Fernanda
Câncio – Diário de Notícias, opinião
A
manifestação/concentração de 14 de novembro de 2012 à frente do parlamento,
lembram-se? Foi aquela em que a polícia, de capacete e fato antimotim, esteve a
levar com pedras do passeio, arremessadas por meia dúzia de pessoas, durante
uma - inexplicável - hora. Ao fim da qual avançou e varreu à bastonada a praça
e todas as ruas, circundantes e não circundantes, até ao Cais do Sodré, agrediu
dezenas e prendeu outras dezenas de pessoas.
Pois
bem: mais de dois anos depois, aliás, dois anos, quatro meses e duas semanas
depois, a 1 de abril (adequado, como se verá), soube-se do resultado da
averiguação efetuada pela Inspeção-Geral da Administração Interna. E sabemo-lo
por um jornal, o Sol, que "teve acesso ao relatório", porque acesso
público - por exemplo no site da instituição, onde seria de esperar ver o dito
- não existe. Aliás, mesmo para jornalistas, fui informada, só por requerimento
e "tem de ir a despacho".
Criada
há 20 anos, na sequência da horripilante decapitação de um cidadão no posto da
GNR de Sacavém, a IGAI surgiu como a grande esperança de que as forças
policiais fossem na sua atuação alvo de fiscalização e formação no sentido de
respeitarem a lei - incluindo, naturalmente, os deveres de respeito pelos
direitos fundamentais dos cidadãos, razão de ser primeira das polícias. Mas o
tempo incompreensível ocorrido desde os acontecimentos até, segundo o Sol, o
relatório ficar "disponível" (para quem?) e os excertos reproduzidos
esmorecem a expectativa. Diz então a IGAI que houve "abuso de poderes
funcionais" por parte dos agentes. Enumera: "empunhar o bastão com o
cotovelo acima do ombro" (dando balanço); bater na cabeça (e até na cara,
num dos casos reportados pelo relatório); conduções ilegais a esquadra
"para identificação"; colocação de pessoas, nem sequer detidas
formalmente, em celas; etc. Menciona por exemplo um bombeiro que, indo para o
trabalho, foi apanhado na confusão e acabou cinco dias no hospital e uma jovem
de 17 anos que diz terem-na obrigado a despir-se integralmente e a pôr-se, nua,
de cócoras (fez queixa ao DIAP, que arquivou), entre outros. Conclusão da IGAI:
se a conduta dos agentes em causa "mereceria certamente censura e ação
disciplinar", como "as caras estavam escondidas pelos capacetes e
viseiras" nada se pode fazer. O mesmo quanto às nove pessoas que alegam
ter sido agredidas na casa de banho da esquadra do Calvário por "agentes
embuçados": "Uma agressão poderia produzir gritos e estes seriam
ouvidos pelas muitas pessoas que estavam na esquadra", cita o Sol. Mas
"mesmo que houvesse prova, os seus autores não poderiam ser
reconhecidos" - estavam embuçados, então. O jornal resume: "Tudo
arquivado." Pode acrescentar-se: batam, prendam ilegalmente, torturem,
desvirtuem por completo a vossa missão, envergonhem o vosso uniforme, senhores
polícias. Desde que ninguém filme e tapem a cara, da IGAI (que também pode
pintá-la de preto, já agora) não esperem castigo.
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