Isabel
Moreira – Expresso, opinião
O
medo enfrenta-se com a afirmação da liberdade. O medo causado por um episódio
trágico não pode gerar soluções securitárias imediatistas como se o episódio
fosse reflexo de uma realidade constante e preocupante.
O
medo tem de recusar a exploração da emoção, a exploração de estereótipos
habilidosamente construídos nos cérebros observadores.
Não
se acrescenta medo ao medo, não se faz lucro com o medo, atropelando princípios
essenciais, como a reserva da vida privada. É penoso assistir a reportagens
sobre o piloto suicida que se atrevem a filmar a casa onde ele vivia, o bairro,
a casa dos pais, criando um imaginário do "homem que fez aquilo" que
nos "deve levar a pensar em medidas como a obrigatoriedade da presença de
dois tripulantes na cabine dos pilotos".
Todas
as mortes registadas por acidentes de aviação nos últimos quarenta anos
correspondem ao número de mortes, nos EUA, por exemplo, diárias, em hospitais
com causas evitáveis.
Há
um espírito totalitário nesta coisa de explorar um facto isolado ou
caracterizá-lo erradamente para ter a aceitação, por parte do povo, de medidas
securitárias.
O
mundo não ficou mais seguro depois do terrível 11 de Setembro, antes partiu-se
para uma guerra idiota com o apoio de Barroso. As medidas de segurança devem
existir, mas não se pode perder o fio civilizacional da ponderação entre
segurança e liberdade, não se pode perder de vista o pressuposto segundo o qual
vivemos uns com os outros presumindo o risco e apesar dele.
Do
mesmo modo, o respeito pelo Estado de direito é verdadeiramente testado quando
lidamos com as realidades que mais nos repugnam. É o caso do abuso sexual de
menores, assunto que a MJ achou por bem trazer para a praça pública com um
projeto de lei que institui a prisão perpétua, incita ao linchamento popular e
que de eficaz não tem nada.
Para
conseguir a adesão do sentimento normal de pais e mães horrorizados com um
crime horroroso - que é -, esqueceu-se de mencionar que o mesmo tem lugar, na
esmagadora maioria das vezes, no seio da família, mentiu descaradamente acerca
das taxas de reincidência e caiu assim na tal lógica totalitária de tentativa
fraudulenta de adesão ao poder. E ainda está em funções.
Não
podemos viver numa sociedade cheia de grades contra perigos imaginários. É que
nós também ficamos reféns das grades.
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