Abdulai Keita*, opinião
Na
democracia pluralista, multipartidária e parlamentar, ninguém pode governar
legalmente e com legitimidade sem a posse da capacidade de criação e de
garantia a seu favor, de uma maioria de votos em todas as instâncias de tomada
de todas as decisões de grande relevo, relativas a sua governação e em geral. A dimensão da justeza
(ou viabilidade) política ao lado das da legalidade e legitimidade prevalecem
incondicionalmente. Senão, a capacidade de diálogo constitui um outro
instrumento de recurso para a criação constantemente sem nunca se cessar, os
favoráveis ambientes de negociação. Outras duas dimensões também prevalecentes
incondicionalmente no mesmo quadro.
Ora,
tudo indica que estes pressupostos (pelo menos e sobretudo o primeiro) não
foram tidos em conta na tomada da decisão da S. Exa. Sr. Presidente da
República José Mário Vaz (JOMAV), tornada pública no dia 20 de Agosto de 2015,
na nomeação da S. Exa. Sr. Baciro Djá no cargo do novo Primeiro-Ministro da
Guiné-Bissau. Uma observação e interpretação portando sobre quatro atos
políticos ocorridos neste país entre Junho do corrente e semanas antes da data
dessa nomeação fundamentam esta afirmação, a saber:
a votação, pelo Comité Central (CC) do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), de uma moção de louvor às prestações do governo agora deposto; efetuada no dia 22.06.2015;
a
votação pelos deputados da Assembleia Nacional Popular (ANP, o parlamento
bissau-guineense), de duas moções de confiança em favor deste mesmo governo;
efetuada nos dias 25.06 e 07.08.2015, e;
a
suspensão efetivamente do Sr. Baciro Djá (até lá, 3° Vice-Presidente do PAIGC),
para os três próximos anos, de todas as suas funções e das instâncias do PAIGC
e, seu impedimento a retomar suas funções de deputado da nação no seio do grupo
parlamentar do PAIGC na ANP; efetuada pela Comissão de Jurisdição do PAIGC e
confirmada pelo CC do PAIGC no dia 08.08.2015.
Sendo
essa realidade política, factos reais de terreno e observada de ponto de vista
prospetivo, em
relação à dimensão da justeza política da presente decisão política da S. Exa.
Sr. Presidente da República; esta, posta em relação com as possíveis reações em
termos das decisões (ou opções) de voto, dos
atores políticos implicados nas instâncias dos órgãos de decisão a nível do
Presidente, Bureau Político, Comité Central e Comissão de Jurisdição do PAIGC
(o Sr. Baciro Djá, na qualidade do 3° Vice-Presidente do PAIGC perdeu todos os
atos votivos na data antes mencionada e noutras nestes órgãos), dos
deputados da Bancada do PAIGC na ANP e dos demais deputados deste órgão (as
duas moções de confiança antes mencionadas foram votadas pela unanimidade na
ANP); tendo
em conta todos estes dados, pergunto: como
é que a S. Exa. Sr. Baciro Djá, o nosso novo Primeiro-Ministro, irá conseguir
criar, uma vez constituído o seu elenco governamental, sobretudo na ANP, as
maiorias em favor das suas decisões governativas de grande relevo (por ex. na
votação do seu programa e orçamento de Estado; na votação de eventuais moções
de confiança ou de censura)?; garantindo doravante as condições melhores de
estabelecimento de um clima mais estável e duradouro de governação do e no
país, devendo ser melhor do que no período findo de um ano do governo deposto; COMO?
As
respostas são claras de ponto de vista analítico e prospetivo. Falando
efetivamente (sem magia), com base nestes dados bem observáveis mesmo a olho
nu, a decisão desta nomeação, de ponto de vista da sua justeza política,
comporta fortes indícios de um eventual impasse governativo gritante; ou de
igual modo, da provocação de um ambiente de fortes tensões político-sociais e
consequentemente de instabilidade generalizada sem controle. Com um desfecho
imprevisível e incerto rumo ao muito negativo. Espero vivamente e rezo com toda
a abertura da alma para que essa minha conclusão imposta pela interpretação dos
factos do terreno e em ação aqui expostos, não venha tornar-se uma realidade de
facto.
Pois
não obstante e contudo, ainda existe a via de uma boa solução conhecida (já
exposta também por mim num outro doc. publicado, entre outros, sob o título de
“estou triste” no blog “rispito”, no dia 16.08.2015). Essa via é, repito: deixar
a iniciativa da nomeação de um novo Primeiro-Ministro ao cargo do PAIGC;
aceitar o nome do Engo. Domingos Simões Pereira se for proposto pelo Partido,
ou um outro nome; negociar com a pessoa proposta e com o Partido a futura forma
de coabitação mais adequada. Elaborar para o efeito se assim se achar, mesmo um
código especial de conduta sobre o relacionamento Presidente/Primeiro-Ministro,
podendo integrar ainda outras matérias. E no mesmo quadro, negociar alguns
aspetos da estrutura de Governo e do perfil dos seus titulares.
(Consultar
também neste debate os trabalhos dos senhores, Timóteo Saba M’BUNDE, “a destituição
do governo: entre a legalidade e a legitimidade”, no http://www.odemocratagb.com/opiniao-a-destituicao-do-governo-entre-a-legalidade-e-a-legitimidade/,
consultado no dia 20.08.2015; e Victoriano Gomes de PINA, “Decreto presidencial
inconstitucional e o supremo tribunal de justiça nisto?”, no http://www.rispito.com/2015/08/decreto-presidencial-inconstitucional-e.html#more,
consultado no 20.08.2015).
Eis
a única via de uma boa solução de momento. Quer dizer, aquela que a nossa
democracia nos deixa nesta legislatura. Na base dos resultados das eleições
presidenciais e legislativas de Abril e Junho de 2014, das leis existentes e
das práticas políticas já exercidas com provas positivas claras neste nosso
país que é a Guiné-Bissau.
Eleições
que nos trouxeram uma constelação e corelação precisa de forças dos grupos de
atores (elites governantes, via, Partidos políticos) e suas estabelecidas
alianças (relações) políticas que atualmente temos no terreno.
Por
exemplo, a aliança exprimida no nível de governação deste governo agora deposto
pelo termo de GOVERNO DE INCLUSÃO, articulada na ANP (o pilar legislativo do
nosso sistema de poder) pela seguinte composição: num total de 102 assentos, 57
são ocupados pelo PAIGC; 41 pelo PRS; 2 pelo PCD; 1 pelo PND; e um outro 1 pelo
Partido UM[] . E dessa composição, três destes Partidos representando 99
assentos (PAIGC, PRS e UM) são (ou eram) constituidores deste tal Governo de
Inclusão agora deposto. Representando assim, um potencial capacidade de criação
e garantia de uma maioria de votos na ANP em seu favor, para utilizar uma
terminologia dos sistemas consensuais de tomadas de decisão, uma maioria da
concordância unânime (menos um ou três votos). Maior do que as maiorias que se
denominam nos sistemas de tomadas de decisão pela maioria/minoria, por maioria
absoluta qualificada (quando tratando-se de cifras de entre 60 a 90% de votos).
Quer
dizer, o Governo agora deposto encontrava-se dotado de uma representatividade
(base de apoio parlamentar) de 97% de assentos na ANP, correspondente a cerca
de 69% dos votos de votantes do eleitorado bissau-guineense nas legislativas de
Abril 2014. Uma base de apoio parlamentar de sonho, mesmo para os governantes
de Estados como a Suíça, campeão na constituição de governos de grande
coligação nacional desde já há 168 anos, nunca ultrapassando a
representatividade de entre 60 e 85%.
Um
Governo de Inclusão portanto (ou de grande coligação nacional; ou melhor ainda,
de consenso), constituindo (era a minha esperança) a melhor base que devia ser
consolidada a todo custo na sua forma, ainda para mais três anos (o fim do
presente período legislativo), para, durante este tempo, melhor negociarmos os
nossos problemas atuais e entabular a negociação de outros arrastados (casos de
impunidades e tudo mais) e amontoados (sistema escolar, sistema de saúde,
relação o componente civil/defesa e segurança do nosso sistema de poder, etc.).
Herdados, produzidos e arrastados e amontoados desde à partida da prática e
exercício da democracia pluralista, multipartidária e parlamentar há 21 anos na
nossa Guiné-Bissau.
Existem
efetivamente duas outras vias de solução ainda (também descritas no meu doc.
antes referido). Discutíveis do ponto de vista da sua legalidade e legitimidade,
mas claramente inviáveis politicamente nesta legislatura, do ponto de vista da
sua justeza política. Uma, é esta da iniciativa presidencial agora seguida pela
S. Exa. Sr. Presidente da República (mesmo se com um “B mole” pelo menos por
enquanto). E nisto, nada de novo.
Pois
é a via já experimentada na sua versão mais extrema no passado pela S. Exa. Sr.
Presidente da República Dr. Mohamed Kumba Yalá (Novembro de 2002 a Setembro de
2003). Saiu-lhe muito mal e infelizmente também ao país. Desembocou num golpe
de Estado no fim.
Também,
e na sua versão igualmente mais extrema, a S. Exa. Sr. General João Bernardo
Vieira (Nino) a experimentara (Agosto a Dezembro de 2008; 4 meses apenas).
Tendo-lhe também saído mal. Muito mal mesmo.
Pois
permitiu ao PAIGC vencer 66 mandatos nas legislativas tidas logo quatro meses
após aquele ato. Esta formação deixando então de longe os 45 mandatos detidos
antes até lá na ANP, ora dissolvida pelo General Presidente. E o PRID, então
apoiado por este mesmo, conseguira apenas 3 lugares. O eleitorado
Bissau-guineense, ao contrário das conversas que se ouve por aí, aqui e acolá,
apontado como um simples compósito de ignorantes analfabetos, afinal, sabe bem
escolher e mandar mensagens políticas claras aos membros da sua elite
governante do país. Que depois fazem outra coisa. Falham! Por recusar em
aceitar e seguir as mensagens de simples leitura, sempre contidas nos
resultados eleitorais.
Em
todo o caso, foram estes, os resultados que obrigarão logo depois o General
Nino a entrar forçosamente numa nova coabitação com o Sr. CADOGO Jr., então
Presidente do PAIGC, em como
Primeiro-Ministro. Demitido antes pelo mesmo em 2005. Uma
coabitação que veio terminar com a catástrofe dos assassinatos de 1 e 2 de
Março de 2009. Que todos conhecemos!
O
governo da iniciativa presidencial, tendo tornado assim na Guiné-Bissau um
daqueles géneros de atos políticos marcado definitivamente por indícios fortes
da recusa de diálogo honesto, franco e inclusivo da parte dos seus Ilustres
Presidentes. O defunto, S. Exa. Sr. Presidente da República Malham Bacai Sanhá
(paz ku sussegu pa si alma) foi uma exceção.
Uma
opção portanto, que nunca valeu nada para ninguém. Nem ao Dr. Kumba e tão pouco
ao General Nino. E infelizmente, muito menos ao nosso país. Os dois Ilustres
Presidentes não conseguiram salvar com os seus gestos, nem seus mandatos, nem
nunca mais foram reconduzidos. Zero benefício portanto para todo o mundo!
Eis
a nossa realidade nesta matéria de nomeações à revelia dos resultados
eleitorais. Criação de governos de iniciativa presidencial. Feita de factos
políticos concretos muito recentes e observáveis, como já disse, mesmo a olho
nu. E, por isso, porque não tirar lições positivas de tudo isto? Optando pelo
sentido positivo! Evitando os graves erros deste passado presente gritante, que
ainda se mantenha tão bem vivo nas nossas mentes.
Estou
muito, muito inquieto e cético por isso em relação a nomeação aqui apreciada.
Mas também muito otimista, porque, Sim Senhor!, existe UMA VIA DE BOA SOLUÇÃO
muito bem conhecida por muita gente. Por isso, espero e desejo boa sorte a
todos nós bissau-guineenses. Que prevaleça o BOM SENSO.
Na foto: Abdulai Keita
Na foto: Abdulai Keita
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