Luta de Libertação para todos
aqueles que sofriam a opressão!
Assim
foi que em 1962, já com a Argélia independente, em Marnia passaram a ser
viabilizados vários tipos de apoio e a ser formados muitos guerrilheiros.
Na
Mensagem que Ernesto Che Guevara endereçou mais tarde (publicada no dia 16 de
abril de 1967 por via da Tricontinental), havia traços dessa saga: … “cómo
podríamos mirar el futuro de luminoso y cercano, si dos, tres, muchos Viet-Nam
florecieran en la superficie del globo, con su cuota de muerte y sus tragedias
inmensas, con su heroísmo cotidiano, con sus golpes repetidos al imperialismo, con
la obligación que entraña para éste de dispersar sus fuerzas, bajo el embate
del odio creciente de los pueblos del mundo!
Y
si todos fuéramos capaces de unirnos, para que nuestros golpes fueran más
sólidos y certeros, para que la ayuda de todo tipo a los pueblos en lucha fuera
aún mas efectiva, qué grande sería el futuro, y qué cercano!”…
…
e Ernesto Che Guevara passou por Marnia em Julho de 1963, juntando suas
convicções profundas à Luta de Libertação em África determinante na Luta contra
o colonialismo e, mais tarde, na Luta contra o “apartheid” e suas
sequelas!
Foi
nesse ambiente que se formaram alguns dos jovens guerrilheiros e por isso não é
de estranhar suas profundas convicções, seus princípios e a sua indómita
vontade de levar por diante a Luta que se alimentava da legitimidade dos povos
africanos para assumirem por inteiro a possibilidade de um dia se tornarem
autores do seu próprio destino!
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– Logo nas primeiras fornadas de guerrilheiros da Luta de Libertação em Angola,
se integraram muitos daqueles cuja trajectória de vida tinha passado pelas
próprias Forças Armadas Portuguesas, o que nos introduz um tema bastante rico,
que tem sido muito pouco explorado pelos historiadores: que tipo de
contradições se foi acumulando dentro dos próprios instrumentos de poder
fascista e colonial, cuja radicalização poderia levar não só à deserção, mas
também ao alinhamento incondicional de tantos, de armas na mão, ou noutras
frentes (incluindo dentro das FAP e apesar da NATO), no sentido de potenciar o amplo
espectro de acção e influência do Movimento de Libertação em África?
Como
essas contradições internas contribuíram para o desgaste dos instrumentos de
poder do Estado Novo, ao ponto de, entre outras evidências, haver a explosão
libertária do 25 de abril de 1974 em Portugal?
Muito
recentemente, o General Miguel Júnior que publicou “Guerra colonial – o
envolvimento das Forças de Defesa da África do Sul, no Sudeste de Angola –
1966-1974” (“Um estudo de contra-insurreição”), pelo recurso a relatórios
das SADF em relação às Forças Armadas Portuguesas, abriu um pouco a janela
nessa direcção, não indo mais longe por que ficou pelo realce do facto dos
oficiais sul-africanos terem um pensamento estruturalista incapaz de perceber o
ambiente académico que se viveu em Portugal no ocaso do Estado Novo, incapaz de
recorrer à dialéctica na observação dos fenómenos e por isso limitados na
radiografia e na análise ampla e bem documentada que fizeram da actuação dos
instrumentos de poder colonial em Angola, na época a que se reportam e tudo
isso apesar dos privilegiados acessos que tiveram.
Os
oficiais sul-africanos, se bem que preparados para a contra-subversão,
subvalorizaram, ou nem sequer tiveram minimamente em conta a análise dos
contraditórios (muitos ocorridos em cenários que também ultrapassavam o
território por eles observado) e por isso não souberam prever a eclosão do 25
de abril, algo que aliás escapou também a muitos outros, inclusive dentro da
própria NATO…
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– O compêndio histórico da ATD, traz-nos em relevo muitas evidências humanas
das contradições que existiam quer na sociedade de então, quer dentro dos
próprios instrumentos de poder do Estado Novo fascista e colonial, que
resultaram por exemplo em muitas deserções de angolanos; cito algumas delas:
-
Africano Neto (alferes Miliciano) e médico;
-
José Rodrigues Ferreira (1º cabo de artilharia);
-
Tomás Ferreira “tornar-se-ia o primeiro Comandante das Milícias do MPLA”;
-
Henrique Teles Carreira, “Iko” (Comandante na guerrilha e o primeiro Ministro
da Defesa da Angola independente);
-
Benigno Vieira Lopes (Ingo), general e membro da “Associação Tchiweca de
Documentação”…
O
Movimento de Libertação em África, pelas contradições que foi gerando na
sociedade portuguesa, como nos instrumentos de poder do Estado Novo, pode-se
considerar como um factor de liberdade que transcendeu África e América Latina
e fez-se repercutir em alterações sócio-políticas profundas pelo menos nas
periferias da Europa e da NATO!...
Estudo
histórico algum de empenhamento em termos de contra-subversão deveria perder de
vista a análise dos factores contraditórios dentro das sociedades que fossem
envolvidas por tais tensões, nem da evolução dos múltiplos sectores de vida
nessas sociedades, sobretudo sectores componentes dos instrumentos de poder de
estado!
Em
relação ao fascismo, ao colonialismo, ao “apartheid” e às suas
respectivas sequelas, nada há que os possa justificar e por isso se tornaram
tão dignos os exemplos daqueles que assumiram precisamente a opção contraditória,
no caso de 1961, ao poder do Estado Novo.
O
compêndio “1961 – Memória dum ano decisivo” está recheado de exemplos
de muitos que assumiram quantas vezes duma forma heróica e sacrificada essa
contradição, sem esgotar a libertária torrente humana de então mas abrindo
caminho para explorar esse tema imenso muito para lá dos seus próprios
intervenientes e suas trajectórias, algo que aliás não se pode deixar de ter
bem presente nos dias de hoje, até por que, quando o MPLA alcançou finalmente a
independência, foi a juventude empenhada na Luta que garantiu a soberania, a
sua preservação e a sua continuidade contra o “apartheid” e contra as
sequelas a que me tenho referido, ainda que houvessem alterações substanciais
de época para época no carácter do aparelho de estado…
10
– … Hoje, sobretudo a juventude pode e deve ser o garante da Luta contra o
subdesenvolvimento crónico que em África advém do passado, num longo processo
que se tem agora e durante as próximas décadas a oportunidade de travar, dando
seguimento lógico à história da Libertação em África, onde se inscreve a Luta
de Libertação Nacional!
Angola
tem rumo numa lógica distinta, com sentido de vida, pelo que a responsabilidade
histórica deve ser entendida como constante e determinante nos esforços de
resgate que deverão nortear as gerações presentes e futuras em benefício de
todo o povo angolano, conforme à responsabilidade e à determinação cujo exemplo
se bebe no passado ainda próximo “que estamos com ele”!
Essa
é uma lição que se descobre por via de muitos contributos, entre eles o
contributo inestimável e tão responsável da ATD!
Foto
recolhida do compêndio “1961 – Memória dum ano decisivo” – Campo de
Marnia /Argélia (julho de 1963). Da esquerda para a direita: Benchehida
(argelino); João Pedro Camilo (EPLA); Ernesto Che Guevara; Sala Hadji (FNL);
Augusto Germano Araújo (EPLA); Benigno Vieira Lopes, “Ingo” (EPLA);
combatente argelino – foto cedida por B. Vieira Lopes.
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