quinta-feira, 4 de junho de 2015

O PASSADO NÃO DEVE REGER O PRESENTE NEM BLOQUEAR O FUTURO



Expresso das Ilhas (cv), editorial

Em mais um Dia da África, o 25 de Maio, o foco da atenção do mundo recai sobre o futuro do continente. As tragédias dos naufrágios no Mar Mediterrâneo com perdas de milhares de vidas vieram lembrar os problemas terríveis com que se debatem as populações. É facto que em várias regiões do continente, a falta de autoridade do estado, junta-se aos extremismos religiosos, à violência étnica e a desastres naturais para empurrar milhares para migração clandestina para Europa. Mas, apesar da crise humanitária que se seguiu, não se nota o regresso ao afro-pessimismo dos anos passados. A África é hoje visto como um continente do futuro. A prestigiada revista britânica Economist já não se refere à África como o continente sem esperança (hopeless) mas sim como o continente promissor (hopeful).

Declarado em vários círculos do capital internacional como “a última fronteira”, a África tem merecido recentemente de países como a China, Índia e o Japão um interesse redobrado. Interesse que não fica pela exploração dos minérios e do petróleo, mas vai mais além para outros sectores da manufactura, energia e serviços diversos em particular nas áreas de informação e comunicação. Os potenciais parceiros económicos já não são somente as antigas potências coloniais e a América. Em tempos de globalização, a possibilidade de desenvolver múltiplas e complexas ligações económicas com todos os outros continentes são muito maiores e as potencialidades são imensas. O crescimento em média de 5 % nos últimos anos deve-se à maior capacidade de atracção do investimento directo estrangeiro e ao aumento das exportações para o qual tem contribuído grandemente a dinâmica das economias dos países emergentes, os BRICS.  

Várias razões concorrem para justificar porque os países africanos ficaram atrás quando comparados com os países asiáticos. Nos princípios da década de sessenta não havia muita diferença entre o rendimentoper capita da Coreia do Sul, da Singapura e de Taiwan e o do Gana, Nigéria ou Costa do Marfim. Girava tudo à volta dos 200, 300 dólares anuais. Porquê, então, hoje só se pode falar de tigres asiáticos e não de leões africanos. Um factor de peso que contribuiu para que o resultado fosse diferente num caso e noutro foi certamente a natureza e qualidade da liderança.

As opções de política económica no caso de vários países asiáticos permitiram-lhes criar uma capacidade endógena de criação de riqueza. Na África, pelo contrário,  houve países que se contentaram em viver dos recursos naturais como minérios e petróleo. Outros que não tinham tais recursos desenvolveram a capacidade de explorar o filão da ajuda internacional. Também na Ásia apostaram no sector privado e nas exportações e as consequências viram-se: ganharam em competitividade, aumentaram a produtividade, criaram uma classe média alargada e retiraram milhões de pessoas da pobreza. Enquanto isso, na África faziam-se experiências do socialismo africano, enveredava-se pelo caminho da crescente estatização da economia, não se promovia o sector privado nacional e incentiva-se a economia informal. É evidente que daí só podia vir pobreza das populações e crescente vulnerabilidade do país em relação aos choques naturais ou de outra natureza. Interessante notar que mesmo quando, num caso e noutro, africano ou asiático, os regimes não eram democráticos mas sim autoritários as lideranças primaram por fazer opções abismalmente diferentes.

Os “libertadores” em vários países africanos sempre quiseram perpetuar o poder que receberam no momento da independência. Para renovar a legitimidade histórica tiveram que, por um lado, alimentar o sentimento de vítima do colonialismo e a memória dos seus horrores como a escravatura e, por outro, impedir efectivamente que as pessoas e a sociedade ganhassem autonomia a ponto de exigir responsabilidade à governação do país e renovação dos governantes via métodos eleitorais democráticos. Em nome do Poder sem controlo sacrificaram os seus países com a perda de múltiplas oportunidades de se industrializarem, deixaram milhões na miséria e promoveram uma postura de assistencialismo e dependência que a prazo se tornou num dos maiores obstáculos ao desenvolvimento. Na Asia foi diferente. Os governos mesmo autoritários de Coreia do Sul, de Singapura ou mesmo da China procuraram relegitimar-se fazendo os seus países crescer a taxas elevadíssimas durante décadas seguidas.

Felizmente que nesta segunda década do século 20 há fortes sinais que em muitos países africanos se quer ultrapassar os constrangimentos do passado e a partir daí construir um futuro integrado no mundo numa perspectiva em que o que realmente conta são os factores de competitividade, produtividade e inovação. O volume crescente de investimento directo estrangeiro em direcção à África é um sinal forte de que se está no bom caminho. Mas como disse Mo Ibrahim numa entrevista à revista Foreign Affairs o fundamental para o futuro da África é o Estado de direito democrático e a afirmação do primado da lei. A actividade privada e o empreendedorismo dependem disso. E o futuro também.

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