sábado, 4 de abril de 2015

NÃO SE ENFRENTA O MEDO COM GRADES



Isabel Moreira – Expresso, opinião

O medo enfrenta-se com a afirmação da liberdade. O medo causado por um episódio trágico não pode gerar soluções securitárias imediatistas como se o episódio fosse reflexo de uma realidade constante e preocupante.

O medo tem de recusar a exploração da emoção, a exploração de estereótipos habilidosamente construídos nos cérebros observadores.

Não se acrescenta medo ao medo, não se faz lucro com o medo, atropelando princípios essenciais, como a reserva da vida privada. É penoso assistir a reportagens sobre o piloto suicida que se atrevem a filmar a casa onde ele vivia, o bairro, a casa dos pais, criando um imaginário do "homem que fez aquilo" que nos "deve levar a pensar em medidas como a obrigatoriedade da presença de dois tripulantes na cabine dos pilotos".

Todas as mortes registadas por acidentes de aviação nos últimos quarenta anos correspondem ao número de mortes, nos EUA, por exemplo, diárias, em hospitais com causas evitáveis.

Há um espírito totalitário nesta coisa de explorar um facto isolado ou caracterizá-lo erradamente para ter a aceitação, por parte do povo, de medidas securitárias.

O mundo não ficou mais seguro depois do terrível 11 de Setembro, antes partiu-se para uma guerra idiota com o apoio de Barroso. As medidas de segurança devem existir, mas não se pode perder o fio civilizacional da ponderação entre segurança e liberdade, não se pode perder de vista o pressuposto segundo o qual vivemos uns com os outros presumindo o risco e apesar dele.

Do mesmo modo, o respeito pelo Estado de direito é verdadeiramente testado quando lidamos com as realidades que mais nos repugnam. É o caso do abuso sexual de menores, assunto que a MJ achou por bem trazer para a praça pública com um projeto de lei que institui a prisão perpétua, incita ao linchamento popular e que de eficaz não tem nada.

Para conseguir a adesão do sentimento normal de pais e mães horrorizados com um crime horroroso - que é -, esqueceu-se de mencionar que o mesmo tem lugar, na esmagadora maioria das vezes, no seio da família, mentiu descaradamente acerca das taxas de reincidência e caiu assim na tal lógica totalitária de tentativa fraudulenta de adesão ao poder. E ainda está em funções.

Não podemos viver numa sociedade cheia de grades contra perigos imaginários. É que nós também ficamos reféns das grades.

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