Martinho Júnior, Luanda (ver textos anteriores)
7
– O poder militar a que recorreu o “apartheid” esgotou-se no “pântano” do
Kuando Kubango e na pressão avassaladora que sofreu no Cunene, o que não
acontecia no campo oposto, em que se assistiu a um esforço enorme que além do
mais introduzia meios adicionais em quantidade e qualidade até então nunca
atingida nas duas províncias do Sul e Sudeste.
Vários
factores terão concorrido para que as SADF/FALA se concentrassem a leste,“desabrigando” relativamente
a ala ocidental dessa linha e essa limitação geo estratégica contribuiu para o
abandono definitivo da opção militar que conduziu a transformações
sócio-políticas profundas na África Austral, quando a oeste perderam
iniciativa, posição atrás de posição, tiveram um aumento considerável do número
de baixas e o domínio do espaço aéreo.
Entre
os vários factores concorrentes para esse lapso geo estratégico das SADF, há
contenciosos históricos da presença na área:
Efectivamente
as SADF criaram uma cultura de presença no Kuando Kubango e no sul Moxico mais
do que em qualquer outra região de Angola (22 anos), por que elas estavam já coligadas
às Forças Armadas Portuguesas naquela província do sudeste de Angola,
procurando a todo o transe dar combate à infiltração do MPLA, como da SWAPO
entre 1966 e 1974, uma contradição que aliás favoreceu a aproximação das duas
guerrilhas e o distanciamento definitivo da SWAPO em relação à UNITA.
No
Cunene a presença do “apartheid” ocorreu durante 8 anos, de 1980 a
1988, sustida no seu ímpeto pelo baluarte em que se tornou a Cahama e sempre em
função dos conceitos da “border war”, que levou o “apartheid” a
criar um anel de bases aéreas bem junto à fronteira do Sudoeste Africano com
Angola, algo desastroso perante a ameaça de forças superiores e com o domínio
do espaço aéreo.
A
presença das SADF no Kuando Kubango entre 1966 e 1975, em estreita aliança com
as Forças Armadas Portuguesas e com a UNITA, teve como base principal o Kuito
Kuanavale, onde se encontravam os helicópteros PUMA, utilizados
preferencialmente pois podiam colocar num raio de acção maior, unidades móveis
de contra guerrilha de 22 elementos.
A
perspectiva de contra-insurreição das SADF, bebida por via de seus contactos
directos associados às respostas do colonialismo português no Sudeste de
Angola, foi conjugada aos conceitos da “guerra de fonteiras” que
integraram também o emprego de forças convencionais, que foram concentradas
precisamente no Kuando Kubango em defesa da Jamba e no ataque que elas foram
tentadas a fazer ao Kuito Kuanavale.
Essa
maior cultura de presença das SADF no sudeste foi logicamente importante para a
aglutinação no plano operacional, quer dos Flechas às ordens do Inspector da
PIDE/DGS, Óscar Piçarra Cardoso (que viriam a formar o Batalhão 31, que
integrou desde logo a Operação Savanah), quer de dissidentes do MPLA e membros
da FNLA que acompanharam a deriva de Daniel Chipenda (que formaram o Batalhão
32, conhecido por Batalhão Búfalo, também ele presente na mesma Operação e
subsequentemente durante toda a campanha das SADF), quer o alinhamento
incondicional da UNITA (e das FALA), explorando o êxito do agenciamento de
Savimbi na Operação Madeira, realizada com tanto empenho pelas autoridades
coloniais portuguesas, com reflexo na decisão de instalação na Jamba, a base
principal da organização, precisamente no canto sudeste de Angola.
De
acordo ainda com os conceitos da “borders war”, a SWAPO estava também
muito mais activa entre o Cunene e a Ovambolândia, do que entre a Zâmbia, o
Kuando Kubango e a faixa de Caprivi, por razões de geo estratégia e por razões
humanas:
-
Por razões de geo estratégia por que a partir do Cunene os acessos ao coração
da Namíbia, Windoek, ficavam muito mais acessíveis;
-
Por razões humanas, por que a SWAPO possuía uma forte base de mobilização e
recrutamento no Cuanhama/Ovembolândia, com a vantagem da maior parte da
população da Namíbia estar concentrada na Ovambolândia, imediatamente a sul da
fronteira de Santa Clara.
8
– A presença continuada dos meios de inteligência e militares do “apartheid” de
1966 até à derrota das SADF em 1988, mereceu também a atenção e o empenho de
enredos integradores do“lobby” dos minerais, com os interesses do cartel
de diamantes à cabeça: a De Beers havia adquirido a concessão de exploração de
Mavinga, no Kuando Kubango, o que sintomaticamente influenciou no facto dos
serviços de inteligência do “apartheid”, coligados a interesses do “lobby”dos
minerais (Anglo American, De Beers e Lonhro, por exemplo), aparecerem com tanto
peso em Lusaka, procurando influenciar Kenneth Kaunda e incrementar divisões
internas tanto no MPLA como na SWAPO!
As
trajectórias de Savimbi e de Daniel Chipenda têm tudo a ver com isso.
A
decisão da criação da base principal da UNITA na Jamba, próximo das bases
principais dos Batalhões 31 e 32, tal como a cultura da incidência maior da
presença das SADF naquela região resultou também, sem qualquer margem para
dúvidas, de contenciosos históricos que constituíam por si uma verdadeira “herança
colonial” que acabou por limitar a capacidade de discernimento geo
estratégico do “complexo” SADF/FALA/SWATF!
Foto:
Mapa das principais localidades no amplo teatro de operações que teve p Kuito
Kuanavale como ponto de viragem na “border war”. (clicar para ampliar)
Artigos
anteriores (os dois primeiros publicados em janeiro e o terceiro publicado em
março de 2008, no Página Um, a retirados da blogosfera):
- Cuito
Cuanavale – Vinte anos depois – I;
-
Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – II;
-
Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – III.
- Bibliografia
de R. Alport – http://www.rhodesia.nl/cuito.htm;
-
A batalha do Cuito Cuanavale – Vitória mítica de Cuba – http://rubelluspetrinus.com.sapo.pt/canavale.htm;
-
Guerra de fronteira no Sul de África – http://sistemasdearmas.com.br/ca/bushwar1.html
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