sábado, 11 de abril de 2015

A PROPÓSITO DO KUITO KUANAVALE – IV



Martinho Júnior, Luanda (ver textos anteriores)

9 – Ao se comemorar este ano a vitória do Kuito Kuanavale, especial atenção têm prestado os angolanos ao triângulo do Tumpo, o dispositivo defensivo onde se atolaram as unidades das SADF/FALA, que foram travadas na tentativa de tomar aquela localidade estratégica.

É evidente que, sendo legítimo realçar o imenso esforço realizado no triângulo de Tumpo, não se pode nem se deve alhear os vasos comunicantes estabelecidos numa longa frente que se espraiava para oeste, fortalecida sobretudo até ao rio Cunene, que integrava dispositivos sincronizados de angolanos, cubanos e namibianos.

A batalha do Kuito Kuanavale só pode e só se deve estudar no seu âmbito mais alargado e, ao se estruturar por parcelas os argumentos, conforme fizeram este ano o Jornal de Angola, a ANGOP e outros, só favorece os pontos de vista dos que afinal foram derrotados, assim como de todos os projectos que eles tinham para a África Austral e para Angola: a construção duma constelação de“bantustões” que seriam à imagem e semelhança do “grande bantustão” que já existia no Zaíre sob os governos de Mobutu, onde a “autenticité” já o assumia explicitamente, ou do “bantustão” a “céu aberto” da Jamba, amparado pelas bases das SADF/SWATF instaladas na faixa do Caprivi.

Servia também ao “apartheid” tanto o arreigado “maoismo”, como a cultura ultra conservadora“cristã” de Savimbi, que na prática acabava por se traduzir efectivamente por um etno-nacionalismo (conforme considera René Pélissier), tão estreito, tão estreito, que teve uma implicação directa entre o seu poder (cada vez mais despótico) e a massa camponesa, meio analfabeta, meio alienada, meio motivada por razões étnicas, que lhe alimentava a guerrilha da UNITA (pode-se constatar na radiografia que Dora Fonte fez no seu depoimento esclarecedor sobre os militares, sobre a JURA e as crianças-soldado que compunham a mobilização das FALA, em “O rapto”).

De facto o poder despótico de Savimbi, que se foi acentuando ao longo de sua vida e sua trajectória, inibia-o a ele de atrair outros grupos sociais fora do campesinato nas condições que ele se dispunha e em estrito compromisso com a sua causa e isso revelar-se-ia duramente, quando ele mais tarde se decidiu pela “guerra dos diamantes de sangue”, conforme à ideologia que criou (constate-se a“encomenda” elaborada com Atsutsé Kokouvi Agbobli,  em “Jonas Savimbi, Combats pour l’Afrique et la democratie”).

As personalidades de Savimbi, de Alexandre Tati e de Daniel Chipenda, como a de Afonso Dlakama em Moçambique, encaixam no perfil pouco conhecido de elementos que poderiam ter sido aliciados pela “Aginter Press”, uma plataforma formada pela CIA e a PIDE/DGS em Portugal, que teve poderosos braços actuantes em África, em reforço primeiro do colonialismo do Estado Novo, posteriormente do “apartheid”, algo que ainda é menos conhecido, mas não se pode perder de vista tendo em conta as experiências da Rodésia de Ian Smith, de Moçambique e de Angola.

Entre as acções que se são apontadas à “Aginter Press” estão o assassinato de Eduardo Mondlane (3 de fevereiro de 1969) líder da FRELIMO e de Amílcar Cabral (20 de janeiro de 1973) líder do PAIGC, para além do assassinato do General Humberto Delgado (13 de fevereiro de 1965).

O Chefe de Brigada da PIDE/DGS, Casimiro Monteiro, um dos assassinos do General Humberto Delgado, é indicado pelo seu antigo colega, Inspector Óscar Piçarra Cardoso, como pertencente à“Aginter Press”…

O ELP, o MDLP, o Movimento Maria da Fonte, o FRA e o ESINA, poderão ter sido organizações portuguesas formadas em parte por operacionais que também haviam integrado os vínculos que estavam na origem da “Aginter Press” (redes Gládio, “stay behind” da NATO), após o 25 de abril de 1974, pelo que, personalidades operacionais como o Sub Director da PIDE/DGS Barbieri Cardoso (chefe do ELP), o Oficial da Marinha de Guerra Portuguesa Alpoim Galvão (que foi chefe dos bombistas do MDLP), o Coronel Santos e Castro (que participou do lado da CIA na batalha de Kifangondo), o Major Comando Alves Cardoso, o Sargento da PIDE/DGS perito em explosivos, Mourão da Costa, ou o Inspector da PIDE/DGS Óscar Piçarra Cardoso (um dos criadores dos Flechas e assessor de Savimbi do lado das SADF), indiciam ter sido ou foram “homens de mão” dos mesmos vínculos que fomentaram essa organização, tal como teriam sido, cada um a seu modo, os Generais Spínola e Kaulza de Arriaga.

O autor de “Jogos Africanos”, Jaime Nogueira Pinto, é outra das personagens que encaixam esse“modelo” de perfis, tendo criado o FRA e depois funcionado em estreita ligação e apoio a Savimbi e a Afonso Dlakama, derivando agora, depois de 2002, na ligação a alguns Generais angolanos, com interesses recíprocos pelo menos em negócios, como por exemplo o General N’Dalu…

No seu livro “Jogos Africanos”, Jaime Nogueira Pinto fornece algumas pistas em relação à sua assiduidade em relação ao “Le Cercle”, nomeadamente em relação a uma entidade ao nível de Franz Joseph Strauss…

Outro dos “homens de mão” dessa organização, poderia ter sido Daniel Roxo, que participou na Operação Savanah contra Angola, integrado nas SADF, tal como o Sargento Mourão da Costa…

A superestrutura doutrinária, ideológica e sócio-política da Gládio, da Loja P-2, das redes “stay behind” da NATO e por tabela da “Aginter Press”, correspondia a um grupo que dava pelo nome de “Le Cercle”, uma iniciativa privada ao nível dos escalões das aristocracias e dos poderes mais proeminentes na Europa e Estados Unidos, que faziam a ponte privada entre um Vaticano pan europeu, ultra conservador e a inteligência anglo americana, onde não só coube o Estado Novo fascista da Concordata com a Santa Sé, mas também os elementos mais conservadores das alas da Igreja Católica e Apostólica Romana, com alguns similares das igrejas protestantes anglo-saxónicas.

Do “Le Cercle” chegaram a fazer parte entidades africanas ao nível de Mobutu, de Savimbi, de Ian Smith, dos Botha, dos Oppenheimer, ou dos Tiny Rowlands, todos eles absorvidos pelas casas aristocráticas dos Rothschields e dos Rockefeller “lobby dos minerais”), pelo menos durante um determinado período de suas vidas e trajectórias…

A outra actividade gerada a partir do “Le Cercle” foi a instauração da mega Operação Condor, na América Latina, com a emergência das ditaduras e o agenciamento das oligarquias nacionais latino americanas que se arreigaram às alas ultra conveniência da Opus Dei e dos Cavaleiros de Malta!...

Savimbi contava também nos Estados Unidos com o apoio da “Cuban American National Foundation”, que tinha a ver com a linha conservadora “cristã” dos tempos de Ronald Regan…

Se na altura a Revolução Cubana não teve capacidade suficiente para, por via da solidariedade e internacionalismo, poder avançar com aliados na América Latina na libertação dos povos (seriam precisas mais duas décadas para que isso começasse a acontecer), em África pôde e soube-o fazer nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX, com a aliança com os componentes do Movimento de Libertação representados na CONCP e particularmente em Angola, de que a Operação Carlota e a vitória de Kuito Kuanavale são exemplos!

Foto simbólica da amizade Angola-Cuba, forjada nos momentos mais decisivos do Movimento de Libertação em África.

Artigos anteriores (os dois primeiros publicados em janeiro e o terceiro publicado em março de 2008, no Página Um, a retirados da blogosfera)
- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – I;
- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – II;
- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – III.

Alguns livros
. René Pélissier – “História das campanhas de Angola”; “As campanhas coloniais de Portugal”; “História de Angola”;“O Minotauro”.
. Atsutsé Kokouvi Agbobli – “Jonas Savimbi, Combats pour l’Afrique et la democratie”.
. Dora Fonte – « O rapto ».
. Jaime Nogueira Pinto – « Jogos Africanos ».
  
Da Internet
. René Pélissier : "Falar de cinco séculos de colonização portuguesa é uma burla!" – http://expresso.sapo.pt/rene-pelissier--falar-de-cinco-seculos-de-colonizacao-portuguesa-e-uma-burla=f597300
. Jonas Savimbi – America´s abandoned alied – http://jonas-savimbi.com/4.htm
. Jonas Savimbi: Washington's Freedom Fighter," Africa's "Terrorist"" – http://www.fpif.org/articles/jonas_savimbi_washingtons_freedom_fighter_africas_terrorist
. Conservative Hails Savimbi as 'Great Angolan Patriot' – http://cnsnews.com/news/article/conservative-hails-savimbi-great-angolan-patriot
. Minhas conversas com um antigo oficial do exército da UNITA – http://jaimeazulay.blogspot.com/2012/03/minhas-conversas-com-o-sr-kate-hama.html
. Portugal deixou a PIDE colaborar com o « apartheid » - Óscar Cardoso – http://www.angonoticias.com/Artigos/item/42856/portugal-deixou-a-pide-colaborar-com-apartheid-oscar-cardoso
. A aliança com os colonos – http://kuribeka.com.sapo.pt/aliancacolonos.htm
. Confirmado acordo de tréguas em 1972 entre o exército português e a Unita na guerra de Angola – http://www.publico.pt/politica/noticia/confirmado-acordo-de-treguas-em-1972-entre-o-exercito-portugues-e-a-unita-na-guerra-de-angola-1378779
. A verdade, nada mais que a verdade – Carta de Bela Malaquias, esposa de Eugénio Manuvakola, para Lukamba Gato.
. UNITA pagou abastecimentos com três mil toneladas de marfim – http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/unita_pagou_abastecimentos_com_tres_mil_toneladas_de_marfim
. O MPLA liderou não só a libertação de África, mas também (nunca se esqueçam) da Europa –http://paginaglobal.blogspot.com/2012/03/o-mpla-liderou-nao-so-libertacao-de.html
. La guerre secrète au Portugal – http://www.voltairenet.org/article169872.html
. A cruzada branca contra comunistas e seus lacaios – http://www.dn.pt/Inicio/interior.aspx?content_id=619761&page=-1

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