Em
entrevista à DW África, Borges Nhambire, do Centro de Integridade Pública de
Moçambique, denuncia irregularidades presentes nas parcerias público-privadas,
e acusa a empresa Whasintelec de falta de transparência.
Em
Moçambique, o Centro de Integridade Pública (CIP) denuncia uma das muitas
irregularidades presentes nas parcerias público-privadas (PPP). Trata-se da
empresa Whasintelec, detida pelos grupos das famílias Guebuza e Machel, e pela
empresa alemã Siervers. Esta sociedade dedica-se ao fornecimento e distribuição
de chapas de matrículas para viaturas, mas a única empresa que possuiknow-how na
área é a alemã.
A
DW África entrevistou Borges Nhamire, autor do estudo do CIP intitulado
"Como as PPP são usadas para beneficiar elites e prejudicar o
Estado", que começa por responder a essa mesma questão.
Borges
Nhamire (BN): Nós chegamos à conclusão de que (a Whasintelec) prejudica o
Estado porque não está a cumprir com os termos do contrato. O incumprimento
mais evidente é que não está a construir uma fábrica de produção de chapas de
matrícula, como diz no contrato e também no caderno de encargos que devia ser
construída para que as chapas de matrícula fossem produzidas em Moçambique. Isso
iria permitir criar postos de trabalho e gerar todos os benefícios que uma
indústria gera num país. As chapas de matrícula são importadas da Alemanha,
onde está sediada a outra empresa que faz parte do consórcio.
DW
África: A Whasintelec, empresa que ganhou o concurso público, só foi criada
depois da prorrogação do concurso público. Essa prorrogação foi feita para
beneficiar esta empresa?
BN: É
a ligação que se pode fazer, porque não houve nenhuma justificação quanto ao
prorrogamento do concurso. Entretanto, se o concurso tivesse terminado no
primeiro prazo, a Whasintelec ainda não existia, pois não teria concorrido.
Assim sendo, o único beneficiário da prorrogação foi a Whasintelec. O concurso
foi prorrogado, a Whasintelec foi criada, e depois o concurso encerrou e a
empresa foi declarada a vencedora. E nós questionamos: como é que uma empresa
comparticipada pelos chefes de Estado concorre a um concurso lançado pelo mesmo
Governo? E o júri que foi constituído para avaliar as propostas é um júri que
não tem nenhuma independência, está subordinado ao Ministério dos Transportes e
das Comunicações, que por sua vez está subordinado ao Presidente da República.
DW
África: Amanhã vai ser assinada publicamente a declaração de princípios
relativamente à despartidarização do Estado. Em que medida espera que este novo
instrumento contribua para o fim de situações como esta?
BN: Não
quero ser pessimista, mas eu penso que não é isso que vai mudar o modus
operandi das nossas elites políticas. Moçambique tem um conjunto de leis
muito positivas nessa questão de proteção e conflito de interesses, e podemos
também falar na lei de propriedade pública, que é recente. Mas para o caso
específico das parcerias público-privadas, Moçambique tem uma lei desde 2011.
Essa lei diz claramente quais são os objetivos das parcerias público-privadas,
e uma das coisas que exige é a transparência e a publicação dos contratos. Está
claramente escrito na lei que para a atribuição das concessões deve haver
concurso público, mas o que acontece é que há manipulação dos concursos, como
vemos neste caso, e os contratos simplesmente não são publicados. Não há nenhum
contrato das parcerias público-privadas que seja público. Eu penso que a
questão dos negócios que as elites políticas estão a fazer com o Estado, que é
a forma que eles encontram para a acumulação de riqueza, não tem a ver com a
falta de instrumentos legais. Para se eliminar isso é preciso que tenhamos um
Ministério Público atuante que responsabilize as pessoas pelas diversas
infrações que cometem.
DW
África: E qual é o papel da empresa alemã Siervers neste caso?
BN: Essa
empresa alemã é a única empresa que tem conhecimento, que tem o know-how de
produzir chapas. O que acontece é que quando uma empresa estrangeira vem para
Moçambique, e temos de reconhecer que não temos muitas empresas especializadas,
a condição para fazer negócio é aliar-se com políticos que não têm nenhum
conhecimento na área. E o que é que os político dão? Dão a cobertura em termos
de influência e a empresa fica a fazer os negócios. É isso que está a acontecer
agora na Whasintelec. A empresa alemã vai fazendo o trabalho, vai importando as
chapas, e a parte política garante proteção a essa empresa, para que não seja
responsabilizada no incumprimento do contrato. A empresa não está a fazer
aquilo que se comprometeu a fazer: produzir as chapas em Moçambique, e não há
nenhuma responsabilização, exatamente porque tem essa proteção. O que está a
acontecer é que empresas que são íntegras no Ocidente, como esta empresa, que
pode ser íntegra na Alemanha, quando chegam aqui encontram terreno fértil para
subverterem o espírito de negócios transparentes, e começam a fazer este tipo
de negócios que prejudicam a sociedade, para benefício próprio e de alguns
aliados que são as elites políticas.
Nádia
Issufo – Deutsche Welle
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